Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

terça-feira, setembro 09, 2008

O mito das reformas: ilustração com o caso do Ensino Superior (v. 2)

1. Em Portugal, é comum confundir-se reformas, da economia, das instituições, da administração pública, do que quer que seja, com a produção de leis. Talvez por isso seja tão difícil aos nossos políticos perceberem porque é que as empresas, sob as mesmas leis do trabalho, podem ter desempenhos tão contrastados consoante sejam controladas por entidades externas ou nacionais. Felizmente, são cada vez mais as situações em que os nacionais rivalizam com os demais em capacidade de organização da produção e de encontrar respostas para as oportunidades existentes nos mercados globais.
2. Não foi há muitos anos que visitei um estabelecimento industrial existente no município de Famalicão, filial de empresa de origem alemã, que era na altura e persiste sendo hoje uma das unidades mais eficientes do grupo. Questionado o gestor português da unidade sobre as razões desse desempenho (cadência de trabalho? Níveis de assiduidade?), obtive a resposta de que os trabalhadores não estavam sujeitos a regimes de esforço excepcionais. Adicionalmente, não tinha reclamação a fazer em matéria de assiduidade. Admitia que a empresa pagava algo acima dos acordos de contratação colectiva do sector.
3. No contexto do mesmo estudo, visitei também uma empresa de capitais americanos, localizada na periferia de Guimarães, que, ao lado da unidade existente, estava a construir uma outra para a produção de um novo receptáculo para distribuição de gás, por recurso a uma solução tecnológica inovadora. Era aí que iria ser produzida a botija de gás que viria a chamar-se Pluma e que, na ocasião, não havia ainda sido baptizada nem sonhava aparecer na televisão transportada ao ombro de uma elegante menina polaca. Essa entidade era também um operador do mercado global que primava pela eficiência e que, além disso, era inovadora no sentido “radical” do termo. Para o efeito, não havia hesitado em associar-se a uma empresa nacional e a universidades portuguesas para se distinguir dos seus concorrentes. O gestor que me recebeu era português, vestindo a camisola da entidade societária para quem trabalhava.
4. Um exemplo da visão persistente no país sobre o que é um processo de reforma é o que se vem passando no Ensino Superior, cujo expoente máximo em termos de enunciado de reforma é o RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior), aprovado na Assembleia da República em Julho do ano passado e publicado em Diário da República no mês de Setembro do mesmo ano, com o número de série 62/2007. Pretendia a lei introduzir um novo modelo de governação das Instituições de Ensino Superior e conferir ao funcionamento daquelas mais eficácia e autonomia. No ano precedente àquele (2006), a pretexto de “Bolonha”, iniciara-se o processo de redução da duração dos cursos e, o que não é facto menor, a redução do financiamento das Instituições, o que foi consistentemente prosseguido no ano seguinte e será de supor que seja prática para preservar até ao fim da legislatura. Aliás, sob densa cortina de fumo, é disso notícia o que vai aparecendo nos jornais no contexto da preparação do orçamento de Estado do próximo ano. É bom não esquecer que 2009 é ano de eleições e, nesse contexto, fica sempre bem reafirmar votos de compromisso com a educação e a ciência. Daí a necessidade da cortina de fumo.
5. Um ano passado desde o desencadear da grande reforma do consulado Gago, enquanto a maioria das Instituições aguarda, ainda, a homologação dos estatutos elaborados à luz da nova lei, é já possível fazer uma primeira avaliação da dita, porventura para concluir, como posso dizer do que se passou na universidade onde trabalho, que “a maior parte das deliberações da Assembleia Estatutária consagradas em sede de estatutos corresponde à tentativa de preservação do status quo que (nos) conduziu à falta de projecto, de equilíbrio financeiro e de eficácia organizacional que temos”. Leia-se: para chegar aqui, não precisávamos da lei nº 62/2007; para obter este resultado, não precisávamos de ter no MCTES ministro tão inspirado e ousado. Acrescente-se que, nisso, a Instituição onde trabalho não se distingue da generalidade das suas congéneres.
6. Um aspecto que me intriga sobremaneira na forma como a revisão dos estatutos foi feita na grande maioria das Instituições de Ensino Superior foi a circunstância destas terem podido prescindir da definição de uma Visão para o médio-longo prazo, isto é, terem prescindido de qualquer tipo de exercício estratégico, com definição de objectivos a realizar no horizonte temporal definido. Fazendo justiça a quem a merece, assinale-se que não foi este o caso do Instituto Politécnico de Leiria e da Universidade (Clássica) de Lisboa, por exemplo, sendo que a primeira instituição que invoco não terá esperado pela lei para se repensar e definir metas. Ao contrário, houve até quem tivesse adoptado definições de Missão pedindo emprestado a um qualquer dicionário ou enciclopédia aquilo que é habitual dizer-se a esse propósito. Seriedade? Ousadia? Sentido de serviço à Sociedade? Que é isso? O que interessa é a reforma. O ministro tem a reforma que merece!
J. Cadima Ribeiro
*
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, produzido no contexto de colaboração em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

Sem comentários: