Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

sexta-feira, abril 03, 2020

O CONVID-19 e a situação económica em que Portugal se encontra: alguns elementos de reflexão

1.            Quais as maiores implicações para o país quando uma grande parte dos trabalhadores portugueses pararam?
R: Aparte a dimensão social e humana, a economia é profundamente afetada, obviamente, com consequências nos curto, médio e longo prazos. Para além da perda de rendimento e emprego que muitos indivíduos estão a sofrer, desde já, há que ter presente a inércia gerada no comércio interno e externo, que vai arrastar por muito tempo a situação de crise/ abrandamento económico, e os impactes da situação em matéria de equilíbrio financeiro dos sistemas de segurança social e de endividamento público. No caso português, dado o nível excessivamente elevado da dívida pública atual e não sendo claro que soluções de ajuda aos Estados-membros serão gizadas no quadro da União Europeia, é ainda prematuro prever a intensidade com que isso nos vai afetar a curto e médio prazos.
2.            Já podemos prever o cenário futuro do país no fim desta pandemia?
R: Conforme decorre do antes enunciado, se é possível antecipar previsões a curto-prazo em matéria de decréscimo do PIB (desde já, avançadas pelo Banco de Portugal e outras instituições), que, para 2020, podem variar entre 3,5% e 9%, consoante a duração do período crítico de manifestação da doença (COVID-19), de perda de postos de trabalho, que apontam para taxas de emprego que podem atingir 12% e crescimentos acentuados da falência de empresas e dos endividamentos das famílias e do Estado, há muitas outras dimensões que é prematuro assumir como possam evoluir. Por exemplo, no caso do turismo, tão estratégico para Portugal, o que possa acontecer depende não apenas da gestão interna da crise sanitária mas, igualmente, do que se possa passar nos países de origem dos nossos potenciais visitantes. Isso aplica-se, também, em grande medida ao comércio internacional, em geral.
3.            É importante manter a circulação do mercado?
R: Quanto mais acentuada e duradoura for a paragem da economia, em Portugal e no mundo com que nos relacionamos mais intensamente, mais profundos serão os impactes negativos experimentados e mais lento será o processo de reinstalação da normalidade económica.
4.            Estamos perante uma paralisia generalizada da economia?
R: Generalizada não é, no sentido em que há setores que continuam a funcionar, desde logo os diretamente ligados à saúde e à segurança públicas, e o setor alimentar básico. Porventura, em razão das circunstâncias especiais e dos locais em que se desenvolve a atividade, os setores agrícola e florestal serão dos menos atingidos. O recurso ao chamado teletrabalho também permite manter em funcionamento uma parte significativa da economia e da sociedade. Por exemplo, no setor dos serviços e, mesmo, do ensino superior e da investigação, uma grande parte das atividades estão a ser asseguradas. Quem tenha que movimentar-se por alguns lugares, vai também perceber que há alguns projetos na construção civil, que são suportados por um número restrito de trabalhadores, que continuam a avançar. Este enunciado de exceções à paralisia económica pode ser consideravelmente multiplicado.
5.            Como é que este grande problema pode afetar a União Europeia?
R: Na dimensão económica, a União Europeia é afetada na dimensão em que o são os seus estados-membros, mas há outras vertentes a reter, nomeadamente a da gestão política da crise e a financeira, isto é, que se prende com os montantes dos apoios a disponibilizar para apoiar as economias, e a forma do fazer. Os sinais que têm sido dados de falta de solidariedade interna, com expressão nalgumas declarações mais desastradas vindas a público, são preocupantes. Entretanto, também há sinais positivos, talvez tardios, como são os anúncios da Comissão Europeia da criação de uma linha de crédito à economia e do Banco Central Europeu em matéria de atuação planeada no que se reporta a aquisição de dívida pública.
6.            A Europa está a dar uma resposta concertante?
R: Como deixei dito, a gestão da situação na fase inicial da crise deixou transparecer sinais muito preocupantes, desde logo de coesão e solidariedade internas. Mais uma vez, foram evidenciadas clivagens entre países do “norte” e do “sul” e visões diferentes sobre os mecanismos de atuação para atacar a crise economia/financeira. Aparte falta de coesão, pode-se acusar as instituições da União de lentidão na resposta à crise. A Itália, em particular, queixou-se disso. À medida que o tempo foi passando e a crise se generalizou, as divergências atenuaram-se e foi melhor percebida a necessidade de atuação concertada das instituições da União Europeia.
7.            A ajuda da Europa deveria chegar já?
R: Percebendo-se que estruturas pesadas, complexas, como é a União Europeia, tenham dificuldade em dar respostas a situações emergentes, a concertação de atuações e a libertação de meios deverá ser tão rápida quanto a gravidade, indiscutível, da situação sanitário e económica o exigem. Maiores atrasos significarão mais custos, em vidas humanas e a nível de deterioração da situação económica, em geral.
8.            Qual a sua opinião sobre todo este assunto? Acha que o governo está a tomar as medidas certas?
R: O governo português tem revelado grande ponderação e bom senso, o que se saúda. Soube adotar um discurso adequado, centrado nas pessoas e procurando comunicar com elas, e foi escalando as medidas sanitárias e económicas à medida do que pareceu ser necessário fazer, sem precipitações. Obviamente, isso deu azo a críticas, posto que há sempre quem tenha outra perspetiva de gestão da situação e há aqueles que têm necessidade de criticar tudo, muitas vezes apenas para ganhar protagonismo público. As sondagens de opinião feitas sobre a matéria dão expressão de elevado consenso entre os cidadãos nacionais sobre a gestão feita da crise. 
9.            Quais os setores profissionais que vão ficar mais afetados?
R: Obviamente, resultarão mais afetados os setores profissionais ligados a atividades que estão completamente paralisadas ou a empresas que vão entrar em falência. Como disse, desde logo os profissionais das diferentes atividades ligadas ao turismo, desde o alojamento e restauração aos transportes, às agências de viagens e de aluguer de veículos, à animação turística, ao artesanato, etc., mas há muitos outros setores atingidos. Disso é expressão, por exemplo, a paragem na venda de automóveis, na venda de imóveis, e do comércio internacional, de um modo geral.
10.       Concorda com Mário Centena quando este diz que Portugal nunca esteve tão preparado para uma crise económica como agora?
R: Mário Centeno disse, e bem, que se não tivesse sido feita a gestão do endividamento público que foi feita Portugal não teria uma parte dos instrumentos financeiros de que dispõe atualmente, e de credibilidade, também. Demonstração pública, global, disso foi António Costa ter podido aparecer publicamente a criticar de forma veemente o ministro das finanças Holandês pelas palavras infelizes que proferiu sobre a gestão da situação sanitária e económica em Itália e em Espanha sem que alguém se atrevesse a contradizê-lo. Pelo contrário, quem sentiu necessidade de se retratar foi o dito ministro das finanças holandês. Em fórum público, referir-se às ditas palavras como “repugnantes” não é coisa que se espere ouvir de um Primeiro-ministro de um país da União Europeia sobre o que foi dito por um representante de outro. Só por isso, António Costa ficou com uma dívida eterna de gratidão para com Mário Centeno.
11.       Como funcionam os subsídios que o estado vai distribuir por algumas empresas? Existe alguma seleção?
R: O processo está no início e o que se conhece são as medidas enunciadas. A implementação traz sempre dificuldades que nem sempre são percebidas desde o início. Obviamente, simultaneamente com a celeridade de libertação de apoios financeiros há que cuidar que não haja posturas oportunistas. A isenção ou a derrogação de impostos e taxas têm mecanismos de aplicação mais claras e imediatas. Isso já está a acontecer. Sobre mecanismos como o “lay-off” e apoios associados, ainda há uma noção menos claro sobre como as coisas se estão a/vão passar. A ideia de que a inspeção da regularidade das situações se vai fazer a posteriori faz sentido, no presente contexto, e permite acelerar o processo de libertação de apoios financeiros.
12.       Dado que em Portugal a taxa de esforço dos Portugueses já é muito elevada, dados de setembro do jornal negócios apontam para uma taxa de 86% em Lisboa e de 51% no Porto, qual a sua opinião sobre a moratória dos empréstimos que está a ser implementada pelos bancos?
R: A declaração da moratória nos empréstimos aos particulares é uma exigência de equilíbrio dos orçamentos das famílias e da exploração dos bancos. Sem isso, as situações de incumprimento disparariam e com elas os créditos malparados nos balanços do bancos. Esperamos é que o prazo das moratórias seja compatível com a recuperação relativa da economia e do emprego. De outro modo, trata-se apenas de adiar a evidenciação de mais um problema no sistema financeiro. As taxas de esforço excessivas, na sua expressão atual, não são consequência da crise sanitária mas da falta de prudência das famílias no recurso ao crédito, e dos bancos na respetiva concessão. Por alguma razão o Banco Portugal produziu há algum tempo alguns alertas e orientações para o sistema bancário em relação a essa matéria. Tanto quanto se sabe, as instituições bancárias tenderam a ”fazer orelhas moucas” em relação a essas recomendações.  

Ponte de Lima, 3 de abril de 2020

J. Cadima Ribeiro

(Entrevista escrita dada a Andreia Oliveira, aluna da Universidade Lusófona do Porto, a frequentar o 3º ano da Licenciatura  de Ciências da Comunicação, Ramo de Jornalismo). 

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