Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

sexta-feira, novembro 26, 2010

Turismo e desenvolvimento: o caso da Madeira

1. A actividade turística é hoje em dia, em muitos lugares, uma actividade da maior importância em termos de criação de emprego e de riqueza, tendo a vantagem de, em princípio, se fundar no aproveitamento dos recursos próprios dos territórios. Nesta dimensão, o desenvolvimento turístico depende da existência de uma carteira de recursos com uma certa especificidade e que vão ao encontro da procura existente.
2. Recursos não são, no entanto, produtos turísticos, pelo que o seu aproveitamento supõe e a sua conformação como bens ou serviços que se possa colocar no mercado, e que seja assegurada a oferta de infra-estruturas, equipamentos e serviços complementares. Adicionalmente, na perspectiva da sustentabilidade projecto económico, será crucial que seja feito um esforço de renovação/adequação da oferta aos perfis evolutivos da procura turística, isto é, que, na medida do que for possível tomando por elemento organizador a matriz de recursos, se proceda à criação de produtos e serviços turísticos inovadores e diversificados.
3. Uma visita que fiz no passado Verão ao Funchal permitiu-me observar no local a qualidade e a consistência de um projecto de desenvolvimento muito devedor da dinâmica do turismo. Voltei com uma impressão muito favorável da cidade, mas também com elementos de evidência claros de que a cidade e a região atravessam desafios críticos de ajustamento a outros perfis de procura e, daí, de reposicionamento no mercado. A percepção que criei ajusta-se à evidência dos números, que nos dão indicação de perda de atractividade (expressa em visitantes e taxas de ocupação de hotéis), com substanciação mais evidente desde 2008, mas na continuidade de um quadro de evolução anémico, que remonta ao início da década. Tendo presente a crise que se vive, não será difícil prever que a situação tenda a piorar no horizonte temporal próximo.
4. Como escrevia recentemente uma minha aluna (Lisa Cunha), de origem madeirense, sendo o turismo pilar básico daquela economia, “uma quebra significativa da captação de turistas pode ter um impacto devastador na economia e desenvolvimento da Região”. A esta luz, diz, “torna-se urgente não só gerir a crise, mas também ter uma posição estratégica mantendo a sua imagem de marca e avançando para uma fase de captação de novos turistas”. Propõe, por outro lado, que essa captação seja feita “com base na redução dos preços da estadia e das viagens, mas essencialmente na diversificação de produtos”. Na vertente reclamação da redução de preços, não sou capaz da acompanhar.
5. Informado pelo que vi e pela leitura de situação que pude fazer, não creio que o problema seja de preços, mesmo que se admita que, num contexto de grande concorrência internacional, esta seja uma consideração que tenha que estar presente. O que vi foi um perfil de turista muito marcado, constituído por pessoas de média idade e de casais em busca de repouso, tranquilidade e de uma certa beleza natural. O que não vi foi diversidade de perfis de visitantes, foi grupos de gente mais jovem e menos jovem à procura de animação e de novas experiências (animação cultural, vivências urbanas habituais em cidades modernas, actividades de desporto/lazer de ar livre e/ou de contacto, não meramente contemplativo, com a natureza). Dizendo de outra maneira, o que não vi foi o desenho de uma oferta turística de perfil mais activo e/ou criativo. Aliás, para uma cidade turística, o Funchal pareceu-me apresentar uma vida nocturna demasiado sossegada e fechada sobre um número muito estreito de modelos de lazer/diversão, nomeadamente.
6. Como sublinho logo a abrir este texto, o ponto de partida de um desejável projecto de renovação têm que ser os recursos e a identidade do território, isto é, as suas realidades naturais e humanas (clima, paisagem, mar, artesanato, floricultura, arquitectura, manifestações culturais típicas, etc.), mas isso não significa ficar parado no tempo. Da mesma forma que preservar património material e tradições não é insistir em modelos do passado nem ficar refém de vivências onde as pessoas, residentes e forasteiros, se não reconhecem.
7. Falo da Madeira e do Funchal, mas poderia bem falar de Leiria e da Alta Estremadura, quer dizer, sendo outro o perfil da oferta turística deste território, a natureza do desafio a que importará dar resposta não há-de ser muito diferente.

J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião publicado na edição de ontem do Jornal de Leiria)

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