Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

quinta-feira, abril 14, 2011

Uma conjuntura difícil, uma oportunidade para corrigir trajectórias

1. Fruto do acaso ou da conjuntura económico-política, tive nas últimas semanas um nível inusual de solicitações de intervenção pública, sob a forma de entrevistas a jornais, conferências ou participação em debates. A expressão acaso é discutível posto que o foco das entrevistas foi a realidade económica e social vivida pelo país, e os eventos em que participei tiveram por tema o endividamento e a precarização da situação económica das famílias a que se tem vindo a assistir nos últimos meses de forma bem dramática. A ilustrar esse dramatismo, aí estão a taxa de desemprego nacional média acima dos 11% (11,1%, no 4º trimestre de 2010; dados do INE) e a taxa de desemprego dos jovens à procura do primeiro emprego (leia-se: dos 15 ao 24 anos) acima do dobro desse valor (23%). Isto, para não falar já do derrapar das taxas de cumprimento das obrigações contraídas pelas famílias em matéria de crédito à habitação, nomeadamente.
2. Curiosamente, as conferências e debates resultaram de iniciativas de alunos do ensino secundário, o que também não deixará de ter significado. Esperemos que isso seja indício de viragem na orientação que tem persistido nos jovens de se manterem alheados do quotidiano sócio-político do país, e de viragem cultural no sentido da instalação na sociedade portuguesa de uma postura muito mais crítica e interventiva, que leve à qualificação dos intervenientes na vida pública.
3. Avançando algo mais sobre as entrevistas, será sintomático o facto de ter recebido solicitações de um jornal galego (La Voz de Galícia) e de um jornal francês (Le Point), o que denúncia a atenção e a curiosidade com que externamente vai sendo seguida a evolução económica e política do país. Dir-se-ia que é uma atenção que vem por más razões mas pode, por outro lado, indiciar partilha de preocupações (sobretudo no caso galego/espanhol) ou ser sinal de sentimento solidário.
4. Escapa-me a razão que trouxe os jornalistas até mim, uma vez que não poderiam esperar ver-me integrar o coro daqueles que acham que a situação económica a que se chegou é resultado de circunstâncias externas desfavoráveis ou de infortúnios do destino. Pelo contrário, a meu ver, os 10 anos seguidos de estagnação que o país já leva são, antes, fruto de lógicas de poder desligadas dos objectivos de progresso e bem-estar social dos portugueses mantidas por quem esteve no poder, de falta de um projecto sócio-económico para o país e de muita incompetência técnica, desde logo dos responsáveis pelas pastas económicas e das finanças.
5. Como costuma dizer um colega universitário, que foi ministro das finanças por um par de meses, em Portugal não se tem sido capaz de avançar com políticas contra-cíclicas, quer dizer, quando a conjuntura é favorável, as políticas orçamentais e fiscais reforçam os efeitos expansivos vividos na economia, quando as conjunturas são de crise, as políticas públicas servem para agravar os contextos depressivos. O que se tem vindo a assistir mais recentemente, com FMI à vista ou sem ele visível, mas bem presente (porque tem sido esse o sentido das orientações de política seguidas), é bem expressão dessa lógica de gerir a economia portuguesa.
6. Navegando permanentemente à vista, fica adiado para um futuro incerto o projecto de renovação do modelo económico nacional, antes parecendo vincado o modelo esgotado de aposta nos baixos salários, nos produtos pouco sofisticados, na fabricação sub-contratada e, logo, numa presença dos produtos e serviços nacionais nos mercados internacionais que não pode deixar de ser frágil e dependente de comandos externos. O que se vai fazendo para contrariar este “destino”, tem surgido sobretudo da iniciativa de empresas isoladas e empresários “visionários”, muito pouco ajudando a política industrial, quase inexistente na última década.
7. Neste contexto de fundo, achar que o país ficou a perder alguma coisa com a queda do governo de José Sócrates e Fernando Teixeira dos Santos só pode ser expressão de equívocos. A mim, o que me preocupa é que o cenário político que se avizinha não seja indiciador de novos rumos, antes se sugerindo a iminência de virmos a ter mais do mesmo, com governos do bloco central, o que será o pior dos cenários (pois seria o modo mais cómodo de preservar o status quo sócio-político), ou sem eles. A essa luz, esperançosa seria mesmo a implosão do sistema político-partidário que temos. Daí, sim, poderia resultar alguma renovação e, logo, um renovar de esperança dos portugueses. Será, porventura, sonhar demasiado alto.

J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião publicado na edição de 2011/04/14 do Jornal de Leiria)

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