Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

sexta-feira, março 02, 2012

Do papel do Estado na economia às práticas políticas concretas

1.      Não é a primeira vez que trago às páginas deste jornal um artigo de opinião que toma por base a minha interacção com leitores dos textos que vou publicando em diversas espaços de divulgação e debate de ideias. Nalguns casos, esses escritos resultam de questões que me chegam de alunos de instituições de ensino superior e, até, de escolas secundárias sedeadas em diversos pontos do país. No presente caso, o pedido de “entrevista” chegou-me de um aluno de uma instituição universitária lisboeta. Nos parágrafos seguintes retenho algumas das dimensões tratadas nas respostas, breves, que dei às perguntas que me foram endereçadas.
2.      A primeira questão colocada prendia-se com o papel mais ou menos interventor do Estado na economia, sendo que importava que ficasse claro que tal não equivale a situar aquele exclusivamente como produtor de bens e serviços. Aparte as funções tradicionais de lançar impostos, assegurar a defesa do Estado e dos cidadãos, e promover a equidade social, cumpre-lhe igualmente estar atento aos ciclos económicos, fazendo uso dos instrumentos de que dispõe para estabilizar a economia e assegurar o crescimento.
3.      Passando para o quadro concreto da situação vivida e da forma como o governo em funções tem atacado os défices e a dívida pública, uma outra questão levantada foi a das privatizações. Disse a esse propósito que a forma como este dossiê tem sido encaminhado releva de três dimensões que importa distinguir: uma prende-se com o financiamento da dívida, surgindo aí a venda de empresas públicas ou das participações do Estado em empresas diversas como uma forma fácil e imediata de realizar receita; outra prende-se com saber se as ditas organizações se tornam mais eficientes tendo uma gestão “privada”; uma terceira aproximação tem que ver com a questão de a venda de certas empresas públicas ser não ser um modo de privatizar benefícios, reclamando os actores privados a “nacionalização” quando o momento seja o de socializar perdas. Mantendo presente as ópticas de abordagem que se enunciam antes, conclui que proclamar a superioridade do Estado regulador não passa de uma questão de fé.
4.      Uma outra vertente que esteve em equação foi a da provisão privada de serviços como a educação e a saúde e/ou do respectivo financiamento por fundos privados. Isso levou-me a lembrar que uma das funções do Estado é promover a oferta de bens e serviços cuja provisão privada pode não ser eficiente, e que outra é promover a equidade social. Neste caso, está em causa garantir que os extractos sociais mais frágeis tenham acesso aos serviços de saúde e de educação. Ora, se se considerar os sistemas de saúde mais dependentes de mecanismos de financiamento privados que existem, verificar-se-á que se encontram entre aqueles que menos capazes são de atender as necessidades básicas de saúde do universo dos cidadãos. Por outro lado, a igualdade de oportunidades no acesso à educação também não parece ser salvaguardada sem oferta pública generalizada. No caso da formação superior e da investigação produzida nas universidades, o risco de “desvio” em função de lógicas de mercado e de curto-prazo afigura-se ser ainda maior. Claro está que no discurso dos detentores do poder, os objectivos que subjazem às políticas de privatização de serviços públicos que encetam são sempre muito meritórios.
5.      Finalizando o questionário, emergiam as problemáticas do papel que o Estado terá no futuro e a das saídas para a crise em que o país está mergulhado. Daí me veio a oportunidade para sublinhar que, dependendo as funções do Estado quer das visões que, ciclicamente, se vão impondo quer da força política de turno no Governo, é problemático prever o que vai passar-se nessa matéria a médio e longo prazos. Entretanto, a prazo mais curto, por força dos compromissos assumidos pelo Governo perante as instituições credoras e por força do programa político-ideológico que lhe está associado, não é grande exercício de adivinhação antecipar que tudo quanto sejam interesses do Estado em empresas financeiramente apetecíveis será vendido. Por sua vez, sobre as saídas para a crise, oferece-se-me claro que não se encontrará solução portadora persistindo neste modelo de fazer política e neste tipo de políticas. Dizer isto significa reafirmar que o que gera riqueza e emprego não são políticas contraccionistas mas políticas promotoras do crescimento e do emprego. Também é dessa forma que a receita fiscal cresce sustentadamente.

J. Cadima Ribeiro 

(Artigo de Opinião publicado na edição de 2012/03/01 do Jornal de Leiria)

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