O elemento
permanente da informação veiculada pela comunicação social em Portugal nos
derradeiros anos e do debate público derivado vêm sendo a dívida pública e o
défice do orçamento de Estado. Em vez disso, deveria ter sido a crise
económica, pois, como finalmente se terá percebido, só com a superação desta,
que vem desde muito antes das crises financeira e da dívida pública, se dará
resposta consistente àqueles outros desequilíbrios. Quando falo em crise
económica ou crise económica e social, fique claro que não estou apenas a
referir-me às quedas do PIB registadas nos anos últimos dois anos, com
continuidade garantida no de 2013, e ao flagelo do desemprego, mas estou,
sobretudo, a chamar a atenção para as condições dramáticas que vivem muitas
famílias nos seus lugares de residência e de trabalho, se o têm, isto é, estou
a falar de gente e de lugares (territórios). A crise e desemprego não são
fenómenos abstractos, porque as vítimas das políticas que nos vêm empurrando
para mais crise e mais desemprego têm rostos e a vida acontece em lugares
concretos.
A análise
das séries estatísticas do período pós-integração europeia permite concluir
que, num quadro genérico de convergência do PIB per capita do país para a média da União Europeia (U.E.) que
ocorreu até ao início dos anos 2000, os momentos de maior convergência interna foram
aqueles em que o PIB médio nacional e da área metropolitana de Lisboa cresceram
menos. Posto de outro modo, se o país convergiu para a média da U.E. e se o
crescimento da área metropolitana de Lisboa foi absolutamente decisivo para
isso, os mesmos indicadores permitem concluir que Lisboa não foi capaz de arrastar
consigo o “resto” do país. O camisola amarela fugiu ao pelotão e o pelotão
mostrou-se incapaz de responder ao repto que lhe foi colocado. Isto tem tudo
que ver com a estratégia e as políticas porque se optou e, daí, com a atenção
que foi dada às regiões que dão corpo ao país.
Se Lisboa
(secundada a muita distância pelo Algarve e pela Madeira) deu passos em frente
quando a conjuntura (e as políticas públicas) lhe foram favoráveis, mas mesmo
assim soçobrou quando os recursos financeiros e o enquadramento económico
internacional deixaram de lhe ser tão favoráveis, que dizer dos restantes
territórios nacionais? Dir-se-á que naqueles casos em que a economia dos
territórios estava menos dependente do mercado interno (levado à exaustão por
força de políticas fiscais e de rendimentos a roçar o saque) ou sobrou mais
espaço para o retorno a modelos de auto-subsistência, terão resistido melhor.
Nos demais casos, a situação é de alarme social. Disso falam os números do
desemprego total e do desemprego da população jovem, importando que se esteja
consciente que os 17% de desempregados registados nesta data a nível nacional e
os cerca de 40% de desempregados observados entre a população com idade
inferior a 25 anos são a soma das múltiplas crises sentidas na maior parte das
regiões deste país, isto é, são de gente que tem rosto e que podemos encontrar
ao virar de qualquer esquina.
Se há algo
de positivo que se pode retirar desta situação será, porventura, a descoberta
entretanto feita pelos agentes públicos nacionais que os territórios são
alfobres de recursos e de competências. Descoberta tardia, digo eu, porque
muitos dos produtos e das capacidades agora reconhecidas e que se pretende
mobilizar já lá estavam (nos territórios, digo) e não parece ser política de
aproveitamento consequente de recursos e competências condenar ao desemprego e
à emigração tanta gente. Uma vez conscientes de que há recursos, também nem
tudo ou muito pouco se resolverá através de apelos ao empreeendorismo dos
desempregados e dos recém-diplomados. Uma e outra coisas não dispensam estratégia
e políticas públicas adequadas. No momento em que se reconheça também isto,
daremos o passo necessário para reverter a situação de crise e de descrédito no
futuro do país que vivemos.
J. Cadima Ribeiro