As expectativas sobre a cimeira do G-20, celebrada na passada quinta-feira em Londres, eram à partida extremamente modestas, tendo em consideração o clima de tensão provocado pela dialéctica pouco diplomática de alguns dos líderes responsáveis pela geração de consensos. No evento evidenciaram-se duas posições contrapostas em matéria de política económica para a resolução da crise global, derivadas da diversidade de leituras e interpretações sobre o assunto. De um lado, os Estados Unidos defenderam a necessidade de promover um forte estímulo fiscal destinado a reactivar a economia e a recuperar o consumo e o investimento, através da recuperação da confiança. Do outro, outra corrente, liderada pelos países europeus da zona euro, sublinhou que as medidas de política fiscal deveriam ser complementadas com instrumentos de intervenção noutros âmbitos. Os estados europeus consideram que continuar injectando recursos públicos na economia supõe incrementar ainda mais um endividamento crescente, colocando em risco a recuperação no médio prazo, sobretudo à medida que as taxas de juro comecem a remontar. Os países europeus presentes na cimeira, liderados por França e Alemanha, puseram mais ênfase em questões regulatórias e de coordenação da política financeira à escala global.
Desta tensão entre perspectivas resultaram, de um lado, um novo pacote de 1,100 biliões de dólares (810 biliões de euros), com uma finalidade distinta à dos lançados pelos governos nacionais, e doutro, um conjunto de medidas de incremento da transparência e de melhoria da regulação dos mercados financeiros. Os recursos comprometidos no pacote financeiro referido destinam-se, fundamentalmente, a reforçar (sobretudo) o financiamento dos países em desenvolvimento e do comércio internacional.
Do total acordado, 500.000 milhões de dólares serão utilizados para reforçar os recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Outros 250.000 servirão para incrementar os Direitos Especiais de Saque (DES), os quais podem ser utilizados como um activo de intercâmbio para obter liquidez no mercado internacional. Ademais, os bancos multi-laterais de ajuda ao desenvolvimento receberão uma verba extra de 100.000 milhões de dólares. As medidas anteriores evidenciam que, neste momento, uma grande preocupação a nível internacional é canalizar capital desde os países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. A experiência das décadas passadas demonstra que o défice de capital, em momentos de crise, causa graves desequilíbrios no mundo em desenvolvimento, afundando as suas economias e, condicionando, portanto, o crescimento mundial. Esta impossibilidade para canalizar capital fez com que, na década de oitenta, as economias latino-americanas tivessem grandes dificuldades em fazer face ao serviço da sua dívida externa, e na década de noventa, economias em desenvolvimento de América Latina, Ásia, África e do Leste de Europa experimentassem crises de taxa de câmbio, que afundaram o valor das suas moedas, provocando, deste modo, graves crises económicas.
A falta de capital está relacionada em muitos casos com a quebra do comércio internacional. Um dos factores mais importantes para explicar a quebra dos fluxos de comércio entre países é o rápido encarecimento do seu financiamento. Por esse motivo, o G-20 decidiu destinar ainda 250,000 milhões de dólares a financiar o comércio exterior. Contudo, convém referir a este respeito, que estes fundos terão um impacto muito limitado se as medidas proteccionistas continuam a generalizar-se. Desde o passado mês de Novembro, quando os líderes do G-20 reuniram em Washington e assinaram uma declaração na qual, entre outras questões, defendiam o livre comércio, foram postas em prática 47 medidas para proteger diferentes sectores em vários países. Entre eles, 17 dos 20 países que assinaram a declaração de Washington.
Em termos de regulação e incremento da transparência a medida mais destacada é a transformação do Foro de Estabilidade Financeira (FEF) num Conselho de Estabilidade, que funcionará como um órgão de coordenação financeira à escala mundial, com objectivos de supervisão e controlo dos riscos do sistema. Outros acordos de importância mais reduzida nesta matéria são o compromisso para regular os hedge funds e a publicação por parte da OCDE da listagem dos paraísos fiscais ou daqueles territórios que não contribuem na luta contra a fraude fiscal.
O aspecto no que a cimeira tem resultado mais inconclusiva é no saneamento dos balanços das instituições bancárias. Os países do G-20 estão dispostos a pôr em prática mecanismos para retirar os activos tóxicos dos balanços dos bancos, no entanto, o plano desenhado pela Administração Obama tem algumas fragilidades que não convencem os seus sócios internacionais. As medidas não podem continuar a centrar-se exclusivamente na re-capitalização do sistema financeiro. A experiência japonesa da década de noventa demonstra que injectar recursos no sistema sem sanear os balanços das instituições adia a solução dos problemas, evita o restabelecimento da confiança e, em última instância, lastra o crescimento económico.
Os resultados da cimeira podem considerar-se satisfatórios, sobretudo pela vontade política de atacar as causas da crise que nos afecta e pelo retorno à filosofia multilateral para ultrapassar problemas de carácter global. Os acordos adoptados vão todos na boa direcção. Os americanos perceberam que os fundos públicos não são ilimitados e que os impactos dos estímulos fiscais são limitados se não forem bem direccionados. Os europeus entenderam que a regulação tem que ser suficientemente apertada para poder intervir em situações de risco sistémico, e suficientemente laxa para não desincentivar a inovação financeira. Agora o esforço deve centrar-se em desmontar as barreiras proteccionistas erguidas nos últimos meses e em perfilar um plano de saneamento dos balanços das instituições bancárias, baseado em incentivos, que devolva a confiança ao sector e re-estabeleça as condições creditícias em todos os mercados.
Desta tensão entre perspectivas resultaram, de um lado, um novo pacote de 1,100 biliões de dólares (810 biliões de euros), com uma finalidade distinta à dos lançados pelos governos nacionais, e doutro, um conjunto de medidas de incremento da transparência e de melhoria da regulação dos mercados financeiros. Os recursos comprometidos no pacote financeiro referido destinam-se, fundamentalmente, a reforçar (sobretudo) o financiamento dos países em desenvolvimento e do comércio internacional.
Do total acordado, 500.000 milhões de dólares serão utilizados para reforçar os recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Outros 250.000 servirão para incrementar os Direitos Especiais de Saque (DES), os quais podem ser utilizados como um activo de intercâmbio para obter liquidez no mercado internacional. Ademais, os bancos multi-laterais de ajuda ao desenvolvimento receberão uma verba extra de 100.000 milhões de dólares. As medidas anteriores evidenciam que, neste momento, uma grande preocupação a nível internacional é canalizar capital desde os países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. A experiência das décadas passadas demonstra que o défice de capital, em momentos de crise, causa graves desequilíbrios no mundo em desenvolvimento, afundando as suas economias e, condicionando, portanto, o crescimento mundial. Esta impossibilidade para canalizar capital fez com que, na década de oitenta, as economias latino-americanas tivessem grandes dificuldades em fazer face ao serviço da sua dívida externa, e na década de noventa, economias em desenvolvimento de América Latina, Ásia, África e do Leste de Europa experimentassem crises de taxa de câmbio, que afundaram o valor das suas moedas, provocando, deste modo, graves crises económicas.
A falta de capital está relacionada em muitos casos com a quebra do comércio internacional. Um dos factores mais importantes para explicar a quebra dos fluxos de comércio entre países é o rápido encarecimento do seu financiamento. Por esse motivo, o G-20 decidiu destinar ainda 250,000 milhões de dólares a financiar o comércio exterior. Contudo, convém referir a este respeito, que estes fundos terão um impacto muito limitado se as medidas proteccionistas continuam a generalizar-se. Desde o passado mês de Novembro, quando os líderes do G-20 reuniram em Washington e assinaram uma declaração na qual, entre outras questões, defendiam o livre comércio, foram postas em prática 47 medidas para proteger diferentes sectores em vários países. Entre eles, 17 dos 20 países que assinaram a declaração de Washington.
Em termos de regulação e incremento da transparência a medida mais destacada é a transformação do Foro de Estabilidade Financeira (FEF) num Conselho de Estabilidade, que funcionará como um órgão de coordenação financeira à escala mundial, com objectivos de supervisão e controlo dos riscos do sistema. Outros acordos de importância mais reduzida nesta matéria são o compromisso para regular os hedge funds e a publicação por parte da OCDE da listagem dos paraísos fiscais ou daqueles territórios que não contribuem na luta contra a fraude fiscal.
O aspecto no que a cimeira tem resultado mais inconclusiva é no saneamento dos balanços das instituições bancárias. Os países do G-20 estão dispostos a pôr em prática mecanismos para retirar os activos tóxicos dos balanços dos bancos, no entanto, o plano desenhado pela Administração Obama tem algumas fragilidades que não convencem os seus sócios internacionais. As medidas não podem continuar a centrar-se exclusivamente na re-capitalização do sistema financeiro. A experiência japonesa da década de noventa demonstra que injectar recursos no sistema sem sanear os balanços das instituições adia a solução dos problemas, evita o restabelecimento da confiança e, em última instância, lastra o crescimento económico.
Os resultados da cimeira podem considerar-se satisfatórios, sobretudo pela vontade política de atacar as causas da crise que nos afecta e pelo retorno à filosofia multilateral para ultrapassar problemas de carácter global. Os acordos adoptados vão todos na boa direcção. Os americanos perceberam que os fundos públicos não são ilimitados e que os impactos dos estímulos fiscais são limitados se não forem bem direccionados. Os europeus entenderam que a regulação tem que ser suficientemente apertada para poder intervir em situações de risco sistémico, e suficientemente laxa para não desincentivar a inovação financeira. Agora o esforço deve centrar-se em desmontar as barreiras proteccionistas erguidas nos últimos meses e em perfilar um plano de saneamento dos balanços das instituições bancárias, baseado em incentivos, que devolva a confiança ao sector e re-estabeleça as condições creditícias em todos os mercados.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
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(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
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