O extraordinário desempenho da economia espanhola na última década e meia fez com que muitos analistas acompanhassem a sua evolução com um misto de admiração e desconfiança. Dum lado, as altas taxas de crescimento deslumbraram muitos políticos europeus preocupados por reactivar as suas economias domésticas. Doutro, o boom imobiliário e o crescimento do défice externo geraram todo tipo de suspeições entre analistas, académicos e imprensa especializada.
A evolução recente das variáveis macroeconómicas justifica a desconfiança generalizada instalada nos foros e encontros internacionais. As recentes projecções do FMI confirmam que a prolongada expansão dos últimos quinze anos chegou ao seu final e que nos próximos os ajustamentos serão duros e as reformas inevitáveis. Segundo o FMI, o PIB espanhol experimentará uma contracção de 3% durante este ano e de 0,7% durante o próximo. Em 2011 iniciar-se-á uma tímida recuperação que terá continuidade nos anos seguintes, ainda que com variações de actividade muito moderadas. De facto, a referida instituição muti-lateral prevê que as taxas de crescimento sejam inferiores a 2% até 2015. A quebra de actividade está a ter repercussões extremamente negativas em termos de emprego. O desemprego afecta já mais de quatro milhões de trabalhadores, especialmente no sector da construção civil e no sector industrial. A taxa de desemprego aproxima-se neste momento dos 18% e, apesar da melhoria espectável pelo incremento sazonal de actividade nos meses de verão, não é descabido que, no final do ano, alcance os 20%. Assim sendo, a quebra de actividade prevista para o próximo ano poderá elevar o desemprego por cima dos 22%.
Apesar da gravidade da crise, existe uma probabilidade considerável de que a situação venha a piorar ainda mais. Dum lado, o ajustamento no mercado imobiliário não está totalmente concluído. A queda real dos preços vai continuar, por efeito das restrições do crédito hipotecário e do excesso de oferta disponível para venda, tanto de habitação nova como de habitação usada. Doutro lado, o sistema financeiro pode ter que enfrentar alguns problemas, dado que o crédito malparado continua a aumentar e a exposição ao sector imobiliário de muitas caixas de poupança, que controlam aproximadamente de 50% do sistema financeiro, é extremamente elevada.
A conjuntura nos restantes países da zona Euro não irá contribuir para a recuperação económica em Espanha. Na maioria prevêem-se fortes quebras do PIB durante este ano e parte do próximo, mas não se antevêem riscos sérios num horizonte de médio prazo. Noutros, a situação não é tão favorável. Em Irlanda a crise imobiliária pode agravar-se ainda mais nos próximos meses. Os problemas nos sistemas financeiros Irlandês, Britânico e Austríaco podem atrasar consideravelmente a saída da crise desses países. Ademais, a provável crise de dívida nos países do Leste, provocará problemas financeiros adicionais. A forte presença no Leste das empresas italianas e austríacas terá um impacto considerável sobre as suas economias. Por último, a péssima situação orçamental da Grécia limita a sua margem de manobra em termos de política económica, condicionando as suas possibilidades de relançamento da economia.
Apesar do sucesso económico dos últimos anos, a economia espanhola cresceu de forma extremamente desequilibrada. Em termos de preços, produziram-se revalorizações insustentáveis dos activos imobiliários e gerou-se um alto diferencial de inflação que reduziu fortemente a competitividade da economia. Consequentemente acumulou-se um défice por conta corrente, que neste momento é o segundo maior do mundo, unicamente ultrapassado pelo dos Estados Unidos. Em termos do mercado de trabalho, existem uma série de rigidezes institucionais, que afectam os índices de temporalidade e que contribuem para gerar taxas de desemprego impróprias de uma das dez maiores economias do mundo. Ademais, em termos estruturais existem uma série de peculiaridades que revelam a dualidade de uma economia que não concluiu as reformas estruturais durante a intensa transformação das últimas três décadas. Entre as singularidades mais salientáveis encontra-se a sobrevivência das caixas de poupança, que estão relativamente excluídas da disciplina do mercado e contam com um grau de politização da gestão pouco saudável numa economia de mercado.
Em linha com as recomendações de muitos economistas, o FMI considera que Espanha deve levar a cabo importantes reformas nos mercados de bens e serviços e, sobretudo, no mercado de trabalho, para evitar que a estagnação se prolongue durante vários anos. Em relação aos primeiros, todas as recomendações apontam para a necessidade de incrementar os níveis de concorrência e melhorar os mecanismos de regulação. Relativamente ao mercado de trabalho, as receitas baseiam-se no incremento da flexibilidade para melhorar as assimetrias existentes, em termos de protecção social e temporalidade, entre trabalhadores qualificados e trabalhadores jovens menos qualificados; na melhoria do sistema educativo para reduzir o diferencial de temporalidade; e na reforma do sistema de pensões, dado que o actual é actuarialmente insolvente e consequentemente insustentável.
Os momentos de crise são extremamente duros para muitos agentes económicos, mas devem servir para reflectir e corrigir o rumo. As crises têm consequências demasiado sérias como para não tirar partido delas. A conjuntura actual demonstra que os momentos de expansão devem servir para levar a cabo os processos de reforma que permitam crescer, a prazo, de forma saudável e estar razoavelmente protegido nos momentos de crise.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
A evolução recente das variáveis macroeconómicas justifica a desconfiança generalizada instalada nos foros e encontros internacionais. As recentes projecções do FMI confirmam que a prolongada expansão dos últimos quinze anos chegou ao seu final e que nos próximos os ajustamentos serão duros e as reformas inevitáveis. Segundo o FMI, o PIB espanhol experimentará uma contracção de 3% durante este ano e de 0,7% durante o próximo. Em 2011 iniciar-se-á uma tímida recuperação que terá continuidade nos anos seguintes, ainda que com variações de actividade muito moderadas. De facto, a referida instituição muti-lateral prevê que as taxas de crescimento sejam inferiores a 2% até 2015. A quebra de actividade está a ter repercussões extremamente negativas em termos de emprego. O desemprego afecta já mais de quatro milhões de trabalhadores, especialmente no sector da construção civil e no sector industrial. A taxa de desemprego aproxima-se neste momento dos 18% e, apesar da melhoria espectável pelo incremento sazonal de actividade nos meses de verão, não é descabido que, no final do ano, alcance os 20%. Assim sendo, a quebra de actividade prevista para o próximo ano poderá elevar o desemprego por cima dos 22%.
Apesar da gravidade da crise, existe uma probabilidade considerável de que a situação venha a piorar ainda mais. Dum lado, o ajustamento no mercado imobiliário não está totalmente concluído. A queda real dos preços vai continuar, por efeito das restrições do crédito hipotecário e do excesso de oferta disponível para venda, tanto de habitação nova como de habitação usada. Doutro lado, o sistema financeiro pode ter que enfrentar alguns problemas, dado que o crédito malparado continua a aumentar e a exposição ao sector imobiliário de muitas caixas de poupança, que controlam aproximadamente de 50% do sistema financeiro, é extremamente elevada.
A conjuntura nos restantes países da zona Euro não irá contribuir para a recuperação económica em Espanha. Na maioria prevêem-se fortes quebras do PIB durante este ano e parte do próximo, mas não se antevêem riscos sérios num horizonte de médio prazo. Noutros, a situação não é tão favorável. Em Irlanda a crise imobiliária pode agravar-se ainda mais nos próximos meses. Os problemas nos sistemas financeiros Irlandês, Britânico e Austríaco podem atrasar consideravelmente a saída da crise desses países. Ademais, a provável crise de dívida nos países do Leste, provocará problemas financeiros adicionais. A forte presença no Leste das empresas italianas e austríacas terá um impacto considerável sobre as suas economias. Por último, a péssima situação orçamental da Grécia limita a sua margem de manobra em termos de política económica, condicionando as suas possibilidades de relançamento da economia.
Apesar do sucesso económico dos últimos anos, a economia espanhola cresceu de forma extremamente desequilibrada. Em termos de preços, produziram-se revalorizações insustentáveis dos activos imobiliários e gerou-se um alto diferencial de inflação que reduziu fortemente a competitividade da economia. Consequentemente acumulou-se um défice por conta corrente, que neste momento é o segundo maior do mundo, unicamente ultrapassado pelo dos Estados Unidos. Em termos do mercado de trabalho, existem uma série de rigidezes institucionais, que afectam os índices de temporalidade e que contribuem para gerar taxas de desemprego impróprias de uma das dez maiores economias do mundo. Ademais, em termos estruturais existem uma série de peculiaridades que revelam a dualidade de uma economia que não concluiu as reformas estruturais durante a intensa transformação das últimas três décadas. Entre as singularidades mais salientáveis encontra-se a sobrevivência das caixas de poupança, que estão relativamente excluídas da disciplina do mercado e contam com um grau de politização da gestão pouco saudável numa economia de mercado.
Em linha com as recomendações de muitos economistas, o FMI considera que Espanha deve levar a cabo importantes reformas nos mercados de bens e serviços e, sobretudo, no mercado de trabalho, para evitar que a estagnação se prolongue durante vários anos. Em relação aos primeiros, todas as recomendações apontam para a necessidade de incrementar os níveis de concorrência e melhorar os mecanismos de regulação. Relativamente ao mercado de trabalho, as receitas baseiam-se no incremento da flexibilidade para melhorar as assimetrias existentes, em termos de protecção social e temporalidade, entre trabalhadores qualificados e trabalhadores jovens menos qualificados; na melhoria do sistema educativo para reduzir o diferencial de temporalidade; e na reforma do sistema de pensões, dado que o actual é actuarialmente insolvente e consequentemente insustentável.
Os momentos de crise são extremamente duros para muitos agentes económicos, mas devem servir para reflectir e corrigir o rumo. As crises têm consequências demasiado sérias como para não tirar partido delas. A conjuntura actual demonstra que os momentos de expansão devem servir para levar a cabo os processos de reforma que permitam crescer, a prazo, de forma saudável e estar razoavelmente protegido nos momentos de crise.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
(artigo de opinião publicado na edição de ontem do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
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