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quarta-feira, março 15, 2017

O legado de Guimarães Capital Europeia da Cultura de 2012: a leitura dos residentes e dos visitantes (a Introdução)

O legado de Guimarães Capital Europeia da Cultura de 2012: a leitura dos residentes e dos visitantes

Edições Afrontamento, Porto, fevereiro de 2017
ISSN: 978-972-36-529-6



«Escrever sobre a experiência e legado de uma Capital Europeia da Cultura (CEC), cuja primeira edição remonta a 1985, não é um exercício fácil, em expressão da complexidade do megaevento. Talvez por isso, em Portugal, que até ao presente acolheu a CEC em três datas distintas (1994, 2001 e 2012), pouco tenha ficado escrito sobre a matéria.

Na realidade, em Portugal e no mundo, foram poucos os estudos de cariz científico publicados. Há-os mais, não muitos, de cariz técnico e, porventura, mais comprometidos com os desígnios das entidades organizadoras, referidos aos impactes que este tipo de megaevento poderá gerar ou ter criado nas cidades e nas regiões onde se realizaram.
Numa época de vincada globalização e marcada pelo advir de várias situações de crise económica e social, a competição entre as cidades pela captação de visitantes internacionais tem-se afigurado crescentemente feroz. Por essa razão, apostando na melhoria da sua imagem e na edificação de equipamentos vários, os culturais entre eles, se tem afigurado tão estratégico poder sedear, por um ano, uma Capital Europeia da Cultura. Esse tem sido o passaporte usado por múltiplas cidades europeias.
Atentos a isso, aparte o escrutínio que se justifica que seja feito do uso de dinheiros públicos, nacionais e da União Europeia, dedicados à realização de tais eventos, faz sentido investigar como as populações reagem a este tipo de megaevento e como as cidades tiram, efetivamente, proveito deste título a diferentes níveis: para se requalificarem e equiparem; para se promoverem nacional e internacionalmente; para captarem novos investimentos e visitantes; para melhorarem ou alterarem a respetiva imagem; para melhor se posicionarem na candidatura ao acolhimento de outros grandes eventos...
Existem múltiplos relatórios de avaliação de impactes das CEC à escala, conduzidos sobretudo desde os anos 2000, quando a Comissão Europeia passou a impor a realização deste tipo de estudos às entidades organizadoras do megaevento. Não obstante, grande parte destes estudos de cariz técnico tem tendido a manter um foco algo restrito, muito centrado na componente mais económico-financeira. Esse foco decorre da necessidade de aportar uma justificação para a decisão política de acolhimento da CEC.
 Por seu turno, apesar de haver estudos internacionais consistentes sobre a perceção por parte dos residentes dos efeitos da atividade turística desde finais da década de 70 do século XX, os mesmos não têm merecido grande atenção por parte dos investigadores portugueses das ciências sociais. Versando a realidade portuguesa, só nos últimos oito anos começaram a surgir estudos sobre esta componente mais sustentados.
Com base nesta leitura de situação, a presente obra tem como principal objetivo deixar um retrato do legado da Capital Europeia da Cultura organizada em Guimarães, em 2012, centrando-se em impactes de várias índoles, acolhendo, nomeadamente, a leitura dos residentes, dos visitantes e da comunicação social. Num segundo nível, almeja-se ainda contribuir para um planeamento mais participativo, isto é, em que seja mais natural trabalhar com as populações na construção de um desenvolvimento mais sustentável, objetivo geral para o qual se acredita que o acolhimento de eventos desta natureza pode dar contributo não sub-estimável.
A vontade de escrever este livro alimentou-se de várias razões. A primeira prende-se com o fato de não existir um estudo que se ocupe dos impactes percebidos de uma Capital Europeia da Cultura nos períodos ex-ante, on-going e ex-post, e que se centre, ao mesmo tempo, na leitura dos residentes e dos visitantes e tome como objeto de análise uma cidade que foi Capital Europeia da Cultura e tem, ao mesmo tempo, o seu centro histórico certificado pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade.
Em segundo lugar, porque, em estudos em turismo, a Geografia e a Economia foram sempre das ciências que mais se preocuparam com a análise dos impactes da atividade turística. Esta é, aliás, uma abordagem clássica no seio destas duas ciências, mas em Portugal, até ao momento, existem poucos estudos que se tenham preocupado com a perceção mantida pelos residentes da atividade turística, e sobre a leitura que disso é feito, e, genericamente, dos efeitos do acolhimento de um tipo de evento desta natureza e magnitude, na comunicação social.
Em terceiro lugar, porque, entre 2011 e 2014, uma equipa de investigadores ancorada na Universidade do Minho desenvolveu um projeto intitulado As perceções de residentes e turistas do impacte de Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012 e respetiva participação no evento, integrado no N.I.P.E. (Núcleo de Investigação em Políticas Públicas da Universidade do Minho) e no C.I.C.S. (Centro de Investigação em Ciências Sociais), contando com o apoio da Câmara Municipal de Guimarães. Tendo este projeto sido concretizado e tendo sido produzidos vários textos de pendor académico, havia que sistematizar os resultados obtidos e dar-lhe um formato acessível a um público nacional mais alargado.
Uma quarta motivação prende-se com a elevada autoestima e orgulho da população vimaranense. A sua vontade de participar na Guimarães CEC 2012 e a sua vontade de ganhar notoriedade nacional e internacional foram evidentes nessa ocasião, bem como, consciente ou inconscientemente, a sua “sede” de aderir a um planeamento mais participativo desse megaevento. A própria comunicação social mostrou-o ainda antes de se iniciar a CEC, como teremos oportunidade de o lembrar num dos capítulos desta obra. Sendo assim, este livro é, também, um tributo à população vimaranense.
Mas os olhares e discursos dos vimaranenses recolhidos em 2011 e 2013 não podiam ficar soltos e sem sentido e tinham que ser complementados com os de outros stakeholders (atores, partes interessadas) de todo o processo de planeamento da Capital Europeia da cultura e da oferta turística de Guimarães. Por isso, optou-se por escutar também os visitantes em dois momentos (2010/2011 e 2015) e por analisar os anseios e vontades que vários agentes verteram para a imprensa escrita. Com esse objetivo, faremos o levantamento das notícias e artigos que alguns jornais publicaram a esse respeito no decurso dos anos de 2011 e 2012.
A obra, que usa sobretudo uma abordagem quantitativa, materializa-se em sete capítulos, iniciando-se com uma análise das caraterísticas e do historial das Capitais Europeias da Cultura, o conceito de megaevento cultural e os principais impactes que devem ser considerados. Segue-se uma sucinta revisão da literatura sobre conceitos, quadros teóricos e estudos realizados que suportam a abordagem empírica que é feita adiante, relativa ao caso de Guimarães. Numa segunda parte, de natureza mais empírica, faz-se uma breve do município e da cidade de Guimarães. O capítulo quatro debruça-se sobre a perceção dos vimaranenses, nos anos de 2011 e de 2013 dos efeitos do acolhimento da CEC 2012, enquanto que o capítulo seguinte trata a perceção dos atributos turísticos da cidade mantida pelos turistas, ponde se aproveita também para traçar o respetivo perfil. O capítulo seis analisa a perceção pública do evento e da sua gestão captada pelos órgãos de comunicação social nos anos de 2011 e 2012. Por último, o capítulo sete verte as leituras comparadas de vários estudos publicados e tenta extrair uma síntese em matéria de legado da CEC. O texto fecha com uma breve conclusão, que inclui a menção de alguns ensinamentos retirados da organização do megaevento e recomendações de política pública.
Cabe aqui um especial agradecimento a Laurentina Vareiro, Professora do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, e a José Freitas Santos, Professor do Instituto Politécnico do Porto, que nos ajudaram a ler os resultados dos inquéritos aplicados em diferentes momentos e foram coautores da maioria dos estudos que serviram de suporte a este livro.
É devido também um agradecimento a Mécia Mota, a certa altura, nossa estudante de doutoramento, que nos ajudou na aplicação dos inquéritos aos residentes e que acompanhou o trabalho realizado pela equipa de investigação na sua parte inicial. Por último, cumpre igualmente deixar um agradecimento a Vitor Marques, responsável técnico do turismo na Câmara Municipal de Guimarães, que facilitou a aplicação dos inquéritos e revelou uma enorme vontade de conhecer em maior profundidade a realidade turística do destino Guimarães e de contribuir para a melhoria da imagem da cidade.
As mudanças operam-se com pequenos contributos, que se vão somando. Com a presente obra pensamos estar a contribuir para a reflexão por parte de políticos e de outros atores do caminho que tem sido percorrido e que importa percorrer em do desenvolvimento do município de Guimarães e do bem-estar das suas gentes.

Paula Remoaldo
José Cadima Ribeiro

10 de junho de 2016»

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