O legado de Guimarães Capital Europeia da Cultura de 2012: a leitura dos residentes e dos visitantes
Edições Afrontamento, Porto, fevereiro de 2017
ISSN: 978-972-36-529-6
«Escrever
sobre a experiência e legado de uma Capital Europeia da Cultura (CEC), cuja
primeira edição remonta a 1985, não é um exercício fácil, em expressão da
complexidade do megaevento. Talvez por isso, em Portugal, que até ao presente
acolheu a CEC em três datas distintas (1994, 2001 e 2012), pouco tenha ficado
escrito sobre a matéria.
Na
realidade, em Portugal e no mundo, foram poucos os estudos de cariz científico publicados.
Há-os mais, não muitos, de cariz técnico e, porventura, mais comprometidos com
os desígnios das entidades organizadoras, referidos aos impactes que este tipo
de megaevento poderá gerar ou ter criado nas cidades e nas regiões onde se
realizaram.
Numa
época de vincada globalização e marcada pelo advir de várias situações de crise
económica e social, a competição entre as cidades pela captação de visitantes
internacionais tem-se afigurado crescentemente feroz. Por essa razão, apostando
na melhoria da sua imagem e na edificação de equipamentos vários, os culturais entre
eles, se tem afigurado tão estratégico poder sedear, por um ano, uma Capital
Europeia da Cultura. Esse tem sido o passaporte usado por múltiplas cidades
europeias.
Atentos
a isso, aparte o escrutínio que se justifica que seja feito do uso de dinheiros
públicos, nacionais e da União Europeia, dedicados à realização de tais
eventos, faz sentido investigar como as populações reagem a este tipo de
megaevento e como as cidades tiram, efetivamente, proveito deste título a
diferentes níveis: para se requalificarem e equiparem; para se promoverem
nacional e internacionalmente; para captarem novos investimentos e visitantes;
para melhorarem ou alterarem a respetiva imagem; para melhor se posicionarem na
candidatura ao acolhimento de outros grandes eventos...
Existem
múltiplos relatórios de avaliação de impactes das CEC à escala, conduzidos sobretudo
desde os anos 2000, quando a Comissão Europeia passou a impor a realização
deste tipo de estudos às entidades organizadoras do megaevento. Não obstante,
grande parte destes estudos de cariz técnico tem tendido a manter um foco algo
restrito, muito centrado na componente mais económico-financeira. Esse foco
decorre da necessidade de aportar uma justificação para a decisão política de
acolhimento da CEC.
Por seu turno, apesar de haver estudos
internacionais consistentes sobre a perceção por parte dos residentes dos
efeitos da atividade turística desde finais da década de 70 do século XX, os
mesmos não têm merecido grande atenção por parte dos investigadores portugueses
das ciências sociais. Versando a realidade portuguesa, só nos últimos oito anos
começaram a surgir estudos sobre esta componente mais sustentados.
Com
base nesta leitura de situação, a presente obra tem como principal objetivo deixar
um retrato do legado da Capital Europeia da Cultura organizada em Guimarães, em
2012, centrando-se em impactes de várias índoles, acolhendo, nomeadamente, a
leitura dos residentes, dos visitantes e da comunicação social. Num segundo
nível, almeja-se ainda contribuir para um planeamento mais participativo, isto
é, em que seja mais natural trabalhar com as populações na construção de um
desenvolvimento mais sustentável, objetivo geral para o qual se acredita que o
acolhimento de eventos desta natureza pode dar contributo não sub-estimável.
A
vontade de escrever este livro alimentou-se de várias razões. A primeira
prende-se com o fato de não existir um estudo que se ocupe dos impactes percebidos
de uma Capital Europeia da Cultura nos períodos ex-ante, on-going e ex-post, e que se centre, ao mesmo tempo,
na leitura dos residentes e dos visitantes e tome como objeto de análise uma
cidade que foi Capital Europeia da Cultura e tem, ao mesmo tempo, o seu centro
histórico certificado pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade.
Em
segundo lugar, porque, em estudos em turismo, a Geografia e a Economia foram
sempre das ciências que mais se preocuparam com a análise dos impactes da
atividade turística. Esta é, aliás, uma abordagem clássica no seio destas duas
ciências, mas em Portugal, até ao momento, existem poucos estudos que se tenham
preocupado com a perceção mantida pelos residentes da atividade turística, e sobre
a leitura que disso é feito, e, genericamente, dos efeitos do acolhimento de um
tipo de evento desta natureza e magnitude, na comunicação social.
Em terceiro
lugar, porque, entre 2011 e 2014, uma equipa de investigadores ancorada na
Universidade do Minho desenvolveu um projeto intitulado As
perceções de residentes e turistas do impacte de Guimarães Capital Europeia da
Cultura 2012 e respetiva participação no evento, integrado no N.I.P.E. (Núcleo de Investigação
em Políticas Públicas da Universidade do Minho) e no C.I.C.S. (Centro de
Investigação em Ciências Sociais), contando com o apoio da Câmara Municipal de
Guimarães. Tendo este projeto sido concretizado e tendo sido produzidos vários
textos de pendor académico, havia que sistematizar os resultados obtidos e
dar-lhe um formato acessível a um público nacional mais alargado.
Uma
quarta motivação prende-se com a elevada autoestima e orgulho da população
vimaranense. A sua vontade de participar na Guimarães CEC 2012 e a sua vontade
de ganhar notoriedade nacional e internacional foram evidentes nessa ocasião, bem
como, consciente ou inconscientemente, a sua “sede” de aderir a um planeamento
mais participativo desse megaevento. A própria comunicação social mostrou-o
ainda antes de se iniciar a CEC, como teremos oportunidade de o lembrar num dos
capítulos desta obra. Sendo assim, este livro é, também, um tributo à população
vimaranense.
Mas
os olhares e discursos dos vimaranenses recolhidos em 2011 e 2013 não podiam
ficar soltos e sem sentido e tinham que ser complementados com os de outros stakeholders (atores, partes
interessadas) de todo o processo de planeamento da Capital Europeia da cultura
e da oferta turística de Guimarães. Por isso, optou-se por escutar também os
visitantes em dois momentos (2010/2011 e 2015) e por analisar os anseios e
vontades que vários agentes verteram para a imprensa escrita. Com esse
objetivo, faremos o levantamento das notícias e artigos que alguns jornais publicaram
a esse respeito no decurso dos anos de 2011 e 2012.
A
obra, que usa sobretudo uma abordagem quantitativa, materializa-se em sete
capítulos, iniciando-se com uma análise das caraterísticas e do historial das
Capitais Europeias da Cultura, o conceito de megaevento cultural e os
principais impactes que devem ser considerados. Segue-se uma sucinta revisão da
literatura sobre conceitos, quadros teóricos e estudos realizados que suportam
a abordagem empírica que é feita adiante, relativa ao caso de Guimarães. Numa
segunda parte, de natureza mais empírica, faz-se uma breve do município e da
cidade de Guimarães. O capítulo quatro debruça-se sobre a perceção dos
vimaranenses, nos anos de 2011 e de 2013 dos efeitos do acolhimento da CEC 2012,
enquanto que o capítulo seguinte trata a perceção dos atributos turísticos da
cidade mantida pelos turistas, ponde se aproveita também para traçar o
respetivo perfil. O capítulo seis analisa a perceção pública do evento e da sua
gestão captada pelos órgãos de comunicação social nos anos de 2011 e 2012. Por
último, o capítulo sete verte as leituras comparadas de vários estudos
publicados e tenta extrair uma síntese em matéria de legado da CEC. O texto
fecha com uma breve conclusão, que inclui a menção de alguns ensinamentos
retirados da organização do megaevento e recomendações de política pública.
Cabe
aqui um especial agradecimento a Laurentina Vareiro, Professora do Instituto
Politécnico do Cávado e do Ave, e a José Freitas Santos, Professor do Instituto
Politécnico do Porto, que nos ajudaram a ler os resultados dos inquéritos
aplicados em diferentes momentos e foram coautores da maioria dos estudos que
serviram de suporte a este livro.
É
devido também um agradecimento a Mécia Mota, a certa altura, nossa estudante de
doutoramento, que nos ajudou na aplicação dos inquéritos aos residentes e que
acompanhou o trabalho realizado pela equipa de investigação na sua parte
inicial. Por último, cumpre igualmente deixar um agradecimento a Vitor Marques,
responsável técnico do turismo na Câmara Municipal de Guimarães, que facilitou
a aplicação dos inquéritos e revelou uma enorme vontade de conhecer em maior
profundidade a realidade turística do destino Guimarães e de contribuir para a
melhoria da imagem da cidade.
As
mudanças operam-se com pequenos contributos, que se vão somando. Com a presente
obra pensamos estar a contribuir para a reflexão por parte de políticos e de
outros atores do caminho que tem sido percorrido e que importa percorrer em do
desenvolvimento do município de Guimarães e do bem-estar das suas gentes.
Paula Remoaldo
José Cadima Ribeiro
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