Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

terça-feira, dezembro 18, 2007

Os vinhos portugueses de qualidade e o efeito região de origem: a percepção de consumidores e retalhistas

O regresso à análise do comportamento do consumidor encontrou uma forte motivação quando a discussão sobre o efeito país de origem dos produtos foi levantado pelos investigadores do marketing e dos negócios internacionais nos anos 80 do século XX e, sobretudo, na primeira metade dos anos 90. O que aqueles pesquisadores defenderam foi que o país de origem tinha uma influência considerável na avaliação de um produto feita pelos consumidores.
A revisão da literatura permite tornar claro que o comportamento dos consumidores pode variar significativamente, quer em termos de motivação para a compra, quer nos critérios de escolha de um produto, quer em termos de comportamento. A cultura, o estatuto económico e os valores humanos podem ser fortes pistas para compreender as motivações de compra dos consumidores. Isso não permite concluir que o efeito país de origem e o etnocentrismo não estejam presentes, mas que esses fenómenos serão muito mais complexos do que tem sido assumido em muitos estudos. Contrariamente à desvalorização do efeito país de origem, alguma investigação dá suporte à noção de que existe uma hierarquia de países estrangeiros implícita na decisão do consumidor.
A mencionada evidência adquire a sua inteligibilidade a partir de algo que parece óbvio: quando os consumidores não estão familiarizados com os produtos de um país, a imagem do país pode servir como chave para a tomada de decisão sobre a aquisição. No sentido oposto, uma vez os consumidores familiarizados com os produtos de um país, a imagem do país perde importância em favor de outros atributos, como a marca e o preço.
O conceito de etnocentrismo é originado na realidade de, nas suas decisões de compra, os consumidores, amiúde, tenderem a dar preferência a produtos nacionais. As razões que subjazem a este comportamento foram resumidas como sendo: i) o receio dos consumidores de lesarem a economia do seu país “amado” ao adquirem produtos estrangeiros; ii) "a moralidade de comprar produtos importados"; e iii) a existência de preconceitos pessoais em relação a produtos estrangeiros. Inversamente, consumidores não-etnocentricos são aqueles que adquirem os produtos em função da avaliação que fazem dos seus méritos e, neste contexto, tendem a não valorizar a origem geográfica.
Entretanto, pode-se entender que, à medida que a familiaridade com a marca aumenta, os consumidores tendam a usar menos outros sinais extrínsecos, como o país de origem ou o preço. Por outro lado, falando da importância dos preços na decisão do consumidor, alguns investigadores concluíram que o preço é raramente o atributo ao qual os consumidores conferem o maior relevo.
Testando a relevância dos factores etnocentrismo ou patriotismo, qualidade, marca e preço do produto, a investigação empírica foi levada a concluir que, embora patriotas a ponto de fazerem sacrifícios em matéria de preço, é duvidoso que os consumidores aceitem desiludir-se optando por produtos que não se conformem com a qualidade que exigem.
Salvaguardadas algumas distâncias, o que é válido para analisar a preferência dada pelos consumidores aos produtos de um país pode também ser válido para os de uma região. Pelo menos, a cultura é certamente algo que dá singularidade aos territórios e, em muitos casos, a cultura e o clima são elementos chave para compreender os factores intrínsecos de diferenciação dos produtos.
Tendo presentes as ideias e conceitos antes enunciados, como forma dos testar, o autor deste texto desenvolveu há uns meses atrás dois questionários através dos quais retalhistas e consumidores finais foram inquiridos sobre as razões da escolha que faziam de vinhos de mesa portugueses, de qualidade. Uma das questões incluídas respeitava à região de origem desses vinhos. Era-lhes também solicitado que identificassem os três principais atributos considerados na decisão de aquisição, hierarquizando-os. Os inquéritos foram realizados entre Fevereiro e Abril de 2007, numa loja Makro (retalhistas) e no hipermercado Feira Nova (consumidores finais), ambos em Braga.
De forma breve, dos resultados que foram obtidos, sublinhamos o seguinte:
i) o factor de maior influência na aquisição de vinho foi identificado como sendo a região de origem, tanto no caso dos consumidores finais como no dos retalhistas;
ii) num distante segundo lugar, apareciam a marca, o preço e o tipo de vinho, no caso dos retalhistas, bem como o tipo, a marca e o preço, no outro inquérito;
iii) olhando para o segundo factor de escolha, as diferenças de abordagem entre retalhistas e consumidores finais ofereciam-se mais evidentes, com os retalhistas a enfatizarem a marca e a região de origem e os consumidores a darem mais importância aos preços e menos à região de origem.
Resumindo, dos resultados obtidos com a amostra dos consumidores conclui-se que o atributo mais valorizado foi, destacadamente, a região de origem, sendo o tipo de vinho decisivo na decisão de aquisição apenas em 13% dos casos. Como segundo factor de escolha, o preço foi assinalado por 25,6% dos respondentes como sendo considerado na sua decisão de aquisição. Dessa forma, os consumidores finais e os retalhistas revelam ter uma estratégia de escolha distinta, com a marca e não o preço a emergir como segundo factor de escolha no caso destes últimos.
J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

2 comentários:

Anónimo disse...

É de assinalar a relevância dos argumentos e a clareza com que foram aqui apresentados. Apesar de outros bloguistas/críticos o considerarem comummente como um acto proteccionista/patriótico, o posicionamento das marcas segundo o atributo “país-origem” ou o destaque da informação de origem no rótulo dos produtos, o que é facto é essa distinção produz, na maioria dos casos, um efeito, seja ele positivo ou negativo, sobre a forma como os consumidores percebem o produto e isso reflecte-se nas suas avaliações e na sua decisão de compra. Estas são as conclusões de uma larga maioria de investigadores que se debruçaram sobre esta matéria, num conjunto que abrange mais de 20 países diferentes, num total de mais de 150 investigações produzidas sobre este assunto, nos últimos 40 anos. Tal como refere e bem autor/a do post.

Gostaria de contribuir para o alargamento deste debate, incluindo um novo argumento – referir a importância do processo de generalização sobre o efeito “país de origem” na avaliação dos consumidores.

Importa sublinhar que a generalização é um processo cognitivo através do qual o consumidor tende a fundamentar/justificar a sua percepção, avaliação ou decisão em experiências anteriores de consumo. Isto é, nos casos em que o consumidor não possui informação suficiente acerca dos produtos (vs familiaridade), ele tende a inferir os atributos intrínsecos (sabor, durabilidade, garantia, ect) em crenças, conhecimentos e também na experiência anterior obtida no consumo de produtos semelhantes. Este fenómeno comportamental é importante e merece alguma consideração. A existência deste processo cognitivo – a generalização, explica que quando um produto ou conjunto de produtos, proveniente uma origem (seja um país ou uma região), é associado a um elevado/reduzido nível de qualidade, poderá existir por parte do consumidor, uma generalização deste elevado/reduzido nível de qualidade para outros produtos provenientes da mesma região/país em causa.

Contudo, se o destaque do elemento “país/região de origem” até pode ter efeitos positivos, este processo exige prudência a partir do momento em que, a dado momento, seja por via de canais de informação, seja por via da experiência de consumo, as avaliações do consumidor podem ser modificadas abruptamente, tal como aconteceu nos Estados Unidos e Canada com os casos de BSE ou com a Gripe das Aves em Inglaterra, em que todos exportadores destas carnes nestes países, ficaram afectados com um acontecimento que envolveu uma empresa daqueles países.

Importa, ainda referir que o “efeito origem do produto” tende a variar entre diferentes classes e tipos de produtos. Embora o consumidor se socorra do processo de generalização para organizar a informação obtida previamente e que recorra ao processo contrário – inferência, para avaliar novos produtos com base em experiências e conhecimentos já elaborados, estes processos são baseados na categorização e, desta forma, os diversos “tipos/sectores de produtos” tendem a ser organizados em categorias diferentes e não como um todo. Se por um lado, o “efeito origem” é positivo para os “vinhos”, no caso dos aparelhos de GPS ou outra categoria de produto, esse efeito poderá ser diferente, na medida em que os critérios de avaliação são diferentes e na medida em que os atributos considerados são outros (ex: sabor no vinho vs nível tecnológico no GPS).

Este é um assunto realmente interessante no contexto das práticas de comunicação das empresas e da Economia Portuguesa. Voto para que se dê continuidade a esta discussão.

Tiago Quental

J. Cadima Ribeiro disse...

Caro Tiago Quental,
Obrigado pelo seu contributo. O tema é, de facto, muito interessante e vasto.
Pode encontrar a maioria das comunicações produzidas sobre esta matéria no sítio do NIPE, nomeadamente na entrada actas de conferências. Em dois outros casos, os textos estão disponíveis nas entradas revistas internacionais ou livros.
O endereço do NIPE é: http://www.eeg.uminho.pt/economia/nipe
Se tiver dificuldade em aceder a algum desses textos, não deixe de me dar disso conta.
Cordiais cumprimentos,