A economia portuguesa é hoje mais dependente da economia espanhola do que há dez anos. As exportações portuguesas para Espanha neste período passaram de representar aproximadamente 10% do total para perto de 30% das vendas agregadas ao exterior. O Investimento Directo Estrangeiro (IDE) espanhol em Portugal tem ganho posições, especialmente em alguns sectores, sendo Espanha, neste momento, o terceiro maior investidor em Portugal. Ademais, as empresas portuguesas, especialmente as que operam no sector comercial, começam a ser bem sucedidas na abordagem do mercado espanhol, o que faz com que muitas delas tenham ambiciosos planos de expansão no país vizinho. Este contexto de interdependência implica que o acompanhamento da conjuntura da economia espanhola seja fundamental para ajudar a entender certos fenómenos de carácter económico e, inclusivamente, social em Portugal.
A desaceleração económica, originada em grande medida na crise financeira dos Estados Unidos, está a estender-se rapidamente nas economias mais avançadas. Neste momento, os efeitos do abrandamento são muito evidentes na economia espanhola, dado que a maioria dos indicadores de actividade e consumo apresentam importantes quebras em termos inter-anuais. A economia americana e a espanhola partilharam durante os primeiros anos desta década algumas tendências em termos de actividade económica, que acabaram por estar na origem da crise financeira na primeira delas. O paralelismo mais evidente está relacionado com a grande expansão do sector imobiliário, impulsionada pela forte procura de habitação, que resultou num acelerado incremento dos preços e na intensa revalorização deste tipo de activos. Outro tem a ver com a considerável expansão do crédito hipotecário, especialmente às famílias, não só para a compra de primeira habitação, mas também para a compra de segundas habitações e para satisfazer a procura especulativa sobre este tipo de activos. O outro aspecto convergente entre ambas as economias é a acentuação da dependência do financiamento externo, que tem a sua expressão mais notável no significativo défice da balança por conta corrente.
Apesar destas coincidências no diagnóstico, existem algumas circunstâncias que fazem com que a economia espanhola tenha uma maior capacidade de resposta num cenário de desaceleração como o actual. Em primeiro lugar, a existência de um sistema bancário eficiente, solvente, com reduzidos indicadores de morosidade e elevados volumes de recursos consignados em provisões, que se tem internacionalizado com grande sucesso, tanto em mercados em desenvolvimento como em mercados maduros. Em segundo lugar, a disponibilidade de um superavit crescente nas finanças públicas, que permite que o governo, em caso de necessidade, possa utilizar os recursos acumulados para estimular a procura, bem mediante a expansão ou a antecipação do investimento público ou através da redução ou devolução de determinados tipos de impostos.
O abrandamento da actividade económica em Espanha será muito mais rápido do que inicialmente previsto. O governo previu uma taxa de crescimento do PIB para 2008 de 3,1% (3,8% em 2007), ainda que nas últimas semanas o Ministério de Economia tem admitido que a taxa estimada pelo Banco de Espanha, de 2,4%, reflecte melhor a evolução da economia desde início do ano. De acordo com os dados do FMI, ambas as taxas são extremamente optimistas, dado que as suas previsões mais recentes apontam para uma variação relativa do PIB espanhol de apenas 1,8% em 2008.
Neste contexto de intensa desaceleração económica, a utilização dos fundos públicos acumulados emerge como uma solução adequada, no curto prazo, para travar a queda da procura e evitar a destruição massiva de emprego. O novo governo que tomou posse há escassos dias, após as eleições de início de Março, já apresentou um plano de intervenção económica para combater os efeitos da crise no sector imobiliário e das turbulências financeiras internacionais. O pacote previsto inclui 11 medidas (6 destinadas exclusivamente ao sector imobiliário) e prevê-se que tenha um impacto de 24.200 milhões de euros em dois anos (10.800 milhões em 2008). As medidas com efeitos directos sobre as famílias são o prolongamento gratuito dos prazos das hipotecas, a dedução linear de 400 euros no IRS, tanto para trabalhadores por conta de outrem como para trabalhadores por conta própria, que afectará cerca de dezasseis milhões e meio de contribuintes, e a eliminação do imposto de património, que favorecerá um milhão de contribuintes, aproximadamente. Outras medidas que merecem especial destaque são a antecipação da licitação de obras públicas e a devolução mensal do IVA às empresas.
A gravidade dos dados de conjuntura sugere que o plano de intervenção proposto pode ser insuficiente. As medidas anunciadas devem ser entendidas como uma intervenção de carácter urgente e pontual. As políticas de carácter estrutural destinadas a melhorar a eficiência da economia devem ser uma prioridade do governo durante a legislatura que agora se inicia. A modernização e a diversificação económica, o investimento em capital humano e tecnológico, o crescimento da produtividade e a redução do défice externo são aspectos que devem estar na agenda política ao longo dos próximos quatro anos.
O governo português deve prestar especial atenção à evolução económica do seu vizinho. A redução da actividade económica irá, certamente, afectar as exportações portuguesas com destino a Espanha e condicionar os fluxos recíprocos de IDE, mas terá, muito provavelmente, fortes implicações sobre outros âmbitos menos explícitos. Os fenómenos recentes de exportação de mão-de-obra, de importação de inflação e de desvio de procura são manifestações reais, sem expressão estatística, da crescente interdependência das duas economias, que merecem um acompanhamento mais efectivo por parte dos responsáveis de política económica em Portugal.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")