Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

terça-feira, novembro 18, 2008

Espanha em crise: prestem atenção!

Durante décadas a relação entre as economias portuguesa e espanhola foi escassamente relevante. A entrada na UE e, sobretudo, a sustentada expansão da economia espanhola durante os últimos quinze anos, contribuíram decisivamente para aprofundar essa interdependência. As diferenças de dimensão, estrutura produtiva, padrão de especialização e tecido empresarial explicam a existência de significativas assimetrias no relacionamento entre os dois países em termos económicos. As tendências dos últimos anos mostram que na direcção Portugal-Espanha predominam os fluxos de mercadorias e pessoas, devido ao auge das exportações portuguesas e à atractividade do mercado de trabalho espanhol para os trabalhadores portugueses, nomeadamente em sectores intensivos em mão-de-obra. Em sentido contrário, os fluxos dominantes foram de capital. Num primeiro momento as grandes empresas espanholas foram as protagonistas. Numa segunda fase, empresas de média e, inclusivamente, pequena dimensão, aproveitaram as dificuldades financeiras de algumas empresas portuguesas, provocadas pela perda de dinamismo do mercado interno, para levar a cabo aquisições e crescer no mercado português.
Neste contexto de integração, as consequências da crise internacional na economia portuguesa podem ver-se amplificadas pela rápida deterioração da economia espanhola. A crise em Espanha poderá ter fortes implicações sobre a economia portuguesa por vários motivos: i) pela quebra da procura interna e o correspondente impacto nas importações portuguesas; ii) pela perda de dinamismo do mercado de trabalho e o provável despedimento dos milhares de trabalhadores portugueses actualmente em Espanha; e, iii) pelas restrições de acesso ao crédito que actualmente sofrem as empresas espanholas e o potencial adiamento dos seus planos de investimento a médio prazo em Portugal.
A evolução de muitos indicadores económicos nos últimos meses evidencia a gravidade da situação económica em Espanha. Provavelmente os dados mais negativos são os do desemprego. No final do terceiro trimestre a taxa de desemprego aproximava-se dos 11,5% (11,33%). O desemprego leva cinco trimestres consecutivos crescendo. Nesse período o número de desempregados aumentou em 840.000 pessoas, passando de 1.760.000 para quase 2.600.000. Estes dados colocam Espanha como o país da zona Euro com maior taxa de desemprego, três pontos acima da média. Ademais, para além de não absorver as novas incorporações ao mercado de trabalho, a economia espanhola está a destruir emprego. No último trimestre destruíram-se 78.000 empregos e o nível de precariedade aumentou consideravelmente.
A evolução das receitas fiscais é também especialmente negativa. As receitas das Finanças Nacionais (Agencia Tributaria) caíram, até Setembro, em mais de 10%, em termos homólogos. As quebras das receitas do IVA e do IRC são particularmente significativas, dado que a arrecadação caiu, em termos homólogos, em 14% e 28%, respectivamente. A diminuição da receita fiscal está a produzir tensões nas contas públicas. O superavit fiscal transformou-se durante este ano novamente em défice. O último dado publicado dá conta da existência de um défice de 1,34% do PIB. Ademais, a situação da Segurança Social continua a piorar, dado que o número de contribuintes cai continuamente desde há vários trimestres e o número de desempregados e de reformados segue em aumento.
O PIB da economia espanhola caiu no terceiro trimestre por primeira vez nos últimos quinze anos. A quebra do produto entre Julho e Setembro foi de 0,2%. A previsão para o último trimestre aponta para um crescimento intertrimestral de – 0,4%, o que tecnicamente confirmaria a existência de recessão. Nessa conjuntura o desemprego aproximar-se-á dos três milhões de trabalhadores (à volta de 12% da população activa). Segundo o Fundo Monetário Internacional, a economia espanhola apresentará, no próximo ano, um crescimento negativo de 2,2% e uma taxa de desemprego de 15% (mais de quatro milhões de desempregados). Os principais serviços de estudos espanhóis não conseguem determinar a duração da recessão. Parece claro que esta se estenderá durante os dois primeiros trimestres do próximo ano, mas o que acontecerá durante o segundo semestre é, neste momento, uma incógnita. Contudo, parece haver consenso sobre a longa estagnação da economia durante 2010 e grande parte de 2011.
A principal causa da crise interna é o modelo de desenvolvimento adoptado durante a última década, assente fundamentalmente no crescimento da procura interna e, mais concretamente, na expansão da construção habitacional, grande geradora de emprego e consumo, tanto directa como indirectamente. A contribuição deste sector para a formação do PIB aproximou-se dos 20% nos últimos anos. A travagem neste sector foi espectacular. Em 2007, a sua contribuição para a formação do PIB foi de 18%. A quebra prevista para este ano é superior aos 9%. Ademais da alta dependência sectorial, este tipo de modelo de desenvolvimento provoca fortes desequilíbrios, nomeadamente no sector exterior. Neste momento o défice da balança por conta corrente em Espanha ultrapassa os 10% do PIB.
Independentemente das medidas que se venham a tomar a nível internacional para neutralizar os efeitos da crise financeira, o governo espanhol deve promover um conjunto de reformas estruturais que alterem o modelo de desenvolvimento e permitam substituir a procura interna por procura exterior. Neste sentido, as políticas destinadas a melhorar a gestão dos factores produtivos e dos processos de produção, que visem incrementar os níveis de produtividade, afiguram-se como fundamentais. A importância dos mecanismos de transmissão entre as economias ibéricas obriga o governo português a estar muito atento à evolução da crise em Espanha e a definir um conjunto de estratégias, juntamente com os agentes sociais, destinadas a minimizar os seus efeitos, especialmente nos mercados de trabalho e de exportação.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

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