1. Decorrente do quadro de actividades que mantenho na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, chegam-me regularmente muitos dados e publicações sobre diversas dimensões da realidade económica nacional e internacional. Entre os documentos que recebi mais recentemente encontrava-se um que se reportava à problemática da pobreza e da privação, que, dado o contexto de crise económica e social que o país atravessa, me chamou particularmente à atenção. Os dados a que se reportava não eram os de hoje mas, estando em causa melhor interpretar o dramatismo e os riscos sociais associados à situação presente, nem por isso eram despiciendos.
2. Alertado por esses dados, referidos a um tempo da realidade portuguesa (2007) que era, apesar de tudo, mais esperançoso que o presente, fui conduzido a procurar a última informação disponível em matéria de desemprego. Dessa informação (do INE), reportada ao 3º trimestre do ano passado, retive que i) a taxa de desemprego global em Portugal se situava em 10,9% da população activa, ii) sendo que o grupo mais penalizado continuava a ser o dos mais jovens (dos 15 aos 24 anos), que se situava nos 23,4%, isto é, mais do dobro do valor médio nacional, iii) com as mulheres (taxa de desemprego de 12,4%) a serem algo mais atingidas pelo fenómeno que os homens (9,6%). Relevante é também observar que o desemprego atingia mais os detentores de formação a nível dos 3º e 2º ciclos do ensino básico, com valores de 12,9% e 12,6% de desempregados.
3. Sabida a dinâmica económica e a exposição à concorrência internacional diferenciadas das diferentes regiões do país, inferir-se-á que o drama do desemprego será sentido de forma igualmente variada em diferentes lugares, com o Minho e a NUT II Norte a serem particularmente penalizadas. Ainda não há muitos meses vi referenciadas para estes territórios taxas de desemprego superiores a 13%, que, logicamente, não se terão atenuado entretanto e, pior que isso, é expectável que continuem deteriorar-se no período mais próximo.
4. De volta ao tema da pobreza e privação, do estudo a que faço alusão em 1., quero recuperar aqui, de passagem, alguns conceitos e dados. No que a conceitos se refere, importa sublinhar a ideia que, no que a pobreza se refere, nem tudo fica dito quando se invocam os recursos financeiros de que pessoas e famílias possam dispor, fruto de rendimentos que aufiram da sua participação no mercado de trabalho, acesso a rendas ou rendimentos de capital, ou em razão de transferências sociais de que beneficiem. Como assinalam Carlos Rodrigues e Isabel Andrade (2010, p.3), no texto de investigação que invoco (Monetary poverty, material deprivation and consistent poverty in Portugal), “ser pobre não quer simplesmente dizer que não se dispõe de suficientes recursos monetários: também reflecte a falta de acesso a recursos requeridos para se desfrutar do padrão de vida e de participação na sociedade a que se pertence”. É nesse contexto que ganha sentido o termo privação, definido pela União Europeia como ausência continuada de acesso a um conjunto categorizado de bens e serviços tidos como básicos para a sobrevivência material e a realização dos indivíduos, num certo quadro temporal e social.
5. No que a números se refere, o mesmo estudo recupera alguns dados que são conhecidos e adianta outros. Do que era conhecido, lembre-se o universo de 18,5% de portugueses, em 2007, que enfrentava situações de pobreza, isto é, que dispunham de um rendimento anual abaixo de 4886 Euros, montante identificado como linha identificadora de carência absoluta, na ocasião. Tal correspondia a um total de 1,97 milhões de pessoas. A referida percentagem vinha na linha dos números dos anos anteriores, sendo que apenas de 2005 para 2006 se havia registado uma queda visível (de cerca de 1%) naquele indicador. Por outro lado, configurava uma situação notória de desvantagem do país face à média da União Europeia, que apresentava para o mesmo indicador e ano um valor de 16,5%.
6. Retendo, por outro lado, o indicador de privação (pobreza monetária mais pobreza material), conclui-se que, em 2007, enfrentavam essa situação 23,0% dos portugueses, quer dizer, 2,4 milhões de indivíduos. Sem surpresa, entre estes, encontravam-me maioritariamente os grupos etários dos mais jovens e dos mais velhos, as famílias monoparentais com filhos, os reformados e os desempregados. No caso dos desempregados ou dos inactivos, a taxa de privação atingia 30% deles.
7. Pensando articuladamente a realidade actual do desemprego e os dados históricos sobre a situação de pobreza em Portugal, nesta altura em que é certo o arrastar da crise económica e a deterioração das condições de emprego, não podem senão avolumar-se as preocupações com o incremento previsível da pobreza e da privação. É assim tanto mais que, ao contrário do que seria necessário em matéria de políticas sociais, mesmo aos mais pobres está a ser reclamado (via aumento de impostos e taxas e via redução de prestações sociais) que contribuam para a superação dos constrangimentos vividos em matéria de défice orçamental e de dívida pública.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de 2011/02/01, do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "A Riqueza das Regiões")
2. Alertado por esses dados, referidos a um tempo da realidade portuguesa (2007) que era, apesar de tudo, mais esperançoso que o presente, fui conduzido a procurar a última informação disponível em matéria de desemprego. Dessa informação (do INE), reportada ao 3º trimestre do ano passado, retive que i) a taxa de desemprego global em Portugal se situava em 10,9% da população activa, ii) sendo que o grupo mais penalizado continuava a ser o dos mais jovens (dos 15 aos 24 anos), que se situava nos 23,4%, isto é, mais do dobro do valor médio nacional, iii) com as mulheres (taxa de desemprego de 12,4%) a serem algo mais atingidas pelo fenómeno que os homens (9,6%). Relevante é também observar que o desemprego atingia mais os detentores de formação a nível dos 3º e 2º ciclos do ensino básico, com valores de 12,9% e 12,6% de desempregados.
3. Sabida a dinâmica económica e a exposição à concorrência internacional diferenciadas das diferentes regiões do país, inferir-se-á que o drama do desemprego será sentido de forma igualmente variada em diferentes lugares, com o Minho e a NUT II Norte a serem particularmente penalizadas. Ainda não há muitos meses vi referenciadas para estes territórios taxas de desemprego superiores a 13%, que, logicamente, não se terão atenuado entretanto e, pior que isso, é expectável que continuem deteriorar-se no período mais próximo.
4. De volta ao tema da pobreza e privação, do estudo a que faço alusão em 1., quero recuperar aqui, de passagem, alguns conceitos e dados. No que a conceitos se refere, importa sublinhar a ideia que, no que a pobreza se refere, nem tudo fica dito quando se invocam os recursos financeiros de que pessoas e famílias possam dispor, fruto de rendimentos que aufiram da sua participação no mercado de trabalho, acesso a rendas ou rendimentos de capital, ou em razão de transferências sociais de que beneficiem. Como assinalam Carlos Rodrigues e Isabel Andrade (2010, p.3), no texto de investigação que invoco (Monetary poverty, material deprivation and consistent poverty in Portugal), “ser pobre não quer simplesmente dizer que não se dispõe de suficientes recursos monetários: também reflecte a falta de acesso a recursos requeridos para se desfrutar do padrão de vida e de participação na sociedade a que se pertence”. É nesse contexto que ganha sentido o termo privação, definido pela União Europeia como ausência continuada de acesso a um conjunto categorizado de bens e serviços tidos como básicos para a sobrevivência material e a realização dos indivíduos, num certo quadro temporal e social.
5. No que a números se refere, o mesmo estudo recupera alguns dados que são conhecidos e adianta outros. Do que era conhecido, lembre-se o universo de 18,5% de portugueses, em 2007, que enfrentava situações de pobreza, isto é, que dispunham de um rendimento anual abaixo de 4886 Euros, montante identificado como linha identificadora de carência absoluta, na ocasião. Tal correspondia a um total de 1,97 milhões de pessoas. A referida percentagem vinha na linha dos números dos anos anteriores, sendo que apenas de 2005 para 2006 se havia registado uma queda visível (de cerca de 1%) naquele indicador. Por outro lado, configurava uma situação notória de desvantagem do país face à média da União Europeia, que apresentava para o mesmo indicador e ano um valor de 16,5%.
6. Retendo, por outro lado, o indicador de privação (pobreza monetária mais pobreza material), conclui-se que, em 2007, enfrentavam essa situação 23,0% dos portugueses, quer dizer, 2,4 milhões de indivíduos. Sem surpresa, entre estes, encontravam-me maioritariamente os grupos etários dos mais jovens e dos mais velhos, as famílias monoparentais com filhos, os reformados e os desempregados. No caso dos desempregados ou dos inactivos, a taxa de privação atingia 30% deles.
7. Pensando articuladamente a realidade actual do desemprego e os dados históricos sobre a situação de pobreza em Portugal, nesta altura em que é certo o arrastar da crise económica e a deterioração das condições de emprego, não podem senão avolumar-se as preocupações com o incremento previsível da pobreza e da privação. É assim tanto mais que, ao contrário do que seria necessário em matéria de políticas sociais, mesmo aos mais pobres está a ser reclamado (via aumento de impostos e taxas e via redução de prestações sociais) que contribuam para a superação dos constrangimentos vividos em matéria de défice orçamental e de dívida pública.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de 2011/02/01, do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "A Riqueza das Regiões")
2 comentários:
Quem olha para este tema e para as várias perspectivas convergentes, sente-se impotente e sem palavras, perante a constatação de que «conversar à volta disto» poderia ser um grande momento mas, de facto, a nação não mostra evidência de que isso possa vir a acontecer.
Caro Alexandre Sousa,
Tem toda a razão mas, no seu caso como no meu, que mais podemos fazer que os pequenos passos que vamos dando dia-à-dia, de denúncia e de combate a estes flagelos?
Um abraço,
Enviar um comentário