1.
Quais as maiores implicações para o país
quando uma grande parte dos trabalhadores portugueses pararam?
R: Aparte a dimensão social e humana, a economia é
profundamente afetada, obviamente, com consequências nos curto, médio e longo
prazos. Para além da perda de rendimento e emprego que muitos indivíduos estão
a sofrer, desde já, há que ter presente a inércia gerada no comércio interno e
externo, que vai arrastar por muito tempo a situação de crise/ abrandamento
económico, e os impactes da situação em matéria de equilíbrio financeiro dos
sistemas de segurança social e de endividamento público. No caso português,
dado o nível excessivamente elevado da dívida pública atual e não sendo claro
que soluções de ajuda aos Estados-membros serão gizadas no quadro da União
Europeia, é ainda prematuro prever a intensidade com que isso nos vai afetar a
curto e médio prazos.
2.
Já podemos prever o cenário futuro do país
no fim desta pandemia?
R: Conforme decorre do antes enunciado, se é possível
antecipar previsões a curto-prazo em matéria de decréscimo do PIB (desde já,
avançadas pelo Banco de Portugal e outras instituições), que, para 2020, podem
variar entre 3,5% e 9%, consoante a duração do período crítico de manifestação
da doença (COVID-19), de perda de postos de trabalho, que apontam para taxas de
emprego que podem atingir 12% e crescimentos acentuados da falência de empresas
e dos endividamentos das famílias e do Estado, há muitas outras dimensões que é
prematuro assumir como possam evoluir. Por exemplo, no caso do turismo, tão
estratégico para Portugal, o que possa acontecer depende não apenas da gestão
interna da crise sanitária mas, igualmente, do que se possa passar nos países
de origem dos nossos potenciais visitantes. Isso aplica-se, também, em grande
medida ao comércio internacional, em geral.
3.
É importante manter a circulação do
mercado?
R: Quanto mais acentuada e duradoura for a paragem da
economia, em Portugal e no mundo com que nos relacionamos mais intensamente,
mais profundos serão os impactes negativos experimentados e mais lento será o
processo de reinstalação da normalidade económica.
4.
Estamos perante uma paralisia generalizada
da economia?
R: Generalizada não é, no sentido em que há setores
que continuam a funcionar, desde logo os diretamente ligados à saúde e à
segurança públicas, e o setor alimentar básico. Porventura, em razão das
circunstâncias especiais e dos locais em que se desenvolve a atividade, os setores
agrícola e florestal serão dos menos atingidos. O recurso ao chamado
teletrabalho também permite manter em funcionamento uma parte significativa da
economia e da sociedade. Por exemplo, no setor dos serviços e, mesmo, do ensino
superior e da investigação, uma grande parte das atividades estão a ser
asseguradas. Quem tenha que movimentar-se por alguns lugares, vai também
perceber que há alguns projetos na construção civil, que são suportados por um
número restrito de trabalhadores, que continuam a avançar. Este enunciado de
exceções à paralisia económica pode ser consideravelmente multiplicado.
5.
Como é que este grande problema pode
afetar a União Europeia?
R: Na dimensão económica, a União Europeia é afetada
na dimensão em que o são os seus estados-membros, mas há outras vertentes a
reter, nomeadamente a da gestão política da crise e a financeira, isto é, que
se prende com os montantes dos apoios a disponibilizar para apoiar as economias,
e a forma do fazer. Os sinais que têm sido dados de falta de solidariedade
interna, com expressão nalgumas declarações mais desastradas vindas a público,
são preocupantes. Entretanto, também há sinais positivos, talvez tardios, como
são os anúncios da Comissão Europeia da criação de uma linha de crédito à
economia e do Banco Central Europeu em matéria de atuação planeada no que se
reporta a aquisição de dívida pública.
6.
A Europa está a dar uma resposta
concertante?
R: Como deixei dito, a gestão da situação na fase inicial
da crise deixou transparecer sinais muito preocupantes, desde logo de coesão e
solidariedade internas. Mais uma vez, foram evidenciadas clivagens entre países
do “norte” e do “sul” e visões diferentes sobre os mecanismos de atuação para
atacar a crise economia/financeira. Aparte falta de coesão, pode-se acusar as
instituições da União de lentidão na resposta à crise. A Itália, em particular,
queixou-se disso. À medida que o tempo foi passando e a crise se generalizou,
as divergências atenuaram-se e foi melhor percebida a necessidade de atuação
concertada das instituições da União Europeia.
7.
A ajuda da Europa deveria chegar já?
R: Percebendo-se que estruturas pesadas, complexas,
como é a União Europeia, tenham dificuldade em dar respostas a situações emergentes,
a concertação de atuações e a libertação de meios deverá ser tão rápida quanto
a gravidade, indiscutível, da situação sanitário e económica o exigem. Maiores
atrasos significarão mais custos, em vidas humanas e a nível de deterioração da
situação económica, em geral.
8.
Qual a sua opinião sobre todo este
assunto? Acha que o governo está a tomar as medidas certas?
R: O governo português tem revelado grande ponderação
e bom senso, o que se saúda. Soube adotar um discurso adequado, centrado nas
pessoas e procurando comunicar com elas, e foi escalando as medidas sanitárias
e económicas à medida do que pareceu ser necessário fazer, sem precipitações.
Obviamente, isso deu azo a críticas, posto que há sempre quem tenha outra
perspetiva de gestão da situação e há aqueles que têm necessidade de criticar
tudo, muitas vezes apenas para ganhar protagonismo público. As sondagens de
opinião feitas sobre a matéria dão expressão de elevado consenso entre os
cidadãos nacionais sobre a gestão feita da crise.
9.
Quais os setores profissionais que vão
ficar mais afetados?
R: Obviamente, resultarão mais afetados os setores
profissionais ligados a atividades que estão completamente paralisadas ou a
empresas que vão entrar em falência. Como disse, desde logo os profissionais das
diferentes atividades ligadas ao turismo, desde o alojamento e restauração aos
transportes, às agências de viagens e de aluguer de veículos, à animação
turística, ao artesanato, etc., mas há muitos outros setores atingidos. Disso é
expressão, por exemplo, a paragem na venda de automóveis, na venda de imóveis,
e do comércio internacional, de um modo geral.
10. Concorda
com Mário Centena quando este diz que Portugal nunca esteve tão preparado para
uma crise económica como agora?
R: Mário Centeno disse, e bem, que se não tivesse sido
feita a gestão do endividamento público que foi feita Portugal não teria uma parte
dos instrumentos financeiros de que dispõe atualmente, e de credibilidade,
também. Demonstração pública, global, disso foi António Costa ter podido
aparecer publicamente a criticar de forma veemente o ministro das finanças
Holandês pelas palavras infelizes que proferiu sobre a gestão da situação
sanitária e económica em Itália e em Espanha sem que alguém se atrevesse a contradizê-lo.
Pelo contrário, quem sentiu necessidade de se retratar foi o dito ministro das
finanças holandês. Em fórum público, referir-se às ditas palavras como
“repugnantes” não é coisa que se espere ouvir de um Primeiro-ministro de um
país da União Europeia sobre o que foi dito por um representante de outro. Só
por isso, António Costa ficou com uma dívida eterna de gratidão para com Mário
Centeno.
11. Como
funcionam os subsídios que o estado vai distribuir por algumas empresas? Existe
alguma seleção?
R: O processo está no início e o que se conhece são as
medidas enunciadas. A implementação traz sempre dificuldades que nem sempre são
percebidas desde o início. Obviamente, simultaneamente com a celeridade de
libertação de apoios financeiros há que cuidar que não haja posturas oportunistas.
A isenção ou a derrogação de impostos e taxas têm mecanismos de aplicação mais
claras e imediatas. Isso já está a acontecer. Sobre mecanismos como o “lay-off”
e apoios associados, ainda há uma noção menos claro sobre como as coisas se
estão a/vão passar. A ideia de que a inspeção da regularidade das situações se
vai fazer a posteriori faz sentido, no presente contexto, e permite acelerar o
processo de libertação de apoios financeiros.
12. Dado
que em Portugal a taxa de esforço dos Portugueses já é muito elevada, dados de
setembro do jornal negócios apontam para uma taxa de 86% em Lisboa e de 51% no
Porto, qual a sua opinião sobre a moratória dos empréstimos que está a ser
implementada pelos bancos?
R: A declaração da moratória nos empréstimos aos
particulares é uma exigência de equilíbrio dos orçamentos das famílias e da
exploração dos bancos. Sem isso, as situações de incumprimento disparariam e
com elas os créditos malparados nos balanços do bancos. Esperamos é que o prazo
das moratórias seja compatível com a recuperação relativa da economia e do
emprego. De outro modo, trata-se apenas de adiar a evidenciação de mais um
problema no sistema financeiro. As taxas de esforço excessivas, na sua
expressão atual, não são consequência da crise sanitária mas da falta de
prudência das famílias no recurso ao crédito, e dos bancos na respetiva
concessão. Por alguma razão o Banco Portugal produziu há algum tempo alguns
alertas e orientações para o sistema bancário em relação a essa matéria. Tanto
quanto se sabe, as instituições bancárias tenderam a ”fazer orelhas moucas” em
relação a essas recomendações.
Ponte
de Lima, 3 de abril de 2020
J.
Cadima Ribeiro
(Entrevista
escrita dada a Andreia Oliveira,
aluna da Universidade Lusófona do Porto,
a frequentar o 3º ano da Licenciatura de Ciências da Comunicação, Ramo
de Jornalismo).
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