Na mesma semana em que o Instituto Nacional de Estatística anunciou o valor do défice do orçamento de Estado português referente ao exercício de 2006 (3,9 % do PIB do mesmo ano), o semanário Expresso (07/03/24) publicou dois artigos, assinados, respectivamente, por Fernando Madrinha e Nicolau Santos, em que se falava do que havia sido conseguido em matéria de consolidação orçamental e se questionava o devir.
As análises convergiam em muito, sendo que Nicolau Santos ia um pouco mais longe no questionamento dos caminhos a percorrer, sublinhando, em particular, que “se este resultado é muito bom, convém que não haja ilusões, porque não está consolidado”. Acrescentando de seguida que “a carreira dos funcionários públicos não pode permanecer indefinidamente congelada. A forte contenção salarial não pode ser eterna. E cortar sistematicamente no investimento público não é modelo que se recomende”.
É por aqui que quero pegar para reafirmar o ponto de vista que há muito defendo de que a gestão deste desequilíbrio pelo lado das políticas de estabilização é pouco mais do que um faz-de-conta, em que o que se ganha num lado – aumento a receita fiscal, por exemplo – se perde no outro, no desestímulo que daí resulta para a actividade económica e no incentivo à fuga ao fisco. Felizmente para o governo em funções, esta última componente foi eficazmente combatida pelo ganho de eficiência da máquina fiscal mas, aqui chegados, pouco mais estará ao alcance do governo fazer já que, doravante, os mecanismos de fuga com que se confrontará serão bem mais sofisticados e, nalguns, mesmo formalmente legitimados (por exemplo, “paraísos fiscais”).
Ironicamente, esse resultado em matéria de cobrança de impostos fica muito a dever-se ao investimento feito em matéria de sofisticação técnica da máquina fiscal e de qualificação da estrutura de direcção, que amiúde emergiu para a opinião pública em termos de polémica em torno de salários pagos, nomeadamente ao seu Director-Geral.
Esta situação ilustra na perfeição o beco sem saída do modelo de reforma das contas públicas que questiono. A seu modo, são também as questões que Nicolau Santos enuncia na citação que faço acima, mais ou menos secundado por Fernando Madrinha na frase onde diz que “muitos milhares de portugueses têm sofrido os tormentos dessa vitória”, do governo, esclareça-se (para atingir os resultados em matéria de défice anual que são indicados).
O chamar desta dimensão da gestão da economia para primeiro plano permite, adicionalmente, pôr em relevo que uma parte dos problemas que a economia portuguesa enfrenta não são senão o resultado de erros de política, que se vêm sucedendo há vários anos, ao mesmo tempo que abre espaço para a afirmação de que soluções duradouras não relevam destas políticas mas das de natureza estrutural, quer dizer, daquelas que são necessárias implementar para que o país altere de vez o seu perfil produtivo, habilitando-o a ser mais competitivo nos mercados globais, e cresça de forma visível e sustentada. Só o crescimento económico do país acrescenta recursos e empregos e gera receitas fiscais líquidas adicionais.
A crise da economia portuguesa é essencialmente uma crise estrutural e não uma mera diminuição do crescimento do produto. Essa leitura de situação será das poucas coisas que faz consenso entre os economistas nacionais, e não só. Como crise estrutural, como disse já, tem que ser atacada com remédios da mesma natureza.
Portugal foi dos países mais afectados pela abertura da economia da União Europeia (UE) negociada em sede da Organização Mundial do Comércio. É também um dos países mais afectados pelo alargamento da UE a Leste. Dito de outro modo, encontra-se confrontado com uma enorme mudança dos factores de competitividade e de desafios que tem que vencer a partir de um posicionamento nos mercados distinto do subsistente no passado das suas empresas, dos seus territórios e, obviamente, da sua administração pública, como parte que é de um novo projecto de inserção do país na divisão internacional do trabalho.
Para tanto, como considerava o GEPE - Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica, do Ministério da Economia, em análise recente (2006), Portugal precisa de “desenvolver a flexibilidade e a adaptabilidade das estruturas económicas e sociais de forma dinâmica e sustentável”, sendo sabido que tudo isto passa: i) pela iniciativa e eficácia das empresas, na resposta à evolução da procura de bens e serviços nos mercados nacional e internacional; ii) pela qualidade dos recursos humanos ao dispor das empresas e da administração pública, no contexto de globalização e de mudança acelerada assinalado, onde, portanto, a única resposta possível tem que apostar na flexibilidade de resposta, na antecipação e em fazer diferente e, se possível, melhor; e iii) por políticas estruturais orientadas para a eficiência, a formação e a qualificação dos recursos humanos, o desenvolvimento regional e a modernização das infra-estruturas e dos serviços prestados pela administração pública.
Concluindo, uma resposta duradouro aos problemas do país, incluindo neles o desequilíbrio das contas públicas, não tem resposta fora de uma política de incentivo à criação de novas empresas, de novas marcas, de novos produtos e à consolidação das existentes. Aumentar a quantidade de produtos e serviços que tenham potencial de ser exportados ou explorados nos mercados externos e a capacidade de concorrer com operadores internacionais no mercado nacional é o caminho a trilhar. Quando alcançarmos uma posição sólida nesse percurso, teremos resolvido solidamente os desequilíbrios de contas públicas e de contas externas que nos toldam o nosso presente, enquanto economia e enquanto nação.
Neste percurso em direcção ao futuro nem tudo se joga no âmbito das decisões e das políticas económicas. A componente cultural e a pedagogia política terão que cumprir a sua parte. As atitudes têm que mudar, libertando-se de acomodações e de dependências, e o discurso político necessita ser muito mais pedagógico e verdadeiro.
J. Cadima Ribeiro
As análises convergiam em muito, sendo que Nicolau Santos ia um pouco mais longe no questionamento dos caminhos a percorrer, sublinhando, em particular, que “se este resultado é muito bom, convém que não haja ilusões, porque não está consolidado”. Acrescentando de seguida que “a carreira dos funcionários públicos não pode permanecer indefinidamente congelada. A forte contenção salarial não pode ser eterna. E cortar sistematicamente no investimento público não é modelo que se recomende”.
É por aqui que quero pegar para reafirmar o ponto de vista que há muito defendo de que a gestão deste desequilíbrio pelo lado das políticas de estabilização é pouco mais do que um faz-de-conta, em que o que se ganha num lado – aumento a receita fiscal, por exemplo – se perde no outro, no desestímulo que daí resulta para a actividade económica e no incentivo à fuga ao fisco. Felizmente para o governo em funções, esta última componente foi eficazmente combatida pelo ganho de eficiência da máquina fiscal mas, aqui chegados, pouco mais estará ao alcance do governo fazer já que, doravante, os mecanismos de fuga com que se confrontará serão bem mais sofisticados e, nalguns, mesmo formalmente legitimados (por exemplo, “paraísos fiscais”).
Ironicamente, esse resultado em matéria de cobrança de impostos fica muito a dever-se ao investimento feito em matéria de sofisticação técnica da máquina fiscal e de qualificação da estrutura de direcção, que amiúde emergiu para a opinião pública em termos de polémica em torno de salários pagos, nomeadamente ao seu Director-Geral.
Esta situação ilustra na perfeição o beco sem saída do modelo de reforma das contas públicas que questiono. A seu modo, são também as questões que Nicolau Santos enuncia na citação que faço acima, mais ou menos secundado por Fernando Madrinha na frase onde diz que “muitos milhares de portugueses têm sofrido os tormentos dessa vitória”, do governo, esclareça-se (para atingir os resultados em matéria de défice anual que são indicados).
O chamar desta dimensão da gestão da economia para primeiro plano permite, adicionalmente, pôr em relevo que uma parte dos problemas que a economia portuguesa enfrenta não são senão o resultado de erros de política, que se vêm sucedendo há vários anos, ao mesmo tempo que abre espaço para a afirmação de que soluções duradouras não relevam destas políticas mas das de natureza estrutural, quer dizer, daquelas que são necessárias implementar para que o país altere de vez o seu perfil produtivo, habilitando-o a ser mais competitivo nos mercados globais, e cresça de forma visível e sustentada. Só o crescimento económico do país acrescenta recursos e empregos e gera receitas fiscais líquidas adicionais.
A crise da economia portuguesa é essencialmente uma crise estrutural e não uma mera diminuição do crescimento do produto. Essa leitura de situação será das poucas coisas que faz consenso entre os economistas nacionais, e não só. Como crise estrutural, como disse já, tem que ser atacada com remédios da mesma natureza.
Portugal foi dos países mais afectados pela abertura da economia da União Europeia (UE) negociada em sede da Organização Mundial do Comércio. É também um dos países mais afectados pelo alargamento da UE a Leste. Dito de outro modo, encontra-se confrontado com uma enorme mudança dos factores de competitividade e de desafios que tem que vencer a partir de um posicionamento nos mercados distinto do subsistente no passado das suas empresas, dos seus territórios e, obviamente, da sua administração pública, como parte que é de um novo projecto de inserção do país na divisão internacional do trabalho.
Para tanto, como considerava o GEPE - Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica, do Ministério da Economia, em análise recente (2006), Portugal precisa de “desenvolver a flexibilidade e a adaptabilidade das estruturas económicas e sociais de forma dinâmica e sustentável”, sendo sabido que tudo isto passa: i) pela iniciativa e eficácia das empresas, na resposta à evolução da procura de bens e serviços nos mercados nacional e internacional; ii) pela qualidade dos recursos humanos ao dispor das empresas e da administração pública, no contexto de globalização e de mudança acelerada assinalado, onde, portanto, a única resposta possível tem que apostar na flexibilidade de resposta, na antecipação e em fazer diferente e, se possível, melhor; e iii) por políticas estruturais orientadas para a eficiência, a formação e a qualificação dos recursos humanos, o desenvolvimento regional e a modernização das infra-estruturas e dos serviços prestados pela administração pública.
Concluindo, uma resposta duradouro aos problemas do país, incluindo neles o desequilíbrio das contas públicas, não tem resposta fora de uma política de incentivo à criação de novas empresas, de novas marcas, de novos produtos e à consolidação das existentes. Aumentar a quantidade de produtos e serviços que tenham potencial de ser exportados ou explorados nos mercados externos e a capacidade de concorrer com operadores internacionais no mercado nacional é o caminho a trilhar. Quando alcançarmos uma posição sólida nesse percurso, teremos resolvido solidamente os desequilíbrios de contas públicas e de contas externas que nos toldam o nosso presente, enquanto economia e enquanto nação.
Neste percurso em direcção ao futuro nem tudo se joga no âmbito das decisões e das políticas económicas. A componente cultural e a pedagogia política terão que cumprir a sua parte. As atitudes têm que mudar, libertando-se de acomodações e de dependências, e o discurso político necessita ser muito mais pedagógico e verdadeiro.
J. Cadima Ribeiro