Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

sexta-feira, setembro 26, 2008

O Benéfico megalómano

O dicionário da língua portuguesa contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa define megalómano como: “1. +Psiq. Que sofre de megalomania = Megalomaníaco. 2. Que tem gosto pelas coisas de grande porte ou de grande alcance; que tem ambição desmedida...”. Apesar dos investimentos não terem gostos, vamos fingir que sim, pois assim foram descritos os futuros investimentos nas infra-estruturas deste país. Mas será que são todos projectos de ambição desmedida? Será que querem ter tão grande alcance quanto o sugerido pelo conceito que é enunciado? Não será que, na realidade, muitos deles servem apenas para trazer Portugal para uma Europa que nos foge? A concretizarem-se, não servirão antes para atenuar as diferenças nos rendimentos de diferentes regiões do território nacional?
Dado que toda a discussão é expressa em milhões de euros, temos a sensação de ficar perdidos na contagem dos zeros que a nós, especialmente a nós, tanto nos fazem falta. Graças a alguns dados, convenientemente simplificados, decidi averiguar a necessidade daquela “catrozada” de zeros que nos leva sempre para o lado imaginário da vida.
O número índice que compara o poder de compra de diferentes unidades estatístico-territoriais do país, conhecido por “Indicador per Capita” de poder de compra (IpC) foi a minha primeira escolha. De acordo com o “Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio – 2005”, do INE, referido às NUTS II (unidades estatísticas de nível II), e tomando para valor base (100) a média Portuguesa, Lisboa possuía na referida data um IpC de 137,3 pontos, ao passo que o Norte possuía um IpC de 85,4. A diferença de 51,9 pontos de IpC parece-me “megalómana” (e nem tem zeros!). Mas porque assim se corre o risco de impedir a imaginação de se exprimir, talvez seja mais útil referir-me a um outro número que dê expressão do rendimento relativo auferido por diferentes indivíduos. Assim, de acordo com “o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem nos estabelecimentos”, enquanto que um “Lisboeta” faz 1173,68 € mensais, um “Nortenho” faz 785,18€, o que dá uma diferença de 388,5 €, valor este que é próximo do salário mínimo nacional.
Penso que aqui o significado de megalómano já se aplica, porque para atenuar esta enorme diferença terá de haver uma ambição desmedida, mas necessária. Digo “desmedida” porque dificilmente se encontra escala para o trabalho que é atenuar as diferenças entre todas as regiões do país, de que é exemplo a diferença de poder de compra da NUT II Norte face a Lisboa. Para mais, dizer “Estes investimentos iriam gerar um rendimento necessário para compensar os seus custos” não é tão fácil como dizer “Estes investimentos são Megalómanos”. É que a primeira afirmação usa mais 8 palavras. Um gasto aparentemente excessivo.
Os constantes investimentos públicos na área metropolitana de Lisboa é que possibilitaram todo o investimento privado que favorece a vida dos seus habitantes. Alguma vez se imagina um CEO (director executivo de empresas) asiático, representante de uma multinacional enriquecida pelo aproveitamento comercial das tecnologia de informação, que viaje até Portugal, fazer de seguida o trajecto até Vila Real ou mesmo Braga, depois de 5 a 8 horas de voo? Não é impossível que tal aconteça. Mas porque não há-de tratar o que tem que tratar em Lisboa, onde tem pessoal especializado e infra-estruturas preparadas na mesma dimensão que outras regiões do país foram negligenciadas na provisão desses mesmos recursos e infra-estruturas?
Nem toda a gente trocaria o carro pelo comboio, barco ou avião. Nem toda a gente abriria uma nova empresa, mas haveria quem o fizesse, e haveria quem arranjasse emprego em razão disso. Quero eu dizer, haveria uma alternativa benéfica para todos. Certamente que estas populações que se situam abaixo da média nacional em termos de rendimentos (já ela miserável comparada com a da União Europeia) tirariam partido de alguns dos “investimentos megalómanos” que tão contestados têm sido. Estes, por sua vez, trazer-lhe-iam a equidade social que lhes é devida.
José Pedro Cadima
jpgcadima@gmail.com
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(artigo de opinião a sair no número de 30 de Setembro p.f. do Suplemento de Economia do Diário do Minho)

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