Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Atenção aos sinais proteccionistas

Nas últimas semanas tem-se assistido a um despertar do proteccionismo em vários países, com expressões públicas de diversa natureza. Na comunicação social portuguesa o assunto que mereceu especial destaque foram os protestos de trabalhadores ingleses, em resposta ao recrutamento de mão-de-obra italiana e portuguesa na refinaria de Lindsey, no Reino Unido. As pressões dos trabalhadores e o receio da generalização dos protestos levaram a que o governo inglês forçasse um acordo entre manifestantes e empresa, a qual se comprometeu a aceitar uma percentagem de trabalhadores locais. Este episódio de carácter proteccionista não é um caso isolado. Os Estados Unidos, a China, a Índia, o Brasil, a Rússia e diversos países de Europa e Latino-américa implementaram ou têm previsto implementar medidas para favorecer os seus trabalhadores e a sua indústria transformadora ou para restringir o comércio internacional, nomeadamente através de aumentos dos impostos à importação.
O comércio internacional tem sido um dos grandes pilares do crescimento económico mundial dos últimos cinquenta anos. Em finais do século XIX o comércio internacional representava 25% do Produto Interno Bruto mundial. Nos anos trinta caiu para 14% do produto, como consequência da crise económica e de uma série de políticas comerciais proteccionistas, mantendo-se sem grandes alterações durante as décadas de quarenta e cinquenta. Na década de sessenta inicia-se um processo de abertura comercial, ainda que não foi até finais da década seguinte quando verdadeiramente se intensifica a liberalização do comércio internacional. Nos últimos trinta anos os impostos ao comércio entre países diminuíram, em termos médios, de 25 para menos de 10%, o qual promoveu uma expansão continuada dos inter-câmbios. Nos últimos 15 anos as taxas de crescimento médias do comércio internacional aproximaram-se dos 6%, em termos anuais.
Nos últimos meses os líderes políticos mundiais realizaram manifestações de apoio ao comércio internacional como via para garantir uma rápida saída à recessão económica global. Contudo, as medidas implementadas ou anunciadas por alguns países nas últimas semanas contradizem o discurso político de abertura e promoção da liberdade comercial. Nesta conjuntura, o Banco Mundial estima que em 2009, por primeira vez nos últimos vinte e sete anos, o crescimento do comércio internacional será negativo (–2.1%.)
A generalização das medidas proteccionistas guarda certo paralelismo, como noutras dimensões da actual conjuntura, com a crise de 1929. Nos Estados Unidos, na sequência do crash de 29, foi aprovada em Junho de 1930 a Lei Smoot-Hawley, que criou uma série de barreiras ao comércio internacional com terceiros países. Em concreto, incrementaram-se os impostos à importação de mais de 20.000 produtos, atingindo os aumentos, em alguns casos, valores próximos dos 70%. As importações dos Estados Unidos caíram de 4.400 milhões de dólares para 1.500 milhões, entre 1929 e 1932. A resposta dos parceiros comerciais americanos teve um grande impacto nas suas exportações, as quais desceram, no mesmo período, de 5.400 para 2.100 milhões de dólares. Esta quebra do comércio internacional, nesse período, é sempre apontada como uma das razões explicativas do alargamento temporal da Grande Depressão.
A posta em marcha de medidas proteccionistas em algumas das economias de maior dimensão pode dar origem a fortes desequilíbrios em determinados mercados e a impactos macroeconómicos de carácter global. De um lado, a cláusula Buy American promovida pela nova Administração americana restringe a utilização de aço importado na construção de infra-estruturas financiadas no âmbito do plano de estímulo económico. As importações apenas poderão proceder dos países incluídos no Acordo sobre Contratação de Obras Públicas da OMC. Assim sendo, grandes produtores mundiais como a China, a Rússia e a Índia ficarão de fora, o que pode levar a que certos mercados, como o europeu, sejam inundados com aço barato procedente desses países, prejudicando os produtores locais. De outro lado, dado que a economia Chinesa tem uma forte dependência das exportações, a intensificação das medidas proteccionistas pode obrigar o seu governo a desvalorizar a moeda, para incrementar a competitividade das suas produções. Os desequilíbrios globais derivados de uma medida de política dessa natureza são neste momento de difícil predição, ainda que certamente o seu impacto não seria neutral.
Estima-se que para que o PIB das economias avançadas cresça a uma taxa média de 3% é necessário que o comércio internacional cresça a taxas não inferiores a 8%. As medidas proteccionistas não são a solução para a recessão. Do ponto de vista individual, podem ajudar a estimular a procura interna no curto prazo, mas terão efeitos perversos sobre a procura externa no médio e longo prazo. A saída da crise implica a implementação de soluções globais e não de medidas avulsas decididas individualmente. A história económica mostra-nos que o proteccionismo não é o caminho. Às vezes deitar uma olhada ao passado permite-nos tirar conclusões mais robustas que as dos sofisticados modelos de previsão, sobretudo em conjunturas como esta, onde o determinismo e a dependência temporal do passado recente perdem grande parte da importância que têm em conjunturas económicas convencionais.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

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