1. Desde há quase três décadas que as notícias de Leiria me chegam, sobretudo, pelos jornais locais cuja assinatura mantenho. Infelizmente, nem sempre posso demorar com a sua leitura o tempo que gostaria. Esse tempo seria, também, um tempo de evasão ao meu quotidiano, que tantas vezes necessito para recobrar forças. Sendo um cidadão do mundo, com partido e tudo lá para os lados do médio oriente, há alguns sítios aonde gosto de retornar periodicamente. Leiria é um desses sítios.
2. Fruto de uma dessas incursões, por atenção da entidade editora, passei a receber regularmente desde há perto de dois anos a revista do NERLEI, Associação Empresarial da Região de Leiria, “Desafios”, de seu nome. O último número chegou-me muito recentemente e gostei de ler lá algumas coisas que me dizem muito, e, desde logo, um apelo da direcção em funções “à participação efectiva dos associados” no acto eleitoral que designará os novos órgãos sociais da estrutura. Esse gesto é tanto mais significativo quanto, por razões estatutárias, o actual presidente da direcção não se pode candidatar. Para sublinhar a importância do acto, lê-se no dito texto (p.6) “que da sua participação [isto é, do associado] depende a legitimidade de todos os que vierem a ser eleitos. Além disso, numa época de crise como a que as empresas atravessam, a união de esforços e a partilha de experiências faz cada vez mais sentido”. Enquanto alguns ficam confortáveis com o baixo nível de mobilização dos eleitores, muitas vezes expressão final da forma que têm de fazer “política”, há quem veja no seu oposto um elemento central de resposta às dificuldades sentidas. Acrescendo o sentido individualista muito arreigado naquele território (e não só), o apelo à partilha de experiências e à comunhão de esforços entendo-o como sinal de lucidez e, quiçá, de vontade de contribuir para um virar de página.
3. As dificuldades a que se alude no referido texto são enunciadas de forma clara por Pedro Faria, no texto de abertura (editorial); nem mais nem menos que as que imaginamos (melhor seria dizer, que vivemos): “a globalização da economia sem regras definidas”, e o “consumo baseado no crédito”, na relação que esses fenómenos têm com “o aumento do desemprego”, “o empobrecimento geral” e o desrespeito por “regras ambientais, higiene e segurança ou condições de trabalho”. Curiosamente, chegou-se aqui em nome de “el dourados” ainda há pouco cantados por muitos, de empresários e políticos a empresários-políticos e a analistas sociais, passando por uma forte corrente de economistas que agora se vêem muito menos nos ecrãs de televisões e nas capas de revistas (cor-de-rosa ou de outras cores). Andam por aí, no entanto, e, passada a tormenta, hão-de voltar a enunciar as suas certezas sobre a boa-sorte que nos espera ao virar da esquina, se seguirmos pelos caminhos que nos indicam (até à próxima crise).
4. A temática da crise e da mudança necessária atravessa as diversas contribuições disponíveis na revista, a maioria delas originárias de empresários e agentes associativos empresariais de diversos sectores de actividade, entre os quais o da cristalaria, que tantas memórias de infância me traz. Diz a propósito Carlos Martins, presidente da Associação dos Industriais de Cristalaria: “O mundo enfrenta uma mudança radical nos fundamentos básicos da economia – passou-se de uma economia centrada nas pessoas, para outra centrada nos resultados (lucros). O motor do crescimento económico (a classe média), tolhida pela deslocalização dos negócios, passou a ser esmagada, e, naturalmente, ´o motor` emperrou”. “Enfrentar a crise é enfrentar este desafio” (p.25). A diferença que tenho em relação ao que escreve Carlos Martins é que entendo que não foi “ontem”, na véspera da crise declarada nos mercados financeiros internacionais, que a economia deixou de ser centrada nas pessoas, mas muito antes. Quando olhamos para a agitação social dos finais dos anos 60 do século passado não era já contra isso que os jovens daquela altura se revelavam, na Europa, nos Estados Unidos da América? O sistema reformou-se, é certo, mas depois disso a ortodoxia neoclássica, liberal apresentou-se mais triunfante que nunca, e nós, empresários, economistas, agentes culturais, deixámos. Vamos deixar agora novamente, aturdidos que estamos pela crise?
5. Um outro texto disponível (da autoria de João Baptista dos Santos, empresário hoteleiro) versa a temática do turismo (p. 27). A sua leitura oferece-se-me lúcida e o pensamento de estratégia que o informa é também válido para outras parcelas do território nacional, sobretudo para o Minho. Diz o referido autor: “Se Portugal é débil em numerosos campos, outros há em que temos um forte potencial. Refiro-me nomeadamente a sectores onde os valores históricos, naturais e a criatividade são factores diferenciadores […]. Neste contexto, as indústrias do turismo e da cultura no nosso país dispõem de um enorme potencial de crescimento e, por arrastamento, um conjunto de actividades de serviços complementares a estes sectores”. Qual é o problema que subsiste aqui? Pergunto eu. O problema reside na estratégia e respectiva materialização. É que, como diz João Santos, o potencial de oferta turística diversificada territorial e sectorialmente existente nem sempre tem sido “devidamente trabalhado”. Se fosse eu a enunciá-lo diria, antes, que quase nunca tem sido devidamente trabalhado, o que também não é alheio aos protagonistas que temos tido no sector e ao menosprezo que o potencial turístico de alguns territórios tem merecido nos planos de desenvolvimento turístico nacionais.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
2. Fruto de uma dessas incursões, por atenção da entidade editora, passei a receber regularmente desde há perto de dois anos a revista do NERLEI, Associação Empresarial da Região de Leiria, “Desafios”, de seu nome. O último número chegou-me muito recentemente e gostei de ler lá algumas coisas que me dizem muito, e, desde logo, um apelo da direcção em funções “à participação efectiva dos associados” no acto eleitoral que designará os novos órgãos sociais da estrutura. Esse gesto é tanto mais significativo quanto, por razões estatutárias, o actual presidente da direcção não se pode candidatar. Para sublinhar a importância do acto, lê-se no dito texto (p.6) “que da sua participação [isto é, do associado] depende a legitimidade de todos os que vierem a ser eleitos. Além disso, numa época de crise como a que as empresas atravessam, a união de esforços e a partilha de experiências faz cada vez mais sentido”. Enquanto alguns ficam confortáveis com o baixo nível de mobilização dos eleitores, muitas vezes expressão final da forma que têm de fazer “política”, há quem veja no seu oposto um elemento central de resposta às dificuldades sentidas. Acrescendo o sentido individualista muito arreigado naquele território (e não só), o apelo à partilha de experiências e à comunhão de esforços entendo-o como sinal de lucidez e, quiçá, de vontade de contribuir para um virar de página.
3. As dificuldades a que se alude no referido texto são enunciadas de forma clara por Pedro Faria, no texto de abertura (editorial); nem mais nem menos que as que imaginamos (melhor seria dizer, que vivemos): “a globalização da economia sem regras definidas”, e o “consumo baseado no crédito”, na relação que esses fenómenos têm com “o aumento do desemprego”, “o empobrecimento geral” e o desrespeito por “regras ambientais, higiene e segurança ou condições de trabalho”. Curiosamente, chegou-se aqui em nome de “el dourados” ainda há pouco cantados por muitos, de empresários e políticos a empresários-políticos e a analistas sociais, passando por uma forte corrente de economistas que agora se vêem muito menos nos ecrãs de televisões e nas capas de revistas (cor-de-rosa ou de outras cores). Andam por aí, no entanto, e, passada a tormenta, hão-de voltar a enunciar as suas certezas sobre a boa-sorte que nos espera ao virar da esquina, se seguirmos pelos caminhos que nos indicam (até à próxima crise).
4. A temática da crise e da mudança necessária atravessa as diversas contribuições disponíveis na revista, a maioria delas originárias de empresários e agentes associativos empresariais de diversos sectores de actividade, entre os quais o da cristalaria, que tantas memórias de infância me traz. Diz a propósito Carlos Martins, presidente da Associação dos Industriais de Cristalaria: “O mundo enfrenta uma mudança radical nos fundamentos básicos da economia – passou-se de uma economia centrada nas pessoas, para outra centrada nos resultados (lucros). O motor do crescimento económico (a classe média), tolhida pela deslocalização dos negócios, passou a ser esmagada, e, naturalmente, ´o motor` emperrou”. “Enfrentar a crise é enfrentar este desafio” (p.25). A diferença que tenho em relação ao que escreve Carlos Martins é que entendo que não foi “ontem”, na véspera da crise declarada nos mercados financeiros internacionais, que a economia deixou de ser centrada nas pessoas, mas muito antes. Quando olhamos para a agitação social dos finais dos anos 60 do século passado não era já contra isso que os jovens daquela altura se revelavam, na Europa, nos Estados Unidos da América? O sistema reformou-se, é certo, mas depois disso a ortodoxia neoclássica, liberal apresentou-se mais triunfante que nunca, e nós, empresários, economistas, agentes culturais, deixámos. Vamos deixar agora novamente, aturdidos que estamos pela crise?
5. Um outro texto disponível (da autoria de João Baptista dos Santos, empresário hoteleiro) versa a temática do turismo (p. 27). A sua leitura oferece-se-me lúcida e o pensamento de estratégia que o informa é também válido para outras parcelas do território nacional, sobretudo para o Minho. Diz o referido autor: “Se Portugal é débil em numerosos campos, outros há em que temos um forte potencial. Refiro-me nomeadamente a sectores onde os valores históricos, naturais e a criatividade são factores diferenciadores […]. Neste contexto, as indústrias do turismo e da cultura no nosso país dispõem de um enorme potencial de crescimento e, por arrastamento, um conjunto de actividades de serviços complementares a estes sectores”. Qual é o problema que subsiste aqui? Pergunto eu. O problema reside na estratégia e respectiva materialização. É que, como diz João Santos, o potencial de oferta turística diversificada territorial e sectorialmente existente nem sempre tem sido “devidamente trabalhado”. Se fosse eu a enunciá-lo diria, antes, que quase nunca tem sido devidamente trabalhado, o que também não é alheio aos protagonistas que temos tido no sector e ao menosprezo que o potencial turístico de alguns territórios tem merecido nos planos de desenvolvimento turístico nacionais.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
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