Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

terça-feira, março 17, 2009

A concepção de sistema económico

Na maioria das ciências, uma descoberta envolve, mesmo que mais tarde, a criação e desenvolvimento de serviços ou de bens decorrentes dessa descoberta. No caso da medicina ou da biologia, um melhor entendimento dos mecanismos de funcionamento do corpo humano levou à invenção de produtos que permitem curá-lo, melhorá-lo e até, a um nível superficial, modificá-lo.
A multidão de inovações provenientes das várias ciências teve e continua a ter incontornável repercussão no nosso dia a dia, sendo peças da compreensão do caminho feito desde o ser Humano que vivia nas cavernas até ao ser Humano de hoje, que habita em apartamentos dotados de aquecimento central e/ou de ar condicionado, de ligação à Internet e de uma cornucópia de sistemas facilitadores das tarefas diárias. Ora, para o cidadão comum, alguém terá inventado o sistema económico contemporâneo. Essa concepção, apesar de lógica, não é correcta. Os economistas não inventaram nem a “troca” nem a “produção”, pelo menos no seu sentido lato. A troca e a produção nasceram da necessidade das pessoas de acederem a certos bens ou serviços e o único trabalho que o economista realmente teve/tem é entender quais os mecanismos que subjazem à sua produção e distribuição e ao progresso que se vai dando na respectiva provisão/oferta.
O entendimento de como as coisas se passam, por si só, não conduz a um novo sistema. Aliás, o sistema económico que temos no presente é o resultado de camadas de conhecimento aplicadas a um modelo que nasceu das necessidades das pessoas. Até o mercado de acções se baseia nele: a empresa, isto é, quem a controla, vende parte de si (entidade empresarial) a investidores, sob a forma de acções ou de quotas de capital, com a promessa de partilha dos lucros que venham a ser gerados, de forma a poder concretizar novos investimentos directa ou indirectamente ligados à produção de bens ou de serviços.
Se pensarmos bem, a história não retrata nenhum Fenício a fazer um empréstimo com vista a comprar acções a algum comerciante que iria levar a sua produção para troca na Península Ibérica. Porém, podemos encontrar testemunhos da decisão do Império Romano de reduzir o tamanho das suas moedas por forma a poupar ouro na sua emissão, algo análogo à desvalorização monetária que ocorre nas nossas economias, bem presente nos mercados cambiais actuais.
Algumas evoluções no pensamento económico é que levaram à expansão do sistema para que hoje se possa produzir quase tudo e trocar qualquer bem. O pensamento que levou ao livre cambismo influenciou o comércio internacional e levou a que, com naturalidade, se dividam produções de mercadorias ou de componentes de certos bens por vários países e até a que se criem novas necessidades.
Camada após camada, foi-se criando de forma quase automática o sistema económico contemporâneo, que sofre mutações mais devido a mudanças de mentalidades e a modas do que a leis ditadas pelos poderes políticos. Muitas vezes, estas apenas conseguem restringir ou condicionar o desenvolvimento de certas actividades, emergindo como anomalias no processo de sobreposição das camadas que vão conformando o(s) sistema(s) económico(s).
De momento, dos acontecimentos subjacentes às crises financeira e económica que se vivem, a ideia que emerge é a de estarmos perante um sistema ineficiente, manipulado por uma elite corrupta. E, no entanto, essas são as anomalias do sistema e não o próprio sistema. Porque o sistema é como o de um Fenício ou um Romano que vê a sua moeda valorizar e desvalorizar, ou de um Veneziano que faz um empréstimo para suportar uma decisão de produção ou a compra de um bem e vê o seu barco afundar-se, tal como vem acontecendo com muitas empresas nas bolsas financeiras.
Uma possível pergunta sobre o sistema de hoje é: qual foi a nova camada que não devíamos ter colocado sobre este velho e instintivo sistema?
José Pedro Cadima

(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho)

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