1. O Departamento onde trabalho (Depto. de Economia da Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho) organizou há dias uma conferência de que fui moderador, que teve como convidado principal Vítor Bento, economista e presidente da SIBS (Multibanco), e como comentador da intervenção do conferencista em causa Pedro Lains, historiador e investigador do Instituto de Ciências Sociais, Lisboa. O pretexto para o convite a Vítor Bento foi a apresentação do seu mais recente livro, intitulado “Perceber a crise para encontrar o caminho”.
2. A apresentação foi muito rigorosa e didáctica e terá deixado bastante impressionada a plateia. Do que disse o comentador, reagindo à intervenção oral inicial mas, bem assim, ao que lera no livro, retenho a indicação que gostara de ler a primeira parte (analítica) mas que se reconhecia muito menos na segunda parte, que o autor da obra dedica a um conjunto de “Considerações sobre a envolvente político-social”, desembocando nas propostas de estratégia para a superação das graves dificuldades estruturais porque passa a economia portuguesa. Devo dizer que, nesta dimensão, me identifiquei algo com o que disse Pedro Laíns, isto é, a meu ver, o rigor técnico e a lucidez que informa a primeira parte do livro não tem contrapartida à medida na leitura feita dos enquadramentos político-sociais que ditaram o percurso desastroso da economia portuguesa nos últimos 10 anos e, sobretudo, dos derradeiros 7, e ainda menos em matéria de estratégia de política para resolver as múltiplas crises (desequilíbrios) que o país enfrenta. Os mais importantes desses desequilíbrios são, do meu ponto de vista; o desequilíbrio das contas externas e a dívida externa em crescimento acelerado; o desequilíbrio das contas públicas; a crise estrutural da economia nacional; a crise financeira (e económica) internacional; a crise de credibilidade do sistema político; e a crise de liderança da economia e da sociedade portuguesa.
3. Sobre a matéria antes referida, diz a dado o passo Vítor Bento (p.19): “[…] o deslumbramento da afluência adquirida levou-nos a descurar as virtudes da boa ´gestão caseira`, deixando acumular preocupantes desequilíbrios e criado vícios comportamentais que nos enfraqueceram. Ao nível estrutural, somos confrontados com o que impropriamente se tem designado por ´esgotamento do modelo` […]”. Não é igual a leitura que eu faço dos fundamentos e materialidade da “crise” mas não me custa subscrever a análise nesta passagem. Também não me custa subscrever a afirmação que produziu de que “O primeiro choque [reportava-se à adesão de país ao Euro (€)] que poderia ter sido minimizado, se houvesse gestão macroeconómica, foi o que andou associado ao equilíbrio orçamental”. O que me custa verdadeiramente aceitar é que Vítor Bento veja a saída para a superação deste beco a que chegámos: i) na redução dos salários; ii) na redução do preço dos bens e serviços não-transaccionáveis (um conceito que acaba por não se saber muito bem o que é); iii) na redução dos custos parafiscais; iv) em medidas fiscais e sociais complementares; e v) na criação de um “alargado consenso político-social” (p. 21), que alguns interpretarão, porventura com razão, como reclamação da formação de um governo de “bloco central”, como se não fosse já suficientemente mau a alternância que temos tido entre dois desertos de ideias para o país.
4. Tem que se fazer entretanto justiça a Vítor Bento por pôr preto no branco “Que houve má gestão política das variáveis económicas manipuláveis pelo Estado” (p.29). Note-se que se está a referir ao conjunto dos dez anos que constituem o centro de análise do seu livro, juntando no mesmo saco Pina Moura, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix e Teixeira dos Santos e, com eles, os governos de António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, no seu todo. O que eu duvido seriamente é que nos seus escritos de há um par de anos mantivesse já essa leitura, que a mim me pareceu óbvia ao longo de todo esse tempo.
5. A expressão máxima da nossa diferença de leitura poderá talvez ser sintetizada nas duas questões/observações que fiz no contexto do debate que se sucedeu à intervenção inicial de Vítor Bento. Foram elas as seguintes:
i) Conforme dito, Vítor Bento aposta na redução de salários para a saída da crise, assumindo e aceitando que isso conduza ao crescimento das desigualdades sociais. Pareceu-me entretanto surpreendido ou incomodado quando lhe fiz presente que Portugal apresenta o maior fosso em matéria de rendimentos no seio dos 27 países da União Europeia. A situação é tão chocante que, confrontado com o gráfico respectivo, alguém classificou de “pornográfica” a situação. Se ligarmos desenvolvimento e desigualdade social, não teremos aqui parte da explicação do nosso atraso e das nossas crises?
ii) É muito comum no Portugal dos últimos anos olhar-se para os ministros das finanças e classificar o seu desempenho de bom ou mau consoante estes se revelaram melhores “contabilistas”. Isso foi ainda assim até há poucos meses com Teixeira dos Santos. Mas pergunto: será que o ministro das finanças não precisa ser também “ministro” da economia, isto é, podem-se equacionar separadamente o equilíbrio do orçamento de Estado e o equilíbrio estrutural da economia (leia-se, o crescimento do país)?
O livro de Vítor Bento é uma leitura que recomendo, não pelo que ele sugere como saída(s) para a crise(s) mas pela oportunidade de levar cada um dos leitores a fazerem a sua própria reflexão do que andou mal na economia e na política do país e dos caminhos que importa trilhar para que deixemos este beco de desgraça para onde nos deixámos conduzir.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")