Desde há uma série de anos discute-se quase permanente sobre a necessidade de mudar o modelo económico-social em Portugal. As razões invocadas para justificar tal necessidade advêm da escassa capacidade do actual modelo para garantir níveis sustentáveis de crescimento económico, com capacidade para gerar riqueza e emprego, e para acomodar as variações cíclicas da actividade económica. O debate sobre o assunto tem sido amplo e diversificado, mas também disperso e pouco qualificado. A falta de concretização tem conduzido a resultados magros em termos teóricos e a inação em termos práticos.
Um modelo económico é uma síntese da realidade, que tenciona reflectir de forma simplificada os comportamentos e as inter-relações entre os diferentes agentes económicos, no âmbito da produção, do investimento e do consumo. Um modelo económico-social amplia o espectro do modelo económico, ao incorporar não só as transacções de carácter económico, mas também as de carácter social, incluindo, inclusivamente, aquelas sem qualquer tipo de contraprestação económica. Em economia política estudam-se habitualmente três tipos de modelos económicos: a economia de mercado, a economia dirigida e a economia mista.
A economia portuguesa é, como a maioria das economias industrializadas, uma economia mista, onde o sector privado e o público convivem com a finalidade de gerar e distribuir riqueza, respectivamente. Em termos latos, o debate sobre a alteração do modelo económico deveria apenas concentrar-se sobre o papel atribuído às esferas privada e pública da economia e, portanto, sobre o seu protagonismo no sistema económico. Em termos mais específicos, a reflexão deveria centrar-se na potencial mudança do modelo produtivo e na alteração do papel do Estado na economia. Obviamente ambos os níveis de discussão afectam lógicas sobrepostas, razão pela qual, tratar de isolar os debates não parece a estratégia mais razoável para melhorar a eficácia do sistema.
A primeira questão a resolver é determinar quais as funções a desempenhar pelo Estado na economia, definindo-se por exclusão as que devem ser executadas por privados. Neste sentido convém pôr de lado os preconceitos sobre este assunto, dado que economias nas que o Estado tem um peso muito significativo (nomeadamente pela grande generosidade das políticas redistributivas) conseguem apresentar níveis de competitividade significativamente altos nos rankings internacionais. Contrariamente, algumas das mais liberais enfrentam graves problemas em momentos de crise, como o actual, pela inexistência de políticas públicas que permitam amortecer os efeitos da quebra de actividade económica e travar o drama social do desemprego.
Dentro das temáticas específicas para o debate, a alteração do sistema produtivo é prioritária. No caso português este apoiou-se, durante décadas, em sectores de reduzido valor acrescentado, que baseavam a sua competitividade em custos de produção (nomeadamente salariais) relativamente baixos. A crescente exposição à concorrência de países com custos de produção extremamente reduzidos levou ao desaparecimento ou reconversão, desde início desta década, de sectores de grande importância em termos de produção e exportação. O rol do governo português, na óptica sectorial, tem sido tradicionalmente muito interventivo, potenciando sectores, através da subsidiação directa ou indirecta, e prejudicando outros, muitas vezes de forma inconsciente, por via das distorções competitivas, activas ou passivas. No contexto dos sistemas produtivos, os governos não podem promover directamente sectores atendendo a interesses particulares, sejam eles legítimos ou não. Compete às empresas tomar decisões de investimento e pôr em marcha actividades produtivas. Os governos devem limitar-se a melhorar as suas condições de desempenho, apoiando o sistema educativo e de inovação, fornecendo informação para os negócios, reforçando os vínculos universidade-empresa, fortalecendo as diferentes modalidades de formação profissional, reduzindo os custos de transacção e a burocracia e promovendo a estabilidade macroeconómica e a segurança jurídica, entre outras.
Para além das mudanças do sistema produtivo, é imprescindível proceder a uma reformulação das formas de intervenção do Estado. O seu papel como produtor deveria focar-se maioritariamente nas funções de distribuição, potenciando, simultaneamente, o seu papel como regulador, com a finalidade de assegurar o bom funcionamento tanto dos mercados de bens e serviços, como do mercado de trabalho. Um outro aspecto importante consiste em diferenciar os conceitos de provisão e produção. Para garantir a provisão dum determinado bem ou serviço, o Estado não precisa de o produzir directamente. Na tomada de decisões operativas a este respeito, as considerações de eficiência e de capacidade de regulação são aspectos que exigem uma cuidada ponderação por parte dos decisores públicos.
Todas as recomendações recorrentemente efectuadas pelos organismos internacionais, durante os últimos vinte anos, são, sem dúvida, um bom ponto de partida para implementar um programa de reformas estruturais que permita alterar o modelo económico-social, tornando-o economicamente mais eficiente e socialmente mais justo. A alteração do modelo exige uma liderança política forte e uma conjuntura económica favorável. Sem elas o debate estéril prolongar-se-á durante anos e a sua implementação ficará eternamente adiada.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")