Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

segunda-feira, novembro 02, 2009

Conjuntura do mercado de trabalho espanhol: é necessário introduzir reformas?

Sendo certo que os governos Europeus estão extremamente preocupados com os indicadores económicos de conjuntura que os serviços estatísticos produzem periodicamente, neste momento as inquietações mais profundas estão associadas ao crescimento do desemprego. Ademais, na maioria das economias Europeias a tradicional sazonalidade do mercado de trabalho aponta para um agravamento dos níveis de desemprego nos próximos meses e as previsões macroeconómicas para um estancamento da actividade mais prolongado do que inicialmente esperado, que vai atrasar a criação líquida de emprego na maioria dos sectores.
A situação a este nível em Espanha é dramática. A taxa de desemprego aproxima-se dos 18% e o número de desempregados dos 4.125.000. Os dados do último trimestre foram relativamente favoráveis, dado que o desemprego caiu aproximadamente em 14.000 pessoas, ainda que esta descida apenas teve impacto sobre a taxa de desemprego, devido a uma redução da população activa de perto de 90.000 pessoas (por segundo trimestre consecutivo). Esta diminuição explica-se em grande medida pela redução das entradas de jovens no mercado de trabalho e pela contracção da população imigrante.
O dado mais preocupante do último trimestre foi, como já tinha sido nos trimestres anteriores, a intensa destruição de emprego verificada em quase todos os sectores de actividade. Apesar de se ter verificado uma certa moderação, pelo incremento de actividade no período estival e pelos efeitos do Plano E (de promoção de obras públicas locais), no último trimestre a economia espanhola destruiu perto de 75.000 postos de trabalho. Os dados são mais preocupantes se o horizonte temporal for alargado retrospectivamente. No último ano destruíram-se em Espanha mais de um milhão e seiscentos mil postos de trabalho, quase um milhão na construção e perto de setecentos mil na indústria. O emprego no sector serviços tem permanecido praticamente invariável, tendo inclusivamente criado algum emprego nos períodos de maior actividade.
Existem outros aspectos, que sendo de distinta natureza, dão origem a uma preocupação acrescida. Em primeiro lugar, o crescimento do número de lares com todos os seus membros em situação de desemprego, que neste momento se aproxima rapidamente de 1.150.000. Em segundo lugar, a destruição de emprego começa a afectar os trabalhadores com contratos sem termo (indefinidos), dado que no último trimestre o número de trabalhadores com este tipo de contratos caiu em mais de 160.000.
A experiência passada demonstra que a economia espanhola apenas cria emprego quando cresce por cima de 2,5%. Segundo as previsões macroeconómicas internacionais, não voltará a crescer com esse vigor até 2012 ou 2013. Para além das medidas paliativas adoptadas pelo governo nos últimos meses (como por exemplo a concessão de subsídios adicionais para grupos de desempregados sem subsídio), este tem que pôr em prática medidas activas que alterem os pressupostos que regem o mercado de trabalho. Existem evidências objectivas que provam que o mercado de trabalho está desajustado. Por um lado, em situações de crise, a taxa de desemprego praticamente duplica a da média comunitária e, por outro, a aproximação a essa média apenas tem sido possível crescendo desequilibradamente por cima do seu potencial.
A persistência de taxas de desemprego relativamente altas é explicada por várias razões. Primeiro, nos contratos colectivos de trabalho os salários não têm em consideração certos aspectos de extrema importância, como a situação particular de cada empresa, as variações de actividade económica ou o nível de desemprego em cada momento; isto é, a impossibilidade de ajustamento via preços conduz para um ajustamento via quantidades. Segundo, a grande diferença entre o custo de despedimento (e outros direitos) dos contratos a termo e dos contratos sem termo (indefinidos), aliado à facilidade para manter trabalhadores no primeiro regime durante longos períodos de tempo. Terceiro, o escasso recurso à contratação a tempo parcial, dado que a flexibilidade no mercado é introduzida maioritariamente através dos contratos temporais. Quarto, o domínio das políticas passivas de emprego face às políticas de formação e reciclagem profissional no conjunto das políticas de emprego. E por último, ainda que noutro nível, a grande ineficiência dos serviços públicos de emprego que apenas intermedeiam uma em cada dez colocações.
Na primeira fase da recessão a utilização de políticas macroeconómicas de procura permitiu amortecer os seus efeitos mais negativos ao manter os níveis de actividade económica. Uma vez ultrapassado o momento mais crítico, a saída da situação recessiva obriga à utilização de medidas de cariz microeconómico que melhorem o funcionamento dos mercados que se têm revelado menos eficientes. O crescimento do desemprego e os custos económicos e sociais associados obrigam a que o governo tome medidas que contribuam para promover a criação de emprego e, sobretudo, para resolver os problemas que afectam o mercado de trabalho. A crise voltou a evidenciar, com toda a sua crueza, que o mercado de trabalho espanhol apresenta graves problemas institucionais, de carácter estrutural, que têm a sua manifestação mais clara na rigidez salarial e na natureza dicotómica da contratação, que dá origem a um mercado de trabalho dual. Uma reforma do mercado do trabalho que resolva os problemas anteriores é, sem dúvida, necessária, para evitar que continue a ser, durante as fases recessivas, um lastre para o crescimento económico e, durante as expansivas, uma fonte de desequilíbrios macroeconómicos.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
(artigo de opinião publicado na edição de 2009/10/27 do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

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