Nos últimos 5 anos (2004-2008) a taxa média do crescimento do PIB de Cabo Verde foi de 6,44%, valor superior a média dos países da África Subsariana de rendimento médio, que foi de 4,66%. Contudo, sabemos que o nosso país apresenta escassos recursos naturais e nível de poupança interna muito baixa (média de 5% do PIB), pelo que, para sustentar parte deste crescimento, Cabo Verde teve que enveredar pelo caminho do crédito externo.
De forma a apreciar a delicadeza da situação, para avaliar o endividamento externo da economia Cabo-verdiana usámos a Posição de Investimento Internacional (PII), indicador que ocupa uma importância relevante nas tomadas de decisões económicas de qualquer país. A PII é uma medida estatística que apresenta o valor das disponibilidades (activos) e responsabilidades (passivos) financeiras externas de uma economia no final de um determinado período de tempo. A PII líquida representa a diferença entre o que uma economia possui e o que deve.
No nosso período em análise (2004-2008), a média da PII, negativa, em Cabo Verde, foi de 68,56% do PIB [correspondendo a uma média 72.383 milhões de Escudos de Cabo Verde (ECV)], tendo atingido 76,35% do PIB (equivalente a 99.522,8 milhões de ECV), em 2008. Este valor equivale a uma dívida de 200.000$00 (ECV) por cada cidadão. Porém, o recurso ao endividamento externo é perfeitamente explicado no caso de uma economia como a nossa, que apresenta parcos recursos naturais e financeiros, precisando, assim, de recorrer ao capital externo para financiar o investimento interno.
A média do saldo devedor do PII, durante o período em análise é explicada em grande parte pelo sector das sociedades não bancárias e particulares (onde adquire particular relevância o Investimento Directo Estrangeiro) e pelo sector público.
O Investimento Directo Estrangeiro, além de ter facultado avanços consideráveis a nível microeconómico, em sectores chaves, como tecnologia e capacidade produtiva, tem sido direccionado, em grande parte, para o sector imobiliário turístico, impulsionando assim o crescimento económico de Cabo Verde. As receitas do turismo apresentaram no período em análise uma taxa média de crescimento de 27 %, correspondendo a um peso médio no PIB de 17%.
O sector público, por sua vez, considerando o período 2004-2008, representou aproximadamente, em média, 73% da dívida acumulada, expressa em termos de percentagem do PIB. Esta dívida tem tido uma evolução decrescente, situando-se em 2008 em cerca de 60% do PIB. Sendo, a dívida pública interna, excluindo Títulos Consolidados de Mobilização Financeira, correspondeu, uma média de 26,6% do PIB, numa tendência decrescente, atingindo 19,3% do PIB, em 2008. E a dívida externa acumulada foi de aproximadamente 47% do PIB.
Os recursos externos têm financiado cerca de 90 % do investimento público, contribuindo assim para que este crescesse a uma média anual de 17%. Este investimento tem sido direccionado em grande parte para as funções económicas e sociais, como projectos de infra-estruturação no domínio dos transportes, modernização do sistema educativo, boa governação/reforma do Estado, saúde, redução da pobreza e conservação do ambiente.
Estes valores, apesar de aparentarem ser elevados, estão conformes com o acordo assinado com o FMI, no âmbito dos objectivos do Policy Support Instruments – PSI, que estabelecia como o limites de dívida pública externa a observar em Junho do 2009 cerca de 70% do PIB e da dívida pública interna valores próximos de 20% do PIB.
A dívida externa tem sido contratada, na sua maioria, por credores multilaterais, em condições muito vantajosas (taxas de juros médias de 1%, com períodos de carência entre 5 a 10 anos e prazo de maturidade de 20 anos).
Numa perspectiva económica, o Estado pode recorrer ao endividamento aumentado o consumo presente por contrapartida da redução do consumo futuro. E, se esperar um aumento considerável do rendimento futuro, a opção pelo endividamento é boa, uma vez que esses rendimentos gerados vão permitir fazer face aos encargos com as dívidas assumidas. Porém, o Estado deve aplicar estes recursos em projectos que permitam assegurar o seu reembolso, como, por exemplo, no aumento da capacidade produtiva, ou seja, em investimentos produtivos com taxas de rendibilidade superiores às exigidas pelos credores externos.
Em suma, e atendendo aos últimos relatórios do FMI produzidos no âmbito do PSI, datados de Junho e de Outubro de 2009, constatamos o seguinte: (i) o montante da dívida cabo-verdiana está dentro dos limites estabelecido pelo FMI, e apresenta uma tendência decrescente; (ii) o programa de investimento público do Governo foi avaliado como apropriado para eliminar os constrangimentos da infra-estruturação e assim aumentar o potencial de crescimento económico de longo prazo; (iii) apesar do decréscimo na taxa de crescimento do PIB devido à evolução negativa daqueles que têm sido os principais fundamentos do crescimento económico de Cabo Verde (Investimento Directo Estrangeiro; Turismo; e Remessas), motivada pela crise internacional, as autoridades nacionais continuam a demonstrar compromisso firme em matéria de adopção de políticas prudentes, o que se vem traduzindo na redução da dívida pública interna, na acumulação de reservas externas (4 meses de importação) e estabilização da dívida externa; (iv) Cabo Verde cumpriu os principais objectivos estabelecidos no âmbito do PSI, assinado em 2006.
(Coimbra, 01 de Dezembro de 2009)
João António F. Brito – Mestre em Economia.
Fontes dos dados: Relatórios anuais do Banco de Cabo Verde; FMI - Sexta revisão dos termos do PSI; e Regional Economic Outlook – Sub-Saharan Africa, Abril de 2008
[Publicado no Jornal ASEMANA, nº 910, de 04 de Dezembro de 2009]