1. Não sei a data certa em que trocámos as primeiras mensagens postais; não tenho rigorosamente presente em que anos esteve em Braga em fugazes visitas de trabalho, no quadro de um projecto de pós-doutoramento; sei que morreu em Junho de 2003, aos 56 anos de idade, “na plenitude da sua maturidade intelectual”, como escreveram os amigos que lhe organizaram um livro de homenagem póstuma, reunindo o essencial da sua obra escrita, “acabado” de vir a público, e que um amigo comum teve a gentileza de me fazer chegar há poucos dias. Falo de Dinizar Becker, um homem “de tantas faces, polemista por natureza e ofício, indignado, produtivo e combativo … neste momento de agudização de uma crise mundial, que provoca perplexidades sem respostas, sobre a qual Dinizar teria muito a dizer” [Desenvolvimento Contemporâneo e seus (Des)caminhos: a contribuição da obra de Dinizar Becker, Agostini, Bandeira e Dallabrida (Org.), UNIVATES, 2009, Lajeado, Brasil, p.25]. Em boa hora o fizeram. Estou-lhes grato pela homenagem que por essa via lhe prestaram em nome dos muitos amigos que teve em vida, entre os quais julgo poder incluir-me.
2. Aparte a vivência universitária e a ideia de uma pesquisa orientada para temáticas técnico-científicas socialmente pertinentes que nos ligava, encontrei em Dinizar Becker uma grande comunhão de paradigma de pensamento teórico-conceptual. O título escolhido para o livro que o homenageia dá disso indício mas tal aparece substanciado em muitas peças que integram a obra. Disso são exemplo algumas passagens do capítulo 4, que aparece sob o título “A insustentabilidade do discurso do desenvolvimento sustentável”, a começar por aquela em que reafirma que o “desenvolvimento humano” tem sede natural de manifestação “lá onde vivem as pessoas, isto é, localmente” (p. 326) ou quando diz que “O desenvolvimento sustentável deve ser compreendido como as múltiplas alternativas que cada localidade, região ou nação têm, pelas suas diferenças culturais, ambientais e valores (éticos e morais), de construir sua inserção no processo geral de desenvolvimento” (p.326). Mesmo se, desencantadamente, conclua que essa seja, “para o momento, a utopia possível”.
3. Esses fragmentos de pensamento conduzem-me à génese da minha própria reflexão sobre a matéria, quer dizer, aos momentos da minha passagem enquanto estudante de licenciatura pela universidade e, daí, aos ensinamentos que me foram transmitidos por um outro académico que retive como referência de postura académica e de pensamento científico, a saber, António Simões Lopes. A Simões Lopes ouvi enunciar de variadas formas e multiplicadas vezes que “o desenvolvimento se traduz em última análise em quadros de vida” (Desenvolvimento Regional: problemática, teoria, modelos, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, Lisboa, p.18), “que o desenvolvimento tem que ver com pessoas e estas localizam-se”, que, pensando em disponibilidade de bens e serviços básicos e de acesso (não apenas físico) das pessoas a esses bens e serviços, “as questões da localização são verdadeiramente importantes”. À distância de 30 anos e dos milhares de Quilómetros que separam os Continentes Europeu e Sul-Americano, as problemáticas e os desafios do desenvolvimento constatados por um e por outro acabaram por revelar-se insuspeitamente próximos.
4. Irónico mesmo é o sublinhado que Dinizar Becker faz do desencanto social que se havia instalado em certos sectores sociais e certos agentes. Diz: “essa intensificação do processo de modernização instalou pessimismo e um sentimento de passividade e desesperança em muitos de nós nos anos recentes como se fosse um desencantamento radical com a modernidade” (p. 314). Citando B. S. Santos, vai mesmo mais longe, proclamando que “Perdemos a fé na eternidade, no determinismo, no mecanicismo, na reversibilidade na ordem […] Perdemos, inclusive, a crença no rigor científico” (p. 315). Hoje, mais do que nunca, “tudo que é sólido se desmancha no ar”, conclui, seguindo M. Berman. O irónico de tudo isto é que estas palavras, este pensamento são enunciados quando nem se sonhava com a derrocada do sistema financeiro e a crise económica que os últimos anos da década que agora se conclui viriam trazer e, com ela, a derrocada de uma certa ciência económica “cuja matematização e formalização são cada vez mais rigorosas e sofisticadas” (p.315), no mesmo passo em que vão ganhando distância em relação à complexidade do real e abstracção face ao contexto (social, cultural, político) que é suposto interpretarem.
5. Da comunhão de pensamento que antes invoco me vem, por exemplo, uma das ideias-chave de um recente artigo de opinião que produzi, a pretexto do PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) nacional, onde deixava dito que “projectos mobilizadores se suportam em ideias e agentes mobilizadores”, e que “contractos sociais (de desenvolvimento) se celebram com os actores sociais e não com membros de outras confrarias”. Obviamente, aceitando com essa afirmação permanecer fora do circulo de economistas que entendem que os desequilíbrios estruturais do país se resolvem com manipulações de impostos, congelamento de salários e cortes nos apoios sociais.
6. Não há ninguém insubstituível neste mundo. Dinizar Becker também não o era. Que deixou muita saudade entre muitos seus colegas, alunos e amigos, isso é uma incontornável certeza.
2. Aparte a vivência universitária e a ideia de uma pesquisa orientada para temáticas técnico-científicas socialmente pertinentes que nos ligava, encontrei em Dinizar Becker uma grande comunhão de paradigma de pensamento teórico-conceptual. O título escolhido para o livro que o homenageia dá disso indício mas tal aparece substanciado em muitas peças que integram a obra. Disso são exemplo algumas passagens do capítulo 4, que aparece sob o título “A insustentabilidade do discurso do desenvolvimento sustentável”, a começar por aquela em que reafirma que o “desenvolvimento humano” tem sede natural de manifestação “lá onde vivem as pessoas, isto é, localmente” (p. 326) ou quando diz que “O desenvolvimento sustentável deve ser compreendido como as múltiplas alternativas que cada localidade, região ou nação têm, pelas suas diferenças culturais, ambientais e valores (éticos e morais), de construir sua inserção no processo geral de desenvolvimento” (p.326). Mesmo se, desencantadamente, conclua que essa seja, “para o momento, a utopia possível”.
3. Esses fragmentos de pensamento conduzem-me à génese da minha própria reflexão sobre a matéria, quer dizer, aos momentos da minha passagem enquanto estudante de licenciatura pela universidade e, daí, aos ensinamentos que me foram transmitidos por um outro académico que retive como referência de postura académica e de pensamento científico, a saber, António Simões Lopes. A Simões Lopes ouvi enunciar de variadas formas e multiplicadas vezes que “o desenvolvimento se traduz em última análise em quadros de vida” (Desenvolvimento Regional: problemática, teoria, modelos, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, Lisboa, p.18), “que o desenvolvimento tem que ver com pessoas e estas localizam-se”, que, pensando em disponibilidade de bens e serviços básicos e de acesso (não apenas físico) das pessoas a esses bens e serviços, “as questões da localização são verdadeiramente importantes”. À distância de 30 anos e dos milhares de Quilómetros que separam os Continentes Europeu e Sul-Americano, as problemáticas e os desafios do desenvolvimento constatados por um e por outro acabaram por revelar-se insuspeitamente próximos.
4. Irónico mesmo é o sublinhado que Dinizar Becker faz do desencanto social que se havia instalado em certos sectores sociais e certos agentes. Diz: “essa intensificação do processo de modernização instalou pessimismo e um sentimento de passividade e desesperança em muitos de nós nos anos recentes como se fosse um desencantamento radical com a modernidade” (p. 314). Citando B. S. Santos, vai mesmo mais longe, proclamando que “Perdemos a fé na eternidade, no determinismo, no mecanicismo, na reversibilidade na ordem […] Perdemos, inclusive, a crença no rigor científico” (p. 315). Hoje, mais do que nunca, “tudo que é sólido se desmancha no ar”, conclui, seguindo M. Berman. O irónico de tudo isto é que estas palavras, este pensamento são enunciados quando nem se sonhava com a derrocada do sistema financeiro e a crise económica que os últimos anos da década que agora se conclui viriam trazer e, com ela, a derrocada de uma certa ciência económica “cuja matematização e formalização são cada vez mais rigorosas e sofisticadas” (p.315), no mesmo passo em que vão ganhando distância em relação à complexidade do real e abstracção face ao contexto (social, cultural, político) que é suposto interpretarem.
5. Da comunhão de pensamento que antes invoco me vem, por exemplo, uma das ideias-chave de um recente artigo de opinião que produzi, a pretexto do PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) nacional, onde deixava dito que “projectos mobilizadores se suportam em ideias e agentes mobilizadores”, e que “contractos sociais (de desenvolvimento) se celebram com os actores sociais e não com membros de outras confrarias”. Obviamente, aceitando com essa afirmação permanecer fora do circulo de economistas que entendem que os desequilíbrios estruturais do país se resolvem com manipulações de impostos, congelamento de salários e cortes nos apoios sociais.
6. Não há ninguém insubstituível neste mundo. Dinizar Becker também não o era. Que deixou muita saudade entre muitos seus colegas, alunos e amigos, isso é uma incontornável certeza.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
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