Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

quarta-feira, julho 21, 2010

Contracção orçamental e políticas alternativas

Apesar da gravidade da crise económica e financeira iniciada em 2007 e das dificuldades para encontrar uma resposta que mitigasse os seus efeitos, durante os anos de 2008 e 2009 foram implementadas uma série de políticas económicas que podem ser consideradas genericamente correctas. Para combater a crise financeira, os bancos centrais reduziram drasticamente as taxas de juro e apoiaram os mercados de crédito com intervenções em grande escala. Para apoiar a economia real, os governos incrementaram rapidamente a despesa pública para manter os níveis de procura, à custa de gerar grandes défices orçamentais e elevar consideravelmente os níveis de dívida pública. As políticas seguidas impediram que as economias se afundassem e evitaram que permanecessem numa situação recessiva durante longos anos.

A recuperação de algumas economias, iniciada no final do verão do ano passado, fez com que muitos governos se apressassem a retirar os estímulos fiscais que tinham permitido sustentar os níveis de procura e moderar o crescimento do desemprego, colocando em sérios riscos a recuperação no médio prazo. A crise da dívida, iniciada no primeiro trimestre deste ano e aprofundada no segundo, colocou um ponto final na heterodoxia em matéria de política fiscal. Os países mais desequilibrados foram obrigados pelos mercados e pelo Ecofin a adoptar planos de austeridade, destinados a reduzir o défice orçamental, num horizonte temporal reduzido, através do corte de diversas componentes da despesa e do aumento de impostos.

O objectivo último destas políticas fiscais restritivas e das reformas dos mercados que as acompanharam foi, aparentemente, restabelecer a confiança nos mercados de dívida e garantir o financiamento das economias com problemas. Ou seja, o pressuposto fundamental que justificou a imposição destes planos é que as contracções fiscais podem expandir a economia, sempre e quando permitam recuperar a confiança. Como quase tudo em economia, este pressuposto pode ser válido em determinadas conjunturas mas não pode ser considerado universalmente correcto. Na história económica recente, as contracções fiscais tiveram efeitos expansivos quando combinadas com políticas monetárias expansivas e quando a actividade do sector privado (financiada por níveis positivos de poupança) foi suficiente para substituir o sector público na dinamização da procura interna. Adicionalmente, evidencia-se que o sucesso destas contracções para expandir o produto obriga a que a sua implementação não seja anterior à recuperação do crescimento.

A contracção fiscal imposta pelos planos de austeridade é, na minha opinião, excessiva e terá consequências negativas em termos de crescimento, nomeadamente nos países periféricos. Por um lado, porque a política monetária do BCE, apesar da sua expansividade, não está a conseguir dinamizar os mercados de crédito e porque o sector privado, destes países, está extremamente endividado. Por outro, porque o timing para a sua implementação é incorrecto, dado que a recuperação do crescimento ainda está longe de ser conseguida na maior parte destas economias. Convém também ter presente que a generalização dos ajustamentos fiscais à totalidade dos países da zona euro, mesmo nos casos em que não são necessários (p.e. na Alemanha), minará o crescimento do conjunto, atrasando a recuperação das economias periféricas mais desequilibradas.

Para além de uma moderada contracção orçamental em algumas economias europeias, existem certos aspectos, alguns conjunturais e outros estruturais, que deveriam fazer parte, em diferentes horizontes temporais, da solução para a actual situação de estagnação da economia. Por um lado, alguns países, nomeadamente a Alemanha, deveriam mudar a sua atitude e assumir a liderança na saída da crise, para a qual precisam de grandes doses de determinação e de solidariedade bem entendida. Nos últimos meses o governo alemão tem sido excessivamente cauteloso, tem-se pautado por critérios de austeridade e ainda não compreendeu que o papel do seu país é fundamental para que a economia europeia inicie uma recuperação sólida num prazo razoável. Os políticos alemães continuam a insistir no reforço da disciplina fiscal e a adiar as reformas estruturais que permitiriam incrementar a sua procura interna e impulsionar o crescimento económico. Esta forma de governar está justificada pela grande obsessão pelas questões de política interna da chanceler Ângela Merkel, que este ano tem governado, em grande medida, em função das sondagens. O governo alemão tem que interiorizar que a disciplina fiscal não é a única receita possível e que a culpabilização velada dos países periféricos não contribui para gerar confiança nos mercados e consolidar soluções sistémicas que acelerarem a saída da crise. No curto prazo, a mudança de atitude do governo alemão (e doutros, como o francês) é a única forma de acalmar os mercados e diminuir os prémios de risco da dívida dos países com desequilíbrios.

Por outro lado, no médio prazo, o modelo europeu de política económica deveria ser complementado com um mecanismo comum de gestão da dívida. A proposta que está a ser analisada neste momento preconiza que os países da zona euro emitam dívida, até um máximo de 60% do seu PIB, de maneira conjunta, e quantidades superiores a esse montante de forma individual. Este modelo introduziria fortes incentivos para que os países mantenham níveis de dívida inferiores a 60% do seu PIB (a dívida nacional seria mais cara), evitaria a discriminação dos pequenos países, que têm mercados de dívida muito pouco líquidos, e reforçaria o papel do euro como moeda de reserva. A emissão de dívida conjunta reduziria o prémio de liquidez e o custo da dívida para a totalidade dos países.

Por último, num horizonte temporal de médio prazo, seria também recomendável estabelecer compromissos em matéria de equilíbrio fiscal. Os acontecimentos dos últimos meses demonstraram que um modelo baseado na coordenação fiscal é pouco efectivo, dado que perante um shock assimétrico os países com défices reduzidos não mostram interesse em colaborar, expandindo a sua procura interna. As propostas sobre a introdução de limites no défice nas constituições dos estados parecem excessivas. Contudo, seria desejável encontrar um mecanismo alternativo que obrigue os governos a manter o equilíbrio fiscal ao longo do ciclo. Dessa forma, o quadro de política fiscal da zona euro ganharia credibilidade.

Os planos de ajustamento fiscal irão atrasar a recuperação do crescimento económico em muitos países europeus e no conjunto da zona euro. O restabelecimento do crescimento nos países periféricos depende do crescimento da procura (interna e externa) nos países centrais, nomeadamente na Alemanha. A recuperação da confiança advirá principalmente da capacidade de liderança na implementação de reformas estruturais e da aptidão para alcançar acordos e consensos em matéria de política económica, no seio da UE. Dessa forma, as políticas nacionais ganhariam efectividade, limitando o consumo inútil de recursos, o desgaste dos governos e os sacrifícios dos trabalhadores.

Francisco Carballo-Cruz

(artigo de opinião publicado na edição de ontem do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

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