Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

terça-feira, novembro 12, 2013

"Boa gestão e gestão esclarecida não são austeridade, pelo menos tal qual ela tem sido interpretada pelo governo em funções"

«1. Quais os factores que considera serem os principais responsáveis pela actual crise?
A crise atual é o resultado conjugado de: i) causas externas (a crise financeira e económica internacional); causas internas de natureza económica (o esgotamento do modelo de acumulação que vigorou até final dos anos 90 do séc. XX e da ausência de uma política industrial ativa); e iii) causas internas de natureza político-institucional, decorrentes da fraca qualidade das lideranças políticas e da ausência de um projeto coletivo para o país.

2. O que foi feito para a evitar?
Não foi feito nada. Pelo contrário, políticas seguidistas de orientações externas (da UE) e uma lógica político-partidária estreita, ajudaram a aprofundar o vazio de respostas e de soluções.

3. Na sua opinião, que medidas deveriam ter sido adoptadas?
Portugal nunca devia ter deixado de ter uma política industrial (e agrícola) e ter reorientado cedo o seu posicionamento na divisão internacional de trabalho, não ficando à espera de evoluções no âmbito da OMC e da integração de novos países na UE. A aposta em novos e produtos e serviços e reposicionamentos na cadeia de valor deveriam ter acompanhado o esforço que se fez em matéria de qualificação dos recursos humanos e provisão de infra-estruturas. Essas eram peças centrais da política industrial de que se abdicou. Há dimensões ao nível da reorganização do Estado e gestão dos serviços que deveriam também ter avançado, nomeadamente, a descentralização e a regionalização.

4. Considera que, aplicadas as mesmas, poder-se-ia ter evitado os efeitos nefastos que se sentem correntemente?
Em diálogo com os agentes económicas e numa relação muito mais próxima com a sociedade, muito poderia ter sido feito. Precisaríamos de esclarecimento e capacidade de liderança nas instâncias políticas, que não existiu e continua a não existir.

5. A austeridade é o caminho a seguir?
Os dados mostram que a austeridade, interpretada como tem sido, é o caminho do desastre. Boa gestão e gestão esclarecida não são austeridade, pelo menos tal qual ela tem sido interpretada pelo governo em funções.

6. Os impactos da mesma na sociedade podem ser minimizados?
Poderiam, se o governo o quisesse. Parece haver uma agenda política que vai em sentido contrário, nomeadamente quando vê hipóteses de negócio em tudo quanto são serviços públicos. Aparte isso, há uma coisa que se chama sensibilidade social, de que as políticas deste governo andam arredias.

7. Quais as políticas que classifica como fundamentais para fomentar o crescimento sem comprometer as obrigações nacionais perante os nossos credores?
As políticas deveriam ser percebidas e partilhadas, solidariamente, pelas empresas, cidadãos e governo, o que obrigaria a montar um processo de construção das políticas que nunca foi ensaiado em Portugal. É preciso ter uma política industrial, ter uma política agrícola, ter uma política de qualificação dos portugueses, ter uma política de inovação, uma política social, etc., isto é, ter uma estratégia para a economia e para o país. Não tendo nada disso, como se pode querer ter a solidariedade e a compreensão geral dos portugueses e das instâncias internacionais, credoras ou não. Resta uma política de curto-prazo, seguidista, de gente sem ambição e sem projeto para o país, embora o possam ter para cada um dos intérpretes das políticas em execução. 

Braga, 7 de Novembro de 2013

J. Cadima Ribeir»

[Resposta sumária a um conjunto de questões formuladas por um aluno do ISCTE (FMS), datadas de 2013/11/05]

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