Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

quinta-feira, outubro 22, 2009

Os números da crise em tempo de constituição de um novo governo

De acordo com o INE, a taxa de desemprego registada no 2º trimestre do ano em curso foi de 9,1%, mais 1,8 pontos percentuais que o que se verificava no mesmo trimestre do ano de 2008, e o valor mais elevado vivido pelo país desde meados dos anos oitenta do século passado. Segundo estimativas da OCDE, este cenário de desemprego elevado está longe de ter termo a breve prazo: para 2010, prevê para Portugal uma taxa de desemprego de 11,7%, valor acima da média dos países da OCDE, que deverá aproximar-se dos 10%.

Estes números dizem-nos que o país terá ultrapassado a barreira dos 500 mil desempregados no mês de Agosto. Se, entretanto, nos quisermos referir à faixa etária dos 15 aos 24 anos, a taxa de desemprego registada no referido trimestre de 2009 era da ordem dos 18,7%, sendo que um número expressivo era detentor de habilitações a nível de ensino superior. Este número do desemprego juvenil está em linha com o que vinha sendo observado não apenas em Portugal mas, em geral, na União Europeia em matéria de diferencial entre a taxa de desemprego global e a da população activa mais jovem, que em não raros casos é o dobro da primeira. Por sua vez, este dado reflecte a resistência que as empresas mantém à contratação de trabalhadores sem experiência laboral ou com pouca experiência, sejam detentores de maiores ou menores qualificações.

Não se conclua do que se diz no parágrafo precedente que o investimento em educação/formação não vale a pena, de todo. A verdade é que, também de acordo com dados recentes da OCDE (Education at a glance 2009), considerando a média dos países integrantes da organização, o desempregado que tem maiores qualificações tem maior probabilidade de conseguir emprego: por exemplo, ter o secundário completo reduz em 6,7 pontos percentuais o risco de desemprego para quem tiver entre 20 e 24 anos. Obviamente, deste dado não pode retirar-se a indicação que não haja escolhas a manter em matéria de cursos ou áreas de formação a frequentar. O investimento em formação, como a generalidade dos investimentos, comporta risco. Não pode, por isso, ser feito sem uma análise cuidada do deve e haver expectável, futuro.

O quadro de situação em matéria de emprego não dá espaço para optimismos no horizonte temporal próximo, mesmo se os indicadores de confiança económica têm vindo a subir. Na Alemanha, por exemplo, de acordo com informação recente avançada pelo Instituto de Pesquisa Económica alemã, a confiança empresarial terá subido pelo sexto mês consecutivo. Nos EUA, por sua vez, a confiança dos consumidores encontra-se ao nível de Janeiro de 2008, o que pode estar relacionado com o aumento verificado da actividade económica americana. Em Portugal, a situação é similar, com indicadores de confiança para a indústria, comércio e serviços a registarem valores cada vez mais animadores ao longo dos últimos meses deste ano. Acontece entretanto que uma coisa é podermos estar no ponto de viragem para o relançamento económico e outra é assistirmos à criação líquida de emprego. Antes que se atinja uma situação de crescimento sustentado e em torno dos 2 pontos percentuais, não será expectável que se assista à redução das taxas de desemprego, em Portugal, como no resto da Europa.

No caso português, para a melhoria das perspectivas económicas também não ajudam nada o défice das contas públicas previsto para este ano, de 5,9% do PIB, e o montante esperado da dívida pública (74,5% do PIB). Estes dados macroeconómicos reconduzem o país ao quadro de infracção do Pacto de Estabilidade e Crescimento da União Europeia e, logo, abrem espaço para que os procedimentos aí previstos em matéria de défices excessivos sejam accionados. Esta situação tem, por seu turno, consequências gravosas em termos de liberdade de acção do governo em matéria de políticas públicas e, portanto, de capacidade de actuação a nível de estímulo à economia. Isto dito, percebe-se que os tempos continuarão a ser de grande dificuldade para os portugueses, que, depois dos sacrifícios que fizeram nos derradeiros oito anos, talvez merecessem estar bem melhor. Claro está que sempre se pode contrapor que, tendo tomado a opção de referendar, em sede eleitoral, as políticas económicas conduzidas, têm os políticos e as políticas económicas a que têm direito.
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J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria)

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