Nos 50 Anos do 25 de Abril: memórias e reflexões sobre as mudanças da sociedade portuguesa
(UMinhoEditora, 2024)
J. Cadima Ribeiro, NIPE e Lab2PT, Universidade do Minho, https://orcid.org/0000-0002-4434-0766
Na comemoração dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril,
dando expressão da importância histórica do evento, foram publicados vários
livros, para além do que aqui se apresenta hoje.
Thomas Fischer (2024, p. 17), um autor alemão atualmente
residente em Portugal e que visitou o país por altura dos acontecimentos
subsequentes à queda do regime fascista, escreveu que aquele “foi, muito
provavelmente, o golpe militar mais bonito de que há memoria”.
De celebração, alegria e liberdade fala José Soares
(2024, p. 10), entre outros, acrescentando que “A Revolução de abril foi um
processo único. Quem o viveu e nele participou não o esquecerá”.
Porventura, em grande parte, estará nas circunstâncias
absolutamente singulares em que foi reposta a democracia em Portugal a razão
porque a passagem dos 50 anos da revolução tenha sido/esteja a ser vivida de
forma tão emotiva e participada, de que o multiplicar de eventos comemorativos,
programas televisivos e livros publicados evocativos são testemunho.
Isto, pese a grande maioria da população portuguesa já
não ter vivido os tempos sombrios do fascismo, e muito menos tenha tido a
oportunidade de participar naqueles dias felizes da revolução (Soares, 2024),
que o foi também, a revolução, digo, por força da adesão popular que
imediatamente conquistou.
Para tanto ajudou a programação musical que as rádios
adotaram desde cedo, com destaque para a música de intervenção, de Zeca Afonso
e de muitos outros.
Conforme enuncia Yves Léonard (2024), uma revolução não
se resume a um golpe de Estado, mesmo que tenha resultado de iniciativa popular
ou que tenha sido amplamente participada. Uma revolução significa uma mudança
radical na forma de pensar o exercício do poder e a organização e evolução da
sociedade, no quadro de uma matriz histórica e cultural singular.
Para além da liberdade de expressão e da democracia, com a Revolução de Abril veio a
autodeterminação dos povos colonizados, a fixação do salário mínimo em 3.300
escudos (o que significou um salto salarial muito significativo para muitos
trabalhadores), a generalização da segurança social, o direito ao subsídio de
Natal, a legislação sobre acidentes de trabalho, o aumento do abono de família
e de outras prestações sociais, a licença de parto e o reconhecimento da
igualdade entre homens e mulheres (Avelãs Nunes, 2024; Silva, 2024).
O livro que se apresenta navega essa mesma onda de reconhecimento e
celebração do 25 de Abril, pretendendo
acrescentar valor por juntar testemunhos aos que foram sendo publicitados, e
por integrar vários textos académicos e ensaios que
se debruçam sobre a evolução da sociedade e da economia portuguesas nos últimos
50 anos.
Mesmo que nem tudo tenha sido concretizado de acordo com os ideais que
inspiraram o 25 de Abril, julga-se
que a história da revolução dos cravos permanece como fonte de encorajamento e de
esperança (Léonard, 2024).
Na dimensão testemunhos, por força das leis da vida, esta constitui uma das
derradeiras oportunidades de recolher o que quiseram reportar alguns daqueles
que assistiram e/ou participaram nos eventos associados ao dia 25 de Abril de
1974, e aos dos dias e meses que os antecederam e lhe sucederam.
Em razão da natureza diferenciada dos contributos que se
pretendeu reunir neste livro, ele apresenta-se estruturado em duas partes.
A primeira parte é dedicada à apresentação de testemunhos
ou memórias, relatando experiências vividas pelos seus autores no dia 25 de
abril ou no período que se lhe seguiu, com relação estreita com o desenvolvimento
revolucionário de 25 de Abril de 1974.
A segunda parte inclui textos
de divulgação científica ou ensaios originais abordando temas diversos, perspetivados
a partir do leque de formações e labor académico dos autores que foi possível
reunir neste livro.
Na parte do livro dedicada
aos testemunhos, para além de testemunhos, podem
encontrar-se peças documentais, como é caso do texto encurtado do
extraordinário discurso proferido por José Manuel Mendes em 26 de abril de
1974, em Braga, na Praça do Município, para milhares de cidadãos que aí se
juntaram, e o próprio comunicado original do Movimento das Forças Armadas (1º
comunicado), distribuído em 24 de abril ao oficial miliciano Wladimir Brito,
colocado num dos quartéis militares então existentes na Figueira da Foz, já no
quadro do plano de ações específicas a operacionalizar no âmbito do Movimento
militar.
Para quem viveu o
25 de Abril de 1974, não é possível ler esses textos sem que
deles transpire uma enorme emoção, e sem que sejamos conduzidos para as
vivências e emoções de cada um nessa data. Esse sentimento é acentuado quando
se lê o contributo de Mário Tomé, Capitão
de Abril.
Mas antes de 26 de abril, houve a 5ª feira, 25 de abril
de 1974, e os tempos que os antecederam. Disso fala José António Pereirinha,
que estava lá, no Largo do Carmo, em
Lisboa, na tarde do dia 25 de abril de 1974, e que viveu “bem perto dos
protagonistas, a incerteza do desfecho”.
Da sua vivência, em Lisboa, do dia 25 de abril de 1974
fala-nos igualmente Moisés Martins que, na tarde de 25 de abril de 1974, estava
na esquina da Calçada do Sacramento, à entrada do Largo do Carmo, “pronto para
correr Calçada abaixo, em caso de emergência”.
A segunda parte deste livro é dedicada à divulgação de
artigos de índole científica ou ensaios abordando temas diversos. Em todos os
casos, trata-se de textos originais que ensaiam olhar para o período de 50
anos, contados a partir da Revolução. Não são cobertas todas as áreas possíveis
de estudo.
A segunda parte deste livro abre com um texto da autoria de José Reis. José
Reis defende que a economia política materializada ao longo dos anos que
medeiam entre abril de 1974 e o presente não pode “deixar de ser reconhecida
como impulsionadora de um ciclo de crescimento económico tão relevante como o
da primeira fase da integração europeia.
A terminar a sua análise faz referência à necessidade de
adoção de uma política de cidades e do território, que diz ser “a mais ausente
das políticas públicas atuais”.
Seguem-se textos sobre a organização do Poder Local ao longo dos 50 anos
iniciados na revolução, as Finanças Municipais no pós-25 de Abril, a descentralização política e financeira do
Estado, as mudanças ocorridas na política e administração da educação pública
em Portugal, da autoria de Licínio Lima, a participação das mulheres no mercado
de trabalho em Portugal e a evolução da situação das mulheres, a evolução do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia em
Portugal, tema tratado em dois textos, um de Carlos Fiolhais e outro de
González-Méijome, Gerós e Castro.
Os autores de ambos os textos
convergem na afirmação de que a Revolução
de 25 de Abril de 1974 proporcionou um grande impulso ao desenvolvimento do
Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia em Portugal.
De áreas científicas muito diferentes das antes invocadas existem contributos sobre o Programa SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), o contexto político-institucional nacional, antes e após a Revolução, a intervenção e influência de Portugal no quadro político-institucional internacional.
O livro fecha com um texto de natureza historiográfica, que tem como foco de análise os acontecimentos em Braga em 25 de abril e nos meses que se seguiram, até 28 de setembro de 1974.
Neste
contributo vamos encontrar, também, referência ao papel ativo desempenhado
nesse processo social e politicamente transformador operado em Braga e nos
municípios do distrito por algumas personalidades cujos nomes muitos recordarão
ainda ou que, felizmente, ainda estão entre nós. Entre esses nomes, retenham-se
os de Victor de Sá, que, com José Manuel Mendes e vários outros democratas de
Braga, organizou e discursou na manifestação que ocorreu a 26 de abril de 1974
na Praça do Município, em Braga, José Ferreira Salgado, António Sousa Fernandes,
Joaquim Santos Simões, António Mota Prego, Manuel Tinoco de Faria, Manuel Rocha
Peixoto, …
Obrigado!
Referências
Avelãs Nunes,
António (2024). Cinquenta anos depois de Abril. Está quase tudo dito, mas há
muito que fazer. Seara Nova, 1766 (Primavera - Edição Especial),
13-15.
Fischer, Thomas
(2024). Entre cravos e cardos.
Lisboa: Edições 70.
Fonseca,
Manuel, e Saraiva, Nuno (2024). 25 de
Abril: no princípio era o verbo. Lisboa: Gerra e Paz, Editores, Lda.
Léonard, Yves
(2024). Breve história do 25 de abril.
Lisboa: Edições 70.
Silva, Manuel
Carvalho (2024). Conquista no trabalho e nos direitos sociais: avanços e recuos
na construção do estado social de direito democrático. Seara Nova, 1766 (Primavera
- Edição Especial), 36-41.
Soares, José
Pedro (2024). A Revolução de Abril, um grande passo em frente na vida dos
Portugueses. Seara Nova, 1766 (Primavera - Edição Especial),
7-12.