Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

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sábado, julho 22, 2023

30º Congresso da APDR: apresentação de livros (Os Territórios na Era das Redes: Cultura digital, ação coletiva e bens comuns)

Título do livro: Os Territórios na Era das Redes: Cultura digital, ação coletiva e bens comuns

Autor: António Covas

Editora: Edições Sílabo (2023) 

Comunhão de visões entre o autor e o apresentador (J. Cadima Ribeiro)

Numa perspetivação de desenvolvimento e organização dos territórios, António Covas enuncia a necessidade da formação/materialização de um ator-rede, “que seja capaz de ouvir, interpretar, promover e realizar as aspirações de um território que é desejado”.

Na verdade, na perspetiva da mobilização dos agentes e organização para o desenvolvimento dos territórios, sobretudo dos mais frágeis, a necessidade da existência desse tipo de atores sempre existiu.

Chamei-lhes, lideres regionais, sendo que enunciei essa liderança como podendo ser protagonizada quer por um ator individual quer por um ator coletivo, uma entidade de desenvolvimento ou uma convergência de atores apostados na materialização de um projeto comum para um certo território.

Divergências de leitura entre o autor e o apresentador (J. Cadima Ribeiro)

Diz António Covas que “a grande inovação da economia dos bens comuns colaborativos”  (BCC) “é o acréscimo de eficácia e eficiência introduzido pela transformação digital nas áreas habitualmente institucionalizadas e burocratizadas, mas, também, a devolução da responsabilidade social aos cidadãos e à sociedade civil”.

A propósito, gostaria de sublinhar que, em muitas situações, a transformação digital, e a chamada desmaterialização, trouxe consigo um acréscimo infindável de rotinas burocráticas e o acréscimo de inteligibilidade do porquê de se realizarem uma multiplicidade de operações/gestos (cliques) para se aceder a um bem ou serviço ou formalizar uma decisão sobre algo.

Quem está familiarizada com a atual rotina burocrática/administrativa de algumas organizações sabe que o que, no passado, se resolvia com uma assinatura, hoje, implica, muitas vezes, uma dezena ou mesmo mais de “cliques” e/ou a introdução associada de informações codificadas numa plataforma eletrónica.

Isso resulta, frequentemente, de quem desenha essas rotinas digitais i) não ter ideia alguma de princípios de gestão de uma organização e ii) não ter nenhuma preocupação com o caráter “amigável” que as tecnologias de informação e comunicação devem ter para os utilizadores comuns.

Por outro lado, a devolução da responsabilidade social aos cidadãos e à sociedade civil não decorre e não implica o multiplicar de rotinas informáticas mas, antes, um modelo de organização do Estado que aproxime o poder dos cidadãos, isto é, que aposte na devolução do poder aos cidadãos, o que quer dizer aprofundamento democrático e, logo, também regionalização e descentralização do poder político. 


sexta-feira, abril 12, 2013

A crise e o desemprego têm rostos e a vida acontece em lugares concretos

O elemento permanente da informação veiculada pela comunicação social em Portugal nos derradeiros anos e do debate público derivado vêm sendo a dívida pública e o défice do orçamento de Estado. Em vez disso, deveria ter sido a crise económica, pois, como finalmente se terá percebido, só com a superação desta, que vem desde muito antes das crises financeira e da dívida pública, se dará resposta consistente àqueles outros desequilíbrios. Quando falo em crise económica ou crise económica e social, fique claro que não estou apenas a referir-me às quedas do PIB registadas nos anos últimos dois anos, com continuidade garantida no de 2013, e ao flagelo do desemprego, mas estou, sobretudo, a chamar a atenção para as condições dramáticas que vivem muitas famílias nos seus lugares de residência e de trabalho, se o têm, isto é, estou a falar de gente e de lugares (territórios). A crise e desemprego não são fenómenos abstractos, porque as vítimas das políticas que nos vêm empurrando para mais crise e mais desemprego têm rostos e a vida acontece em lugares concretos.
A análise das séries estatísticas do período pós-integração europeia permite concluir que, num quadro genérico de convergência do PIB per capita do país para a média da União Europeia (U.E.) que ocorreu até ao início dos anos 2000, os momentos de maior convergência interna foram aqueles em que o PIB médio nacional e da área metropolitana de Lisboa cresceram menos. Posto de outro modo, se o país convergiu para a média da U.E. e se o crescimento da área metropolitana de Lisboa foi absolutamente decisivo para isso, os mesmos indicadores permitem concluir que Lisboa não foi capaz de arrastar consigo o “resto” do país. O camisola amarela fugiu ao pelotão e o pelotão mostrou-se incapaz de responder ao repto que lhe foi colocado. Isto tem tudo que ver com a estratégia e as políticas porque se optou e, daí, com a atenção que foi dada às regiões que dão corpo ao país.
Se Lisboa (secundada a muita distância pelo Algarve e pela Madeira) deu passos em frente quando a conjuntura (e as políticas públicas) lhe foram favoráveis, mas mesmo assim soçobrou quando os recursos financeiros e o enquadramento económico internacional deixaram de lhe ser tão favoráveis, que dizer dos restantes territórios nacionais? Dir-se-á que naqueles casos em que a economia dos territórios estava menos dependente do mercado interno (levado à exaustão por força de políticas fiscais e de rendimentos a roçar o saque) ou sobrou mais espaço para o retorno a modelos de auto-subsistência, terão resistido melhor. Nos demais casos, a situação é de alarme social. Disso falam os números do desemprego total e do desemprego da população jovem, importando que se esteja consciente que os 17% de desempregados registados nesta data a nível nacional e os cerca de 40% de desempregados observados entre a população com idade inferior a 25 anos são a soma das múltiplas crises sentidas na maior parte das regiões deste país, isto é, são de gente que tem rosto e que podemos encontrar ao virar de qualquer esquina.
Se há algo de positivo que se pode retirar desta situação será, porventura, a descoberta entretanto feita pelos agentes públicos nacionais que os territórios são alfobres de recursos e de competências. Descoberta tardia, digo eu, porque muitos dos produtos e das capacidades agora reconhecidas e que se pretende mobilizar já lá estavam (nos territórios, digo) e não parece ser política de aproveitamento consequente de recursos e competências condenar ao desemprego e à emigração tanta gente. Uma vez conscientes de que há recursos, também nem tudo ou muito pouco se resolverá através de apelos ao empreeendorismo dos desempregados e dos recém-diplomados. Uma e outra coisas não dispensam estratégia e políticas públicas adequadas. No momento em que se reconheça também isto, daremos o passo necessário para reverter a situação de crise e de descrédito no futuro do país que vivemos.

J. Cadima Ribeiro

terça-feira, dezembro 11, 2012

Plano Estratégico ´Leiria Região de Excelência`

Fórum Sectorial ´Leiria Região de Excelência`- Eixo Território (2012/12/10)

Plano Estratégico (análise “SWOT”): os meus sublinhados 
Pontos fracos:
i) Tendência de aumento progressivo da taxa de criminalidade; 
 ii) Número de médicos e enfermeiros por mil habitantes inferior à média nacional; 
iii) Percentagem de águas residuais tratadas inferior à média nacional; 
iv) Consumo de combustível automóvel por habitante superior à média nacional; 
v) Duração média dos processos nos tribunais de 1ª instância superior à média da NUT II Centro; 
vi) Tendência decrescente da proporção de alunos no ensino superior em áreas científico-tecnológicas e abaixo da média nacional; 
vii) Proporção de trabalhadores com maiores níveis de escolaridade inferior à média nacional; 
viii) Produtividade aparente do trabalho abaixo da média nacional, observando uma tendência decrescente;
ix) Elevada % de trabalhadores agrícolas com idades iguais ou superiores a 55 anos; 
x) Reduzida taxa de ocupação dos equipamentos hoteleiros (inferior à média nacional); 
xi) Reduzida % de estrangeiros no total de hóspedes (inferior à média nacional); 
xii) Reduzida estadia média dos turistas nos estabelecimentos hoteleiros (inferior à média nacional). 

 J. Cadima Ribeiro

sexta-feira, agosto 10, 2012

“A Trilha Perdida”

Tenho comigo um livro sobre a história económica do Brasil (A Trilha Perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX) que, como o subtítulo indica, dá uma especial atenção à evolução da realidade regional da Bahia. Foi oferta do seu autor, Noelio Dantaslé Spinola, há mais de um ano, e tem como data de edição o ano de 2009 (Edição da UNIFACS). Aguardava desde então a oportunidade do ler.
A curiosidade que me suscita(va) a economia e a sociedade brasileiras, passadas e presentes, juntamente com a circunstância do seu autor ser coorientador de uma minha doutoranda brasileira incitaram-me nesse sentido. Por contraponto, a falta de tempo, conjugada com a extensão da obra (527 páginas), foram retardando o desencadear dessa leitura. Uma deslocação ao Brasil este Verão, com a conexa multiplicação de horas de voo, propiciou-me a oportunidade de fazê-lo.
Antes de me referir brevemente a alguns elementos de curiosidade que encontrei no livro em referência, quero deixar uma nota sobre o seu autor, cujo percurso académico me suscitou, ele próprio, a atenção.
Nascido na Bahia, em 1941, e doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona, Noelio Dantaslé Spinola concluiu o seu doutoramento já com mais de 60 anos, sendo na atualidade Professor Titular da UNIFACS, Salvador da Bahia. No prefácio do livro, referindo-se-lhe, o reitor da dita instituição escreveu o seguinte: “O autor […] milita no espírito do grande chamado de Marx para que os intelectuais não procurarem apenas compreender o mundo, mas que se dediquem a transformá-lo (Spinola, 2009, p.23).
Não havendo oportunidade aqui para fazer a recensão propriamente dita do livro, a partir da minha condição de curioso da realidade histórica brasileira e professor de economia regional, avançarei nos parágrafos seguintes alguns notas de leitura que, porventura, irão ao encontro da curiosidade de alguns portugueses e traçarão linhas de “continuidade” entre as realidades portuguesa e brasileira e, quiçá, poderão motivar a leitura do livro.
Como primeiro dado, que desde logo me escapava, quero invocar o evoluir histórico das capitais do Brasil, para sublinhar como antecessoras de Brasília, o Rio de Janeiro e Salvador da Bahia, por ordem inversa do momento histórico em que essas cidades ocuparam essas funções político-administrativas. Este deslizar da capitalidade política não parece ter sido um incidente com marca exclusivamente política. Pelo contrário, como escreve Noelio Spinola logo a abrir o seu livro e sublinha repetidamente ao longo de toda a obra, “No caso específico da Bahia, seu declínio inicia-se com a transferência do Governo  Geral da Bahia para o Rio de Janeiro em 1763, perdendo a província sua condição de capital política do país e todos os ganhos inerentes a essa condição” (Spinola, 2009, p.37). Invocando outro autor brasileiro, acrescenta de seguida que “isto se deveu ao facto do polo de desenvolvimento do Brasil ter saído do Norte/Nordeste, firmando-se no Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo). A descoberta do ouro nas Minas Gerais e, posteriormente, o advento do ciclo do café, plantado inicialmente no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, deslocaram o eixo da economia, marginalizando para sempre as províncias do Nordeste e do Norte” (Spinola, 2009, p.37).
A segunda nota vai para a evolução dos padrões monetários no Brasil, em relação com a estranheza da designação atual da moeda brasileira, o Real. Pretendo a-propósito assinalar a falta de continuidade do nome da unidade monetária com as designações das que a antecederam ao longo do século XX: Cruzeiro; Cruzeiro Novo; Cruzado; Cruzado Novo; Cruzeiro; Cruzeiro Novo. Paradoxalmente, face ao que anoto antes e à realidade política republicana brasileira, o antecedente da designação atual remete para os Réis do tempo colonial, que sobreviveram (a moeda, digo) até Outubro de 1942. Aliás, Spinola (2009, p.74) vai mais longe, assinalando que os “RÉIS” se sugerem como “denominação derivada do ´REAL` que era a moeda portuguesa dos séculos XV e XVI, na época do ´descobrimento`”.
Numa terceira e última nota, entendo fazer menção à implementação que se deu a partir de certa altura de um conjunto de iniciativas públicas de planeamento visando impulsionar a transformação da economia brasileira, em geral.
Entre os planos produzidos merece menção o ´Plano de Metas`, ao tempo do governo de Kubitschek. Em resultado dessa ação de planeamento, “de 1956 a 1960, o produto interno bruto (PIB) crescei 8,1% e a renda per capita 5,2% ao ano, em média” (Spinola, 2009, p. 228). Esta atuação do poder público foi pensada, disse, para acelerar o desenvolvimento económico mas, particularmente, a industrialização do Brasil, induzindo o investimento privado, quer nacional quer estrangeiro. Aparte a ênfase na indústria, a fazer lembrar o pensamento prevalecente em Portugal na mesma altura do sector industrial como motor do crescimento económico (“Industrialize-se o país que o resto irá atrás”), é especialmente interessante reter o papel desempenhado por Celso Furtado nesta fase da gestão da economia e do território brasileiro, ele que será, porventura, o economista brasileiro ainda hoje mais conhecido na Europa.
Depois de ter liderado tecnicamente o Codeno (Conselho de Desenvolvimento do Nordeste) e a Sudene, uma agência de desenvolvimento regional de iniciativa central dotada de amplas atribuições em matéria de desenvolvimento territorial, acabou por ser ministro do governo de Goulart. No dizer de Albert Hirschman, citado por Spinola (2009, p.232), a Sudene constituiu-se numa espécie de “ministério do desenvolvimento regional, dotado de excecional força executiva”.
Em razão da inspiração teórica das políticas e dos seus executantes, num comentário/balanço produzido a propósito desta fase da gestão da realidade brasileira, secundando outros autores, Noelio Spinola (2009, p.235) adianta que “Dificilmente se encontraria, na história recente da economia brasileira, uma integração tão estreita entre as estratégias teóricas de ação quanto aquela existente entre o ´Plano Trienal de Desenvolvimento Económico e Social` (Brasil, 1962), o ´II Plano Diretor da Sudene` (Brasil, 1963), ambos referentes ao período 1963-1965, e o estudo do GTDN (Brasil, 1959). Dificilmente, também, se encontraram descompassos maiores entre o que preconizavam aqueles documentos e a evolução da realidade sobre a qual deveriam intervir” (itálico meu).
Esclareça-se que o GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste) foi uma estrutura criada pelo governo Kubitschek, em 1956, que precedeu o Codeno e a Sudene, e foi responsável pela elaboração de um diagnóstico aprofundado da realidade do território objeto da sua ação e, particularmente, da questão agrária e da problemática originada pela seca que atingiu a região em anos precedentes, e pela proposição de um conjunto de orientações de política tendentes a reorganizar o sector e “a reverter o problema da oferta de alimentos e a absorção do excedente populacional” (Spinola, 2009, p.215).
O livro tem muito mais que se possa comentar, para além de informação abundante que disponibiliza sobre o tecido industrial da Bahia e do Brasil, nomeadamente o número de unidades de produção existentes na Bahia em diversos momentos históricos, com explicitação dos ramos de atividade, volumes de emprego e peso relativo dos diversos sectores de atividade no seu tecido industrial. Para o leitor português, tem o interesse adicional de se poderem encontrar aí dados surpreendentes sobre paralelismos e impasses análogos vividos pelas economias brasileira e portuguesa, entre outras coisas merecedoras de estudo e ponderação. Tem entretanto o inconveniente de ser bastante longo, como assinalei antes, e de multiplicar a apresentação de dados, tabelas e referências bibliográficas que nem sempre facilitam o bom entendimento por parte do leitor, particularmente por parte de alguém não especialista e/ou menos conhecedor da história social, económica e política do Brasil. Nem por isso deixa de ser um documento cuja leitura deixo de recomendar a quem busque melhor conhecer a evolução histórica daquela economia e sociedade. 

J. Cadima Ribeiro

Referência da obra: Spinola, Noelio Dantaslé (2009), A Trilha Perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX, Edição UNIFACS, Salvador.

quinta-feira, dezembro 22, 2011

Assimetrias regionais: os dados sobre o Poder de Compra Concelhio em 2009

Por cortesia do Instituto Nacional de Estatística (INE), chegou-me às mãos na passada semana a edição com os dados de 2009 do Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio (INE, 2011), resultando daí mais uma oportunidade de retornar à problemática das assimetrias regionais de desenvolvimento, que marcam a realidade do país. Não esperava nem encontrei nos referidos dados grandes surpresas, isto é, se alguma alteração se deu nos últimos anos ela surge na margem, não questionando a perenidade dos contrastes que cavam o fosso entre as áreas metropolitanas de Lisboa, sobretudo, e do Porto e a generalidade do país.
Embora os territórios apresentem à partida dotações diferenciadas de recursos e capacidades, o crescimento assimétrico é a causa principal da evolução das disparidades regionais. Uma vez que se registe um menor nível de bem-estar num território, para que ele alcance a posição dos mais desenvolvidos, terá que crescer mais rapidamente que estes. Se, pelo contrário, crescer à mesma taxa, o fosso em termos de bem-estar aprofundar-se-á. Este acentuar das diferenças decorre do desnível inicial, posto que, crescendo à mesma taxa, terá ganhos absolutos maiores a região que partir de um nível de bem-estar superior.
Em razão da dotação diferenciada de recursos, de capacidades e de infra-estruturas, com tradução na respectiva competitividade, é legítimo que os territórios pior posicionados reclamem solidariedade dos mais desenvolvidos. Noutro momento histórico, porventura em expressão de mudanças tecnológicas ou da afirmação de novos modelos de consumo, poderá inverter-se a orientação do fluxo solidário.   
No que respeita ao território nacional, os desequilíbrios de desenvolvimento não são de data recente e apresentam já carácter cumulativo. As discrepâncias de rendimento são mais gritantes entre o litoral e o interior, mais rural, mas existem outros.
O Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio em 2009, agora divulgado, fornece-nos uma aproximação deveras expressiva a essa realidade ao caracterizar os municípios portugueses relativamente ao poder de compra, assimilado a bem-estar material em sentido amplo. Esclarece-se que o indicador ou índice em causa é um índice sintético, isto é, é construído a partir de um conjunto de variáveis, por recurso à análise factorial.
Dos dados de 2009, pegando no Indicador per Capita (IpC) do poder de compra concelhio derivado do estudo, cumpre destacar que, das 30 unidades estatísticas de nível III (NUTS III) portuguesas, apenas 5 estavam acima do valor nacional: Grande Lisboa (145,2); Grande Porto (115,0); Península de Setúbal (105,8); Baixo Mondego (105,2); e Algarve (100,4). Por outro lado, os valores mais baixos situavam-se nas NUTSIII seguintes: Pinhal Interior Sul (61,2); Pinhal Interior Norte (62,8); Tâmega (63,5); Serra da Estrela (64,3); e Alto Trás-os-Montes (67,4). Trata-se, neste último caso, de territórios situados no centro ou no norte do país, confirmando a ideia de um país marcado por um poder de compra per capita tendencialmente mais elevado no litoral continental, genericamente considerado, mas, também, por uma certa oposição entre sul e interior norte e centro.
Por sua vez, dos 308 municípios portugueses, 39 situavam-se acima do poder de compra per capita médio nacional, inserindo-se vários deles nos territórios metropolitanos de Lisboa e do Porto. Com efeito, aparte o IpC mais elevado de todos apresentado por Lisboa (232,5), nas 16 primeiras posições, correspondentes a um IpC superior a 120, encontravam-se mais 6 municípios da Área Metropolitana de Lisboa e 4 da Área Metropolitana do Porto.
Além dos territórios metropolitanos, também os municípios correspondentes a algumas capitais de distrito revelavam um poder de compra per capita superior à média nacional, destacando-se Faro (146,1), Coimbra (144,9) e Aveiro (134,8). No grupo de municípios com poder de compra por indivíduo superior à média nacional (100) incluíam-se ainda outras capitais de distrito, como Évora, Beja, Portalegre, Braga, Vila Real e Santarém, mas não Leiria que, embora não apresentasse um valor muito distante, ficava ainda assim abaixo dela (99,91%), mesmo sendo o município da NUT III Pinhal Litoral melhor posicionado.
Como última nota, sublinhe-se que 185 municípios (60% do total) apresentavam um IpC inferior a 75% do valor médio nacional o que, obviamente, compara mal com os dados de Lisboa (232,54) e do Porto (178,77).
J. Cadima Ribeiro 

(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria, no quadro de colaboração regular)

terça-feira, janeiro 05, 2010

Pobreza e desigualdades em Portugal

1. Nos últimos anos, tenho sido responsável pela docência de uma unidade curricular (u.c.) intitulada Economia Portuguesa e Europeia. O objectivo essencial dessa u.c. (ou disciplina) não é tanto apresentar novos conceitos ou teorias mas conduzir os estudantes a usar a formação adquirida previamente no seu curso (de Economia) na análise das realidades socioeconómicas nacional e da U.E. De certo modo, trata-se de levá-los a mergulhar na realidade das economias, depois de lhes terem sido explicados os princípios básicos do funcionamento das estruturas económicas, em abordagens centradas em quadros mais macro ou mais microeconómicos. Como segundo objectivo, visa-se dar-lhes competências em matéria de estruturação e elaboração de documentos técnicos e respectiva apresentação pública e de produção de textos técnicos para difusão junto de públicos não especializados.
2. Dentro do espírito da u.c., as matérias a versar vão evoluindo de acordo com as conjunturas económico-sociais vividas, para que os alunos sintam o espírito da cadeira e tendam a torná-la parte do debate do “momento”. Daí resultou a preferência que os estudantes deram no ano lectivo precedente ao tratamento de temas como os défices dos orçamentos de Estado, a regulação e o funcionamento dos mercados financeiros. No presente ano lectivo, notei com curiosidade que tenham trazido para o debate as problemáticas das energias renováveis e, muito especialmente, as da pobreza e da desigualdade de rendimentos. Sendo, seguramente, um sinal dos tempos que vivemos, não esperava que os últimos temas referidos emergissem de forma tão destacada. Não quero com isso dizer que não abundassem as justificações para o fazer. Não julgava era que existisse suficiente sensibilidade para esta matéria entre estudantes de economia, normalmente muito mais preocupados em seguir os debates sobre a eficiência dos mercados, os “grandes” projectos de investimento público e os défices públicos.
3. Na realidade, apesar da evolução económica verificada nas últimas décadas, no mundo e também em Portugal, um dos maiores desafios que continua a subsistir é o da superação da pobreza. O conceito de pobreza é complexo e multidimensional. Em termos gerais, seguindo a definição proposta em 2001 pela Comissão das Nações Unidas para os Direitos Sociais, Económicos e Culturais, a pobreza “pode ser definida como uma condição humana caracterizada pela privação sustentável e crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o aproveitamento de um padrão adequado de vida e de outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais”. A União Europeia, por sua vez, identifica a pobreza em termos de "distância económica" relativamente a 60% do rendimento mediano da sociedade.
4. Nas sociedades actuais, e nomeadamente em Portugal, existe uma grande dificuldade em caracterizar devidamente o fenómeno da pobreza. Isso acontece porque não há uma avaliação aprofundada das suas características, dos seus determinantes e um adequado seguimento da sua evolução ao longo do tempo, até pelos “embaraços” que tal situação gera nos poderes políticos.
5. Segundo dados do INE referentes ao ano 2007, são (eram) cerca de 18% os portugueses (1,9 milhões de pessoas) que vivem (viviam) ou estão (estavam) em risco de viver em situação de pobreza, sendo este um valor ligeiramente superior à média da União Europeia que, na mesma data, se situava nos 17%. Caso as transferências sociais e as pensões não existissem, a taxa de pobreza em Portugal chegaria aos 31% da população. Quer isto dizer que as transferências sociais (incluindo o rendimento social de inserção) afastam (afastaram) cerca de 13% dos indivíduos residentes em Portugal do limiar da pobreza. Na U.E., com pior situação que a portuguesa encontravam-se a Roménia, Chipre, Itália, Espanha e Grécia. Já agora, vale a pena assinalar que, entre 1997 e 2007, a taxa de pobreza em Portugal se reduziu cerca de quatro pontos percentuais, passando de 22% para 18%, uma evolução que foi, obviamente, no bom sentido. Infelizmente, mesmo não havendo dados fiáveis, tudo indica que outro tanto não terá sucedido no período mais recente.
6. A assimetria na distribuição dos rendimentos e as situações de desemprego estão entre os principais factores explicativos das situações de pobreza. Em Portugal, a assimetria de rendimentos a que têm acesso as famílias é chocante: de acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, do INE, em 2007, o rendimento monetário líquido dos 20% da população com maiores recursos correspondia a 6,1 vezes o rendimento dos 20% da população com mais baixos recursos. Se comparado com o que se passa entre os demais membros da União Europeia, Portugal é o país em que a distribuição de riqueza tem o segundo maior diferencial. Maior diferencial apenas se verifica na Roménia, um dos mais recentes membros da UE.
7. Os dados apresentados, ainda que constituindo um “primeiro olhar” sobre a realidade da pobreza em Portugal, não podem deixar de ser vistos com preocupação e ser um elemento essencial na definição das medidas de política social. De acordo com a Comissão Europeia, as medidas para combater a pobreza passam pela introdução (ou manutenção) de um regime de rendimento mínimo e de acções vocacionadas para a promoção do emprego. A esta luz, perceber-se-á que o sucesso das políticas de relançamento da economia, no curto/médio prazo, é peça-chave do combate à pobreza em Portugal.
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J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de 2010/01/05 do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

sexta-feira, janeiro 01, 2010

A assimetria de rendimentos em Portugal

A assimetria na distribuição dos rendimentos e as situações de desemprego estão entre os principais factores explicativos das situações de pobreza. Em Portugal, a assimetria de rendimentos a que têm acesso as famílias é chocante: de acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, do INE, em 2007, o rendimento monetário líquido dos 20% da população com maiores recursos correspondia a 6,1 vezes o rendimento dos 20% da população com mais baixos recursos. Se comparado com o que se passa entre os demais membros da União Europeia, Portugal é o país em que a distribuição de riqueza tem o segundo maior diferencial. Maior diferencial apenas se verifica na Roménia, um dos mais recentes membros da UE.

J. Cadima Ribeiro

quarta-feira, julho 08, 2009

terça-feira, maio 19, 2009

Perceber a economia e a sociedade em que vivemos

1. O Departamento onde trabalho (Depto. de Economia da Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho) organizou há dias uma conferência de que fui moderador, que teve como convidado principal Vítor Bento, economista e presidente da SIBS (Multibanco), e como comentador da intervenção do conferencista em causa Pedro Lains, historiador e investigador do Instituto de Ciências Sociais, Lisboa. O pretexto para o convite a Vítor Bento foi a apresentação do seu mais recente livro, intitulado “Perceber a crise para encontrar o caminho”.
2. A apresentação foi muito rigorosa e didáctica e terá deixado bastante impressionada a plateia. Do que disse o comentador, reagindo à intervenção oral inicial mas, bem assim, ao que lera no livro, retenho a indicação que gostara de ler a primeira parte (analítica) mas que se reconhecia muito menos na segunda parte, que o autor da obra dedica a um conjunto de “Considerações sobre a envolvente político-social”, desembocando nas propostas de estratégia para a superação das graves dificuldades estruturais porque passa a economia portuguesa. Devo dizer que, nesta dimensão, me identifiquei algo com o que disse Pedro Laíns, isto é, a meu ver, o rigor técnico e a lucidez que informa a primeira parte do livro não tem contrapartida à medida na leitura feita dos enquadramentos político-sociais que ditaram o percurso desastroso da economia portuguesa nos últimos 10 anos e, sobretudo, dos derradeiros 7, e ainda menos em matéria de estratégia de política para resolver as múltiplas crises (desequilíbrios) que o país enfrenta. Os mais importantes desses desequilíbrios são, do meu ponto de vista; o desequilíbrio das contas externas e a dívida externa em crescimento acelerado; o desequilíbrio das contas públicas; a crise estrutural da economia nacional; a crise financeira (e económica) internacional; a crise de credibilidade do sistema político; e a crise de liderança da economia e da sociedade portuguesa.
3. Sobre a matéria antes referida, diz a dado o passo Vítor Bento (p.19): “[…] o deslumbramento da afluência adquirida levou-nos a descurar as virtudes da boa ´gestão caseira`, deixando acumular preocupantes desequilíbrios e criado vícios comportamentais que nos enfraqueceram. Ao nível estrutural, somos confrontados com o que impropriamente se tem designado por ´esgotamento do modelo` […]”. Não é igual a leitura que eu faço dos fundamentos e materialidade da “crise” mas não me custa subscrever a análise nesta passagem. Também não me custa subscrever a afirmação que produziu de que “O primeiro choque [reportava-se à adesão de país ao Euro (€)] que poderia ter sido minimizado, se houvesse gestão macroeconómica, foi o que andou associado ao equilíbrio orçamental”. O que me custa verdadeiramente aceitar é que Vítor Bento veja a saída para a superação deste beco a que chegámos: i) na redução dos salários; ii) na redução do preço dos bens e serviços não-transaccionáveis (um conceito que acaba por não se saber muito bem o que é); iii) na redução dos custos parafiscais; iv) em medidas fiscais e sociais complementares; e v) na criação de um “alargado consenso político-social” (p. 21), que alguns interpretarão, porventura com razão, como reclamação da formação de um governo de “bloco central”, como se não fosse já suficientemente mau a alternância que temos tido entre dois desertos de ideias para o país.
4. Tem que se fazer entretanto justiça a Vítor Bento por pôr preto no branco “Que houve má gestão política das variáveis económicas manipuláveis pelo Estado” (p.29). Note-se que se está a referir ao conjunto dos dez anos que constituem o centro de análise do seu livro, juntando no mesmo saco Pina Moura, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix e Teixeira dos Santos e, com eles, os governos de António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, no seu todo. O que eu duvido seriamente é que nos seus escritos de há um par de anos mantivesse já essa leitura, que a mim me pareceu óbvia ao longo de todo esse tempo.
5. A expressão máxima da nossa diferença de leitura poderá talvez ser sintetizada nas duas questões/observações que fiz no contexto do debate que se sucedeu à intervenção inicial de Vítor Bento. Foram elas as seguintes:
i) Conforme dito, Vítor Bento aposta na redução de salários para a saída da crise, assumindo e aceitando que isso conduza ao crescimento das desigualdades sociais. Pareceu-me entretanto surpreendido ou incomodado quando lhe fiz presente que Portugal apresenta o maior fosso em matéria de rendimentos no seio dos 27 países da União Europeia. A situação é tão chocante que, confrontado com o gráfico respectivo, alguém classificou de “pornográfica” a situação. Se ligarmos desenvolvimento e desigualdade social, não teremos aqui parte da explicação do nosso atraso e das nossas crises?
ii) É muito comum no Portugal dos últimos anos olhar-se para os ministros das finanças e classificar o seu desempenho de bom ou mau consoante estes se revelaram melhores “contabilistas”. Isso foi ainda assim até há poucos meses com Teixeira dos Santos. Mas pergunto: será que o ministro das finanças não precisa ser também “ministro” da economia, isto é, podem-se equacionar separadamente o equilíbrio do orçamento de Estado e o equilíbrio estrutural da economia (leia-se, o crescimento do país)?
O livro de Vítor Bento é uma leitura que recomendo, não pelo que ele sugere como saída(s) para a crise(s) mas pela oportunidade de levar cada um dos leitores a fazerem a sua própria reflexão do que andou mal na economia e na política do país e dos caminhos que importa trilhar para que deixemos este beco de desgraça para onde nos deixámos conduzir.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

terça-feira, abril 21, 2009

A localização da empresa industrial: da história da teoria às questões da actualidade

O quadro conceptual que informa a teoria da localização da empresa começou a ser construído nos finais do século XVIII, suportado em estudos empíricos da organização espacial da sociedade e da distribuição das actividades. Johann H. VON THÜNEN foi o responsável pelo modelo que está na origem do corpo de teorias que respeitam à localização urbana das actividades económicas. Alfred WEBER, por sua vez, é considerado como o responsável pela elaboração da primeira teoria geral da localização industrial.
Após contributos marcantes de diversos autores, entre os quais August LÖSCH, que produziu uma síntese integradora dos contributos anteriores e alargou o problema da localização industrial a todo o sistema económico, a explicação do fenómeno da localização evoluiu por dois caminhos distintos. O primeiro continuou a procura do custo mínimo, na tradição de Alfred WEBER. O segundo investiga a interdependência locativa das empresas, na sequência de August LÖSCH.
O problema locativo desenvolvido da forma como foi progressivamente emergindo no contexto do debate teórico mantido tendeu a tornar complexo em demasia aquilo que para a empresa industrial é mais simples, e deixou de adiantar quaisquer “novos” factores de localização. A verdade é que os fluxos inter-regionais de factores de produção e mercadorias ou a localização, em simultâneo, de todas as actividades económicas no espaço transcendem os interesses imediatos do empresário. Para além disso, é duvidoso que as preocupações deste se centrem na procura da localização “ideal” ou óptima através da minimização dos custos ou da maximização dos lucros.
Aparte isso, os autores das teorias de localização só tardiamente se preocuparam com dimensões fundamentais da vida económica actual como são a localização da empresa estrangeira, as diferenças de comportamento locativo entre a empresa doméstica e a estrangeira ou a implantação de empresas de alta tecnologia, que normalmente se concretiza em áreas circunscritas geograficamente.
Se uma grande parte dos modelos de localização interpretam as escolhas de localização das empresas à luz dos dois grandes determinantes que são os custos de transporte, por uma lado, e as economias de aglomeração, por outro, obviamente que o respectivo valor interpretativo é ainda mais questionado quando, como na actualidade, por força de inovações várias, tecnológicas, organizacionais, os ditos custos assumem uma pequena incidência no valor final das mercadorias na indústria e o quadro territorial de operação da empresa deixou de ser o regional ou, mesmo, o nacional.
Para explicar os desenvolvimentos recentes em matéria de localização e organização das actividades têm vindo a emergir contributos centrados no conceito de operação em rede, sejam redes de empresas sejam redes de cidades. Estes contributos vêm fornecendo “interpretações mais convincentes e mais coerentes” da localização empresarial observada nalguns lugares e dos padrões territoriais emergentes. Esta operação em rede permite às empresas e aos centros parceiros desenvolverem especializações complementares que, por força da respectiva complementaridade de produtos/processos, lhes garante as economias de escala e de aglomeração próprias das empresas e de centros maiores e lhes permite servir mercados comuns de forma competitiva.
Mais fácil que fazer funcionar em rede organizações autónomas e territórios imbuídos de tradições e valores sociais diferenciados (importa não subestimar as diferenças culturais e as resistências às mudanças que podem emergir nesses contextos), é planear e coordenar operações no seio das próprias empresas multinacionais ou multi-estabelecimentos, o que as novas tecnologias de comunicação e informação vieram tornar relativamente banal. Na mesma dimensão em que essas tecnologias desvalorizam o peso dos factores de localização “externos”, fazem emergir uma lógica de inserção no espaço interna à organização, que lhes facilita a deslocalização de algumas das suas funções e a segmentação espacial das actividades. No novo quadro de ordenamento geo-económico, as unidades de produção territorialmente organizadas podem até ser substituídas, quando não se imponham exigências fortes de relações de proximidade física, pela formação de cadeias de valor globalizadas que geram concorrência entre “clusters” locais, cidades e regiões organizadas, para gerar espaços funcionais de aglomerados multinacionais.
Sendo assim, embora, eventuais exigências de relação face-a-face com fornecedores de serviços e com centros de investigação e desenvolvimento, e de acesso a bacias de emprego altamente qualificado ou a infra-estruturas e redes logísticas muito sofisticadas ditarão que haja também vencedores e perdedores nesse processo de reconfiguração produtiva dos territórios. Nesse contexto, o voluntarismo e capacidade que as autoridades públicas mantenham de posicionarem o respectivo território na disputa pela sedeação dos estabelecimentos, industriais ou de serviços avançados, pode ser essencial, sendo certo que nem tudo se resolve ou, melhor, muito pouco se resolve pela via das guerras de incentivos, fiscais ou financeiros.

J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

sexta-feira, janeiro 02, 2009

O desenvolvimento de Leiria e do país no ano de 2009

Jornal de Leiria
Resposta às questões colocadas pela jornalista Raquel Silva, em 08/12/26

P – Que factos acha que irão marcar o ano de 2009, ao nível do desenvolvimento regional de Leiria, e porquê?
R – O desenvolvimento de Leiria e do país no ano de 2009 será fortemente condicionado pela situação de crise financeira e económica que se vive nesta altura na Europa e no mundo, e que não estará superada num horizonte de curto-prazo. Será igualmente condicionado pela lucidez das políticas públicas que forem prosseguidas, sendo que a indicação que nos vem dos derradeiros anos não permite alimentar grandes expectativas. No essencial, diria, o futuro económico e social de Leiria e do território envolvente resultarão da ousadia e capacidade de iniciativa dos seus agentes, empresas, outros agentes de desenvolvimento e poder político local. A concretização do comboio de alta velocidade é um projecto importante para Leiria, se pensado à luz da criação de um novo sistema, intermodal, de transportes. Entretanto, não deverá haver notícias desse projecto em 2009.

P – Personalidades que acha que irão destacar-se e porquê?
R – O que tem marcado o território “centrado” em Leiria nas décadas mais recentes e a respectiva dinâmica de desenvolvimento têm sido a ausência de liderança e de estratégia, isto é, de uma estratégia para este território claramente enunciada e de alguém que a protagonize dentro e fora da “região”, entidade colectiva ou personalidade. Isto não é contraditório com a exigência de lideranças estritamente locais, que até podem jogar (jogaram, de facto) em sentido contraditório com a situação enunciada.
Não é óbvio que esta realidade se altere substantivamente no decurso de 2009, embora haja esboço de uma tomada de consciência desse problema e estejam a ser dados passos tímidos na direcção certa. Uma reunião ocorrida há dias na sede da ADLEI dá-me indicações nesse sentido.

P – O que seria desejável que acontecesse/o que deveria ser feito para que as coisas melhorassem?
R – Como deixei dito, a resposta parece estar a ser esboçada no seio do “fórum” que é a ADLEI. Não sei é se a Direcção da ADLEI será capaz e quererá tomar o papel difícil que na reunião que invoco lhe foi sugerido que tomasse. Esse papel é o de constituir-se em agitador de uma consciência colectiva do território em que pretende actuar e um animador da comunicação entre os seus principais agentes (agentes culturais, estruturas empresariais, actores políticos, personalidades de diversos quadrantes de intervenção social). É o ponto de partida possível para a criação de uma liderança para este território e de parcerias para o seu desenvolvimento, por contraponto de projectos isolados, porventura bem intencionados, mas que, enquanto tal, serão incapazes de constituir resposta para a afirmação económica, social e política do território em referência. Aliás, é bom que se tenha presente que, no quadro de concorrência entre territórios e respectivas “elites”, o vazio deixado por uns é rapidamente preenchido por outros.

Braga, 28 de Dezembro de 2008

J. Cadima Ribeiro
(entrevista divulgada na edição de hoje do Jornal de Leiria)

sexta-feira, setembro 26, 2008

O Benéfico megalómano

O dicionário da língua portuguesa contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa define megalómano como: “1. +Psiq. Que sofre de megalomania = Megalomaníaco. 2. Que tem gosto pelas coisas de grande porte ou de grande alcance; que tem ambição desmedida...”. Apesar dos investimentos não terem gostos, vamos fingir que sim, pois assim foram descritos os futuros investimentos nas infra-estruturas deste país. Mas será que são todos projectos de ambição desmedida? Será que querem ter tão grande alcance quanto o sugerido pelo conceito que é enunciado? Não será que, na realidade, muitos deles servem apenas para trazer Portugal para uma Europa que nos foge? A concretizarem-se, não servirão antes para atenuar as diferenças nos rendimentos de diferentes regiões do território nacional?
Dado que toda a discussão é expressa em milhões de euros, temos a sensação de ficar perdidos na contagem dos zeros que a nós, especialmente a nós, tanto nos fazem falta. Graças a alguns dados, convenientemente simplificados, decidi averiguar a necessidade daquela “catrozada” de zeros que nos leva sempre para o lado imaginário da vida.
O número índice que compara o poder de compra de diferentes unidades estatístico-territoriais do país, conhecido por “Indicador per Capita” de poder de compra (IpC) foi a minha primeira escolha. De acordo com o “Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio – 2005”, do INE, referido às NUTS II (unidades estatísticas de nível II), e tomando para valor base (100) a média Portuguesa, Lisboa possuía na referida data um IpC de 137,3 pontos, ao passo que o Norte possuía um IpC de 85,4. A diferença de 51,9 pontos de IpC parece-me “megalómana” (e nem tem zeros!). Mas porque assim se corre o risco de impedir a imaginação de se exprimir, talvez seja mais útil referir-me a um outro número que dê expressão do rendimento relativo auferido por diferentes indivíduos. Assim, de acordo com “o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem nos estabelecimentos”, enquanto que um “Lisboeta” faz 1173,68 € mensais, um “Nortenho” faz 785,18€, o que dá uma diferença de 388,5 €, valor este que é próximo do salário mínimo nacional.
Penso que aqui o significado de megalómano já se aplica, porque para atenuar esta enorme diferença terá de haver uma ambição desmedida, mas necessária. Digo “desmedida” porque dificilmente se encontra escala para o trabalho que é atenuar as diferenças entre todas as regiões do país, de que é exemplo a diferença de poder de compra da NUT II Norte face a Lisboa. Para mais, dizer “Estes investimentos iriam gerar um rendimento necessário para compensar os seus custos” não é tão fácil como dizer “Estes investimentos são Megalómanos”. É que a primeira afirmação usa mais 8 palavras. Um gasto aparentemente excessivo.
Os constantes investimentos públicos na área metropolitana de Lisboa é que possibilitaram todo o investimento privado que favorece a vida dos seus habitantes. Alguma vez se imagina um CEO (director executivo de empresas) asiático, representante de uma multinacional enriquecida pelo aproveitamento comercial das tecnologia de informação, que viaje até Portugal, fazer de seguida o trajecto até Vila Real ou mesmo Braga, depois de 5 a 8 horas de voo? Não é impossível que tal aconteça. Mas porque não há-de tratar o que tem que tratar em Lisboa, onde tem pessoal especializado e infra-estruturas preparadas na mesma dimensão que outras regiões do país foram negligenciadas na provisão desses mesmos recursos e infra-estruturas?
Nem toda a gente trocaria o carro pelo comboio, barco ou avião. Nem toda a gente abriria uma nova empresa, mas haveria quem o fizesse, e haveria quem arranjasse emprego em razão disso. Quero eu dizer, haveria uma alternativa benéfica para todos. Certamente que estas populações que se situam abaixo da média nacional em termos de rendimentos (já ela miserável comparada com a da União Europeia) tirariam partido de alguns dos “investimentos megalómanos” que tão contestados têm sido. Estes, por sua vez, trazer-lhe-iam a equidade social que lhes é devida.
José Pedro Cadima
jpgcadima@gmail.com
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(artigo de opinião a sair no número de 30 de Setembro p.f. do Suplemento de Economia do Diário do Minho)

terça-feira, março 25, 2008

Estratégias de articulação e organização territorial para a região Norte

A competitividade territorial é actualmente um objectivo político de primeira ordem. A construção de um território económico competitivo implica assumir a dialéctica que resulta da confrontação entre o global e o local. Neste contexto, a forma de organização do território revela-se como um elemento de uma importância capital. A visão do território como um contentor de recursos desarticulados está actualmente desactualizada. O entendimento do espaço como uma componente neutral, com funções de suporte, não responde aos desafios da racionalidade competitiva dominante. Presentemente, o território assume-se como um factor de competitividade de grande relevância, pelas vantagens em termos de disponibilidade de recursos e de redução de custos que pode chegar a induzir. Obviamente, a dimensão dessas vantagens dependerá, em grande medida, da forma de organização territorial e, sobretudo, da adaptabilidade da estrutura resultante às necessidades internas e às exigências da competição externa.
O modelo territorial da região Norte deve, neste sentido, ser objecto de uma re-configuração, destinada a conseguir uma estrutura mais flexível e adaptativa, que permita uma aproximação directa aos recursos e serviços e uma redução dos custos externos, de acesso e mobilidade e, inclusivamente, de gestão dos serviços comuns. O sistema de planeamento e organização do território que dominou durante décadas as intervenções de política pública e que se construiu à volta do grande centro polarizador, o Porto, contribuiu para a intensificação das assimetrias espaciais, ao retro-alimentar as dinâmicas polarizadoras associadas aos intensos desequilíbrios em termos de dimensão urbana.
Actualmente o território da região Norte caracteriza-se, do ponto de vista espacial, pela existência de seis tipos de áreas: i) a Área Metropolitana do Porto (AMP), que tem o seu centro na cidade do Porto, e que é um espaço predominantemente urbano onde se constatam intensas relações de interdependência funcional interna; ii) uma malha urbano-industrial descontínua, que circunda a referida área metropolitana e que está integrada por cidades de pequena e média dimensão, com algumas funções terciárias, e por contínuos rururbanos, sem funções claramente definidas; iii) uma área de consolidação urbana, a nordeste da área metropolitana do Porto, com dinâmicas territoriais, produtivas e de prestação de serviços tendencialmente autónomas, constituída pelo quadrilátero formado pelas cidades de Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos; iv) os centros polarizadores, que emergem isolados e desarticulados em locais distantes das áreas urbanas enunciadas (nomeadamente no interior Transmontano), e que polarizam os territórios envolventes, atraindo as funções mais qualificadas e o emprego não agrário; v) as áreas de intermediação, onde prevalecem os conflitos no uso dos solos, a escassa dotação de infra-estruturas básicas e os espaços urbanos fragmentados e desqualificados; e, v) as áreas rurais, caracterizadas por uma estrutura económica frágil, cada vez mais dependente das transferências do Estado, pelos baixos níveis de prestação de serviços e pelas dificuldades de articulação com os centros urbanos mais próximos.
A multiplicidade tipológica das áreas definidas e a variedade dos espaços com características urbanas delimitados evidenciam a desadequação das políticas territoriais tradicionalmente implementadas, assentes num paradigma monocêntrico, promovido, em parte, pelo modelo político-administrativo vigente e a desconcentração de competências ao nível territorial, que, paradoxalmente, reproduz o modelo nacional e origina centralização à escala regional. Essas políticas territoriais, que promovem as dinâmicas e vínculos centrípetos e subalternizam os territórios externos ao centro, são manifestamente inapropriadas em contextos espaciais com múltiplas dinâmicas urbanas funcionalmente independentes. A necessária re-configuração territorial deve basear-se, consequentemente, num policentrismo adaptado, assumindo um conceito de centro mais vasto, retirando-lhe parte do seu conteúdo geográfico e potenciando o seu significado funcional. Esse modelo policêntrico deve definir-se, pelo menos parcialmente, por oposição aos modelos monocêntrico e difuso, dado que o primeiro estabelece uma hierarquia espacial muito rígida, que abafa as dinâmicas alheias ao centro dominante, e o segundo assume tacitamente a ausência de hierarquia espacial, reduzindo as vantagens derivadas da diferenciação dos territórios.
As estratégias territoriais para a região Norte devem combinar a coesão e a competitividade territorial. A implementação dessas estratégias implica assumir o diagnóstico anterior e definir, consequentemente, áreas funcionais consistentes em termos de dimensão, conectividade, actividade económica e atractividade, e em termos de partilha institucional e de experiência no desenvolvimento de projectos comuns. A criação de estruturas organizativas nessas áreas funcionais, para a implementação de políticas e o desenvolvimento de projectos, seria um grande avanço para a consolidação de um modelo territorial de base policêntrica. Sem dúvida, este seria muito mais adequado para potenciar a competitividade territorial de espaços como o quadrilátero de desenvolvimento Braga-Guimarães-Famalicão-Barcelos, ao permitir a definição de objectivos e estratégias territoriais mais apropriados e ao garantir uma tomada de decisões mais descentralizada e autónoma.
FRANCISCO CARBALLO-CRUZ
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(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")