É interessante conferir as coisas desencontradas que por estes dias se têm escrito a propósito do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que o governo português se propõe apresentar em Bruxelas nos próximos dias. Ilustrando isso, retenho excertos de alguns textos que li:
i) “O programa de Estabilidade e Crescimento que […] vai ser discutido no Parlamento acaba por ser o possível. E dentro do universo dos caminhos possíveis, é sensato, pragmático e, para quem o queira ver, orienta-nos para uma nova relação com o Estado e a sociedade” (Helena Garrido, Jornal de Negócios, 22 de Março);
ii) “Este não é o tempo dos Vencidos da Vida. Porque neste Portugal, entre um PEC e a estagnação, há quem esteja convencido que é um vencedor. Mesmo se todos à sua volta forem vencidos” (Fernando Sobral, Jornal de Negócios, 22 de Março);
iii) “Ataca o problema mais preocupante (mesmo que não seja o mais importante), aponta na direcção certa, contém algumas medidas ousadas, inverte parcialmente um caminho que muitos de nós vinham considerando errado e parece ter condições para sossegar aqueles que, no exterior, podem ter influência nos custos financeiros que a actual situação nos acarreta” (Vítor Bento, Jornal de Negócios, 22 de Março);
iv) “As medidas que estão a ser citadas como merecendo reserva de alguns ministros dizem respeito às alterações nos apoios sociais. O PEC prevê o congelamento de alguns apoios sociais que não têm por base contribuições e alterações no subsídio de emprego” (Redacção, Jornal de Negócios, 22 de Março);
v) “[…] atendendo à situação calamitosa a que o País chegou, muitas destas medidas, mesmo as injustas, teriam que ser assumidas por qualquer Governo que perseguisse estes mesmos objectivos num tão estreito corredor temporal. Mas […] tem a imperdoável mancha de ser um documento totalmente orientado para a consolidação orçamental e que descura por completo a vertente de promoção do crescimento económico do País” (Ricardo Rio, Suplementos de Economia, 19 de Março);
vi) “Portugal precisa de uma consolidação da sociedade, antes de pensar no deve e haver. Este problema já não se resolve com contas de subtrair. Modifica-se com um novo olhar sobre o país, sobre o futuro que quer para quem cá vive e sobre o modelo que deve seguir para o conseguir” (Fernando Sobral, Jornal de Negócios, 22 de Março);
vii) “[…] é essencial que as forças políticas mais responsáveis, e que têm tido a principal responsabilidade no governo do actual regime político, lhe assegurem o apoio necessário a garantir-lhe a credibilidade no exterior. Melhorando-o, se necessário, mas não lhe virando as costas” (Vítor Bento, Jornal de Negócios, 22 de Março);
viii) “ Se o PEC já tinha contra si o facto de ser tímido no corte de despesa pública e a reserva mental do PSD, como é que estas divergências, intra-partidárias, vão ser recebidas pelos mercados e agências de rating?” (Camilo Lourenço, Jornal de Negócios, 22 de Março);
x) “Um programa que aponta como meta de futuro a degradação dos salários reais, a precariedade, o trabalho temporário, o aumento crescente e permanente do desemprego, a ansiedade como companheira inseparável da vida, a desagregação social, enfim, um sistema que não é capaz de criar as condições mínimas de vida em sociedade e relega uma parte considerável dos seus membros, ano após ano, para a periferia da vida, é um sistema que tem de ser derrubado por qualquer meio!” (JM Correia Pinto, Politeia, 18 de Março).
Arrumadas de forma mais ou menos arbitrária e fazendo uso de um número limitado de fontes, referidas a um intervalo de tempo curto e a vários autores, estas citações darão, creio, uma imagem razoavelmente fidedigna da complexidade da problemática e da enorme controvérsia que a enforma. Quem não o percebesse, ficaria também a saber que há dimensões nesse debate que se filiam no modelo de sociedade que queremos ter e, bem assim, que interpelam o regime político e seus protagonistas. É também por isso que este debate não dá espaço para um qualquer enunciado conciliador de visões e propostas, quer dizer: rejeita-se o modelo de gestão da economia que nos conduziu a este beco ou admite-se que, ao virar da esquina, o beco não desemboca num precipício; repudia-se o sistema político fechado, anquilosado que gera e alimenta tão maus gestores da coisa pública ou acha-se que políticos tão maus são acaso geracional ou fruto de circunstancialismos sociais e culturais precários.
Curiosamente, há quem consiga “esquecer” que as políticas prosseguidas não são socialmente neutras, como se a desigualdade na distribuição de rendimento em Portugal não fosse já a mais elevada da União Europeia (a par da Roménia). Estranhamente, há quem apele à convergência na superação das dificuldades que se vivem (há uma dezena de anos) às “forças políticas mais responsáveis”, não lhe causando desconforto, sequer, que tenham “tido a principal responsabilidade no governo do actual regime político”.
Num quadro de crise e de ausência de projecto, aceito que é hora de convocar os portugueses. É entretanto para um projecto de crescimento da economia portuguesa que importa convocá-los, que é, aliás, a única forma estrutural de combater défices orçamentais, de empregos e das contas externas. Estou certo da respectiva adesão. Têm é que perceber na entidade convocante uma vontade e uma postura que não seja a da conveniência da preservação do poder. Têm é que reconhecer nessa entidade alguém que dialoga, que é credível e capaz de ser solidário nos maus momentos, que tem humildade e inteligência suficiente para entender que projectos mobilizadores se suportam em ideias e agentes mobilizadores, e que sabe que contractos sociais (de desenvolvimento) se celebram com os actores sociais e não com membros de outras confrarias.
Fazem sentido os programas de estabilidade e crescimento? Claro que fazem, quando tenham como objectivo o crescimento económico e o bem-estar das populações. Serão é outros PECs.!
J. Cadima Ribeiro
i) “O programa de Estabilidade e Crescimento que […] vai ser discutido no Parlamento acaba por ser o possível. E dentro do universo dos caminhos possíveis, é sensato, pragmático e, para quem o queira ver, orienta-nos para uma nova relação com o Estado e a sociedade” (Helena Garrido, Jornal de Negócios, 22 de Março);
ii) “Este não é o tempo dos Vencidos da Vida. Porque neste Portugal, entre um PEC e a estagnação, há quem esteja convencido que é um vencedor. Mesmo se todos à sua volta forem vencidos” (Fernando Sobral, Jornal de Negócios, 22 de Março);
iii) “Ataca o problema mais preocupante (mesmo que não seja o mais importante), aponta na direcção certa, contém algumas medidas ousadas, inverte parcialmente um caminho que muitos de nós vinham considerando errado e parece ter condições para sossegar aqueles que, no exterior, podem ter influência nos custos financeiros que a actual situação nos acarreta” (Vítor Bento, Jornal de Negócios, 22 de Março);
iv) “As medidas que estão a ser citadas como merecendo reserva de alguns ministros dizem respeito às alterações nos apoios sociais. O PEC prevê o congelamento de alguns apoios sociais que não têm por base contribuições e alterações no subsídio de emprego” (Redacção, Jornal de Negócios, 22 de Março);
v) “[…] atendendo à situação calamitosa a que o País chegou, muitas destas medidas, mesmo as injustas, teriam que ser assumidas por qualquer Governo que perseguisse estes mesmos objectivos num tão estreito corredor temporal. Mas […] tem a imperdoável mancha de ser um documento totalmente orientado para a consolidação orçamental e que descura por completo a vertente de promoção do crescimento económico do País” (Ricardo Rio, Suplementos de Economia, 19 de Março);
vi) “Portugal precisa de uma consolidação da sociedade, antes de pensar no deve e haver. Este problema já não se resolve com contas de subtrair. Modifica-se com um novo olhar sobre o país, sobre o futuro que quer para quem cá vive e sobre o modelo que deve seguir para o conseguir” (Fernando Sobral, Jornal de Negócios, 22 de Março);
vii) “[…] é essencial que as forças políticas mais responsáveis, e que têm tido a principal responsabilidade no governo do actual regime político, lhe assegurem o apoio necessário a garantir-lhe a credibilidade no exterior. Melhorando-o, se necessário, mas não lhe virando as costas” (Vítor Bento, Jornal de Negócios, 22 de Março);
viii) “ Se o PEC já tinha contra si o facto de ser tímido no corte de despesa pública e a reserva mental do PSD, como é que estas divergências, intra-partidárias, vão ser recebidas pelos mercados e agências de rating?” (Camilo Lourenço, Jornal de Negócios, 22 de Março);
x) “Um programa que aponta como meta de futuro a degradação dos salários reais, a precariedade, o trabalho temporário, o aumento crescente e permanente do desemprego, a ansiedade como companheira inseparável da vida, a desagregação social, enfim, um sistema que não é capaz de criar as condições mínimas de vida em sociedade e relega uma parte considerável dos seus membros, ano após ano, para a periferia da vida, é um sistema que tem de ser derrubado por qualquer meio!” (JM Correia Pinto, Politeia, 18 de Março).
Arrumadas de forma mais ou menos arbitrária e fazendo uso de um número limitado de fontes, referidas a um intervalo de tempo curto e a vários autores, estas citações darão, creio, uma imagem razoavelmente fidedigna da complexidade da problemática e da enorme controvérsia que a enforma. Quem não o percebesse, ficaria também a saber que há dimensões nesse debate que se filiam no modelo de sociedade que queremos ter e, bem assim, que interpelam o regime político e seus protagonistas. É também por isso que este debate não dá espaço para um qualquer enunciado conciliador de visões e propostas, quer dizer: rejeita-se o modelo de gestão da economia que nos conduziu a este beco ou admite-se que, ao virar da esquina, o beco não desemboca num precipício; repudia-se o sistema político fechado, anquilosado que gera e alimenta tão maus gestores da coisa pública ou acha-se que políticos tão maus são acaso geracional ou fruto de circunstancialismos sociais e culturais precários.
Curiosamente, há quem consiga “esquecer” que as políticas prosseguidas não são socialmente neutras, como se a desigualdade na distribuição de rendimento em Portugal não fosse já a mais elevada da União Europeia (a par da Roménia). Estranhamente, há quem apele à convergência na superação das dificuldades que se vivem (há uma dezena de anos) às “forças políticas mais responsáveis”, não lhe causando desconforto, sequer, que tenham “tido a principal responsabilidade no governo do actual regime político”.
Num quadro de crise e de ausência de projecto, aceito que é hora de convocar os portugueses. É entretanto para um projecto de crescimento da economia portuguesa que importa convocá-los, que é, aliás, a única forma estrutural de combater défices orçamentais, de empregos e das contas externas. Estou certo da respectiva adesão. Têm é que perceber na entidade convocante uma vontade e uma postura que não seja a da conveniência da preservação do poder. Têm é que reconhecer nessa entidade alguém que dialoga, que é credível e capaz de ser solidário nos maus momentos, que tem humildade e inteligência suficiente para entender que projectos mobilizadores se suportam em ideias e agentes mobilizadores, e que sabe que contractos sociais (de desenvolvimento) se celebram com os actores sociais e não com membros de outras confrarias.
Fazem sentido os programas de estabilidade e crescimento? Claro que fazem, quando tenham como objectivo o crescimento económico e o bem-estar das populações. Serão é outros PECs.!
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
Sem comentários:
Enviar um comentário