Depois de muitas décadas de pobreza e de exclusão dos circuitos do progresso económico, o continente africano tem merecido, nos últimos anos, uma atenção crescente por parte dos investidores internacionais, graças ao interesse que o seu potencial de crescimento tem despertado nas economias emergentes, nomeadamente na China. Os principais investidores estrangeiros começam a ver este continente como uma fonte de oportunidades, não só pelas riquezas minerais do seu subsolo ou pela sua capacidade de desenvolvimento agrícola, mas também pelo potencial de crescimento de alguns dos seus mercados de consumo.
Durante o ano de 2008, um ano de forte contracção dos fluxos de capital estrangeiro em todo o mundo, como consequência da crise económica e financeira, o investimento directo estrangeiro (IDE) em África batia um recorde histórico ao atingir quase 90.000 milhões de dólares. Entre 2003 e 2009, os investidores europeus foram os mais activos (190.000 milhões), seguidos dos do Oriente Próximo (170.000 milhões), dos de América do Norte (120.000 milhões) e dos dos BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – (60.000 milhões).
Nesse período a China materializou investimentos por um montante aproximado de 28.000 milhões de dólares, distribuídos em 86 grandes projectos de desenvolvimento. Para além da sua crescente participação na dinâmica de investimento, a China também incrementou, nos últimos anos, a sua quota comercial em África tendo-se tornado no segundo sócio comercial do continente, ao atingir, em 2008, intercâmbios por valor de 107.000 milhões de dólares.
O papel da China em África é também destacado em termos de ajuda ao desenvolvimento. Este país concedeu, nos últimos anos, 10.000 milhões de dólares em empréstimos bonificados e cancelou a dívida a alguns dos países mais pobres do continente. Ademais, a sua participação em iniciativas de assistência técnica e de assessoria, em várias áreas de intervenção, demonstra que o gigante asiático tem uma estratégia bem definida no continente, que para além da económica abrange dimensões de natureza política ou social.
Apesar do impacto positivo do investimento Chinês em África, a sua distribuição sectorial e as consequências sociais de algumas operações merecem uma análise pormenorizada. No sector agrícola esta chamada de atenção é especialmente oportuna, nomeadamente porque o governo Chinês e os investidores privados desse país têm comprado ou alugado grandes extensões de terra para cultivo, podendo provocar impactos significativos sobre o tecido social e produtivo das economias locais. A produção de alimentos, para garantir o fornecimento do seu mercado interno, é o objectivo fundamental da maioria das transacções efectuadas, mas algumas das terras adquiridas têm como finalidade última a produção de bio-combustíveis.
A maioria das transacções é negociada directamente entre as autoridades políticas dos estados. Contudo, os investidores privados, directamente ou através de fundos de investimento, estão a posicionar-se também no mercado da terra. Por exemplo, vários investidores Chineses adquiriram, recentemente, 2,8 milhões de hectares na República Democrática do Congo e negoceiam a reserva de 2 milhões na Zâmbia, para a produção de bio-combustíveis. Acresce que o fundo soberano CIC (China Investment Corporation) tem adquirido participações em várias empresas locais de produção de cereais e de extracção e comercialização de minerais.
Para uma compreensão mais completa do fenómeno da deslocalização agrícola convém referir os seguintes aspectos. Em primeiro lugar, que o interesse Chinês não se cinge exclusivamente ao continente africano, dado que em alguns países do Sudeste Asiático, como Laos, Myanmar ou Filipinas, a sua política de compras tem sido também extremamente activa. Em segundo lugar, que há outros países com uma política similar nesta matéria, como a Índia, a Coreia do Sul e alguns países do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes e o Qatar. Em terceiro lugar, que o interesse dos privados por este tipo de operações tem vindo a aumentar, e alguns fundos e bancos de investimento, nomeadamente britânicos, estão a negociar aquisições maciças em Moçambique, África do Sul, Botswana, Zâmbia, Angola, e a República Democrática do Congo.
Estas compras massivas de terras colocam sérios riscos para os camponeses e as populações rurais de alguns países africanos, que serão expulsos das suas terras e poderão ter condicionado o acesso à água e a outros recursos fundamentais para a sua existência quotidiana. Adicionalmente, os impactos ambientais das monoculturas de bio-combustíveis sobre o terreno são pouco conhecidos, mas alguns dos já conhecidos são certamente negativos.
Os fluxos de investimento estrangeiro oriundos da China estão a ter consequências muito positivas sobre o crescimento económico de vários países africanos. Ademais, estão a provocar efeitos de arrastamento de grande importância, ao terem despertado um renovado interesse pelo continente, tanto em países desenvolvidos como nas grandes economias emergentes (Brasil, Índia e Rússia). Contudo, os impactos sociais e ambientais do investimento no sector agrícola devem ser objecto de um cuidadoso escrutínio por parte das organizações internacionais com incumbência nestas matérias. Tantos anos de espera merecem que o crescimento se traduza num desenvolvimento equitativo e sustentável.
Francisco Carballo-Cruz
(artigo de opinião publicado na edição de 2010/03/16 do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
Durante o ano de 2008, um ano de forte contracção dos fluxos de capital estrangeiro em todo o mundo, como consequência da crise económica e financeira, o investimento directo estrangeiro (IDE) em África batia um recorde histórico ao atingir quase 90.000 milhões de dólares. Entre 2003 e 2009, os investidores europeus foram os mais activos (190.000 milhões), seguidos dos do Oriente Próximo (170.000 milhões), dos de América do Norte (120.000 milhões) e dos dos BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – (60.000 milhões).
Nesse período a China materializou investimentos por um montante aproximado de 28.000 milhões de dólares, distribuídos em 86 grandes projectos de desenvolvimento. Para além da sua crescente participação na dinâmica de investimento, a China também incrementou, nos últimos anos, a sua quota comercial em África tendo-se tornado no segundo sócio comercial do continente, ao atingir, em 2008, intercâmbios por valor de 107.000 milhões de dólares.
O papel da China em África é também destacado em termos de ajuda ao desenvolvimento. Este país concedeu, nos últimos anos, 10.000 milhões de dólares em empréstimos bonificados e cancelou a dívida a alguns dos países mais pobres do continente. Ademais, a sua participação em iniciativas de assistência técnica e de assessoria, em várias áreas de intervenção, demonstra que o gigante asiático tem uma estratégia bem definida no continente, que para além da económica abrange dimensões de natureza política ou social.
Apesar do impacto positivo do investimento Chinês em África, a sua distribuição sectorial e as consequências sociais de algumas operações merecem uma análise pormenorizada. No sector agrícola esta chamada de atenção é especialmente oportuna, nomeadamente porque o governo Chinês e os investidores privados desse país têm comprado ou alugado grandes extensões de terra para cultivo, podendo provocar impactos significativos sobre o tecido social e produtivo das economias locais. A produção de alimentos, para garantir o fornecimento do seu mercado interno, é o objectivo fundamental da maioria das transacções efectuadas, mas algumas das terras adquiridas têm como finalidade última a produção de bio-combustíveis.
A maioria das transacções é negociada directamente entre as autoridades políticas dos estados. Contudo, os investidores privados, directamente ou através de fundos de investimento, estão a posicionar-se também no mercado da terra. Por exemplo, vários investidores Chineses adquiriram, recentemente, 2,8 milhões de hectares na República Democrática do Congo e negoceiam a reserva de 2 milhões na Zâmbia, para a produção de bio-combustíveis. Acresce que o fundo soberano CIC (China Investment Corporation) tem adquirido participações em várias empresas locais de produção de cereais e de extracção e comercialização de minerais.
Para uma compreensão mais completa do fenómeno da deslocalização agrícola convém referir os seguintes aspectos. Em primeiro lugar, que o interesse Chinês não se cinge exclusivamente ao continente africano, dado que em alguns países do Sudeste Asiático, como Laos, Myanmar ou Filipinas, a sua política de compras tem sido também extremamente activa. Em segundo lugar, que há outros países com uma política similar nesta matéria, como a Índia, a Coreia do Sul e alguns países do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes e o Qatar. Em terceiro lugar, que o interesse dos privados por este tipo de operações tem vindo a aumentar, e alguns fundos e bancos de investimento, nomeadamente britânicos, estão a negociar aquisições maciças em Moçambique, África do Sul, Botswana, Zâmbia, Angola, e a República Democrática do Congo.
Estas compras massivas de terras colocam sérios riscos para os camponeses e as populações rurais de alguns países africanos, que serão expulsos das suas terras e poderão ter condicionado o acesso à água e a outros recursos fundamentais para a sua existência quotidiana. Adicionalmente, os impactos ambientais das monoculturas de bio-combustíveis sobre o terreno são pouco conhecidos, mas alguns dos já conhecidos são certamente negativos.
Os fluxos de investimento estrangeiro oriundos da China estão a ter consequências muito positivas sobre o crescimento económico de vários países africanos. Ademais, estão a provocar efeitos de arrastamento de grande importância, ao terem despertado um renovado interesse pelo continente, tanto em países desenvolvidos como nas grandes economias emergentes (Brasil, Índia e Rússia). Contudo, os impactos sociais e ambientais do investimento no sector agrícola devem ser objecto de um cuidadoso escrutínio por parte das organizações internacionais com incumbência nestas matérias. Tantos anos de espera merecem que o crescimento se traduza num desenvolvimento equitativo e sustentável.
Francisco Carballo-Cruz
(artigo de opinião publicado na edição de 2010/03/16 do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")
1 comentário:
Estive a ler com particular interesse este artigo, visto que já fui um dos muitos portugueses que se encontram hoje em dia em África a trabalhar, nomeadamente em Angola. Ademais, apesar de apenas só conhecer este país referenciado, menciono que a ideia que lá prolifera é igualmente idêntica ao que se passa em todo o Continente, como aqui é refenciado.
Lá, existem 3 países predominantes em termos de investidores, que são a China, Brasil e Portugal, porém países como a Rússia, Inglaterra, EUA, Líbia e Libano têm também uma presença relativamente forte.
É público que a China já emprestou muito dinheiro a Angola, mas "fala-se" que a divida poderá ser perdoada, através da troca de contrapartidas, ou seja, "fala-se" da intenção da China ficar com o dominio da Provincia do Lubango, que é nada mais nada menos que uma das melhores zonas de toda a África para a actividade agricola e uma das maiores Provincias de Angola, como também foi muito bem referenciado no artigo.
Mostro aqui exemplos particulares que corresponde à generalidade do artigo.
Apenas gostaria de questionar até que ponto esse "dominio" da China será ou não benéfico para o desenvolvimento dos países africanos, quando me recordo de obras que eles realizaram e passados poucos meses essas suas obras já estavam totalmente danificadas, basta-nos lembrar de um artigo que saiu no ano passado, julgo no "Jornal de Negócios", em que mostrava que a linha férrea de ligação entre Huambo e Benguela era de forma oval e não linear... será o investimento chinês de qualidade? não me parece muito sinceramente...
Cumprimentos
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