Resposta a questões colocadas por dois estudantes de economia da Fac. de Economia da UNLisboa (I.T. e H.P.A.), no âmbito dos trabalhos de uma sua unidade curricular
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P: De que forma a regulação do mercado de trabalho afecta a competitividade externa de um país?
R: Num quadro de funcionamento em economia aberta, tudo o que possa reflectir-se nos custos, na agilidade de operação corrente e na capacidade de modificar as condições em que se opera são dados relevantes em termos de competitividade geral das empresas e, por conseguinte, do país. Uma visão que liga custos de mão-de-obra, flexibilidade formal do mercado de trabalho e competitividade externa do país é necessariamente reducionista. Vale a pena acrescentar que há valores sociais básicos, que importa salvaguardar, que fazem com que se ofereça sem cabimento a ideia de que um mercado isento de qualquer tipo de regulação é um mercado ideal para a operação das empresas. Por outro lado, a competitividade externa das economias vive hoje sobretudo assente na qualidade e imagem dos produtos e serviços oferecidos, na respectiva novidade/singularidade e no respectivo design e marketing, na logística e na eficiência das redes de distribuição dos bens e serviços que na produção (industrial) propriamente dita. No caso português, vale ainda a pena ter presente, ainda, que a carga formal que anda associada à regulação do mercado de trabalho não espelha de modo algum a flexibilidade com que este mercado funciona, que é expressivamente maior.
P: Se houver um mercado de trabalho menos regulado, poderá isso aumentar o desemprego?
R: Como deixei dito antes, importa não confundir a carga legal e toda a panóplia de acordos de trabalho que enquadram os diferentes mercados sectoriais de trabalho com o nível de flexibilidade ou rigidez de funcionamento deste mercado. Por outro lado, é bom que se tenha presente que, até há pouco tempo (2, 3 anos), embora acusada de ter um mercado de trabalho excessivamente regulado, a economia nacional era, no conjunto da União Europeia, uma das que apresentava uma taxa de desemprego mais baixa. Ainda agora, vivendo uma situação de praticamente estagnação económica, que se arrasta deste 2002, tem uma taxa de desemprego que não é tão alta quanto as circunstâncias poderiam ditar. Isso tem que ver com o tipo de especialização produtiva da economia portuguesa, relativamente intensiva em trabalho, e com uma preocupação social e valores sociais de fundo que subsistem. Na minha perspectiva, uma das principais limitações que o mercado de trabalho nacional enfrenta é a pequena dimensão que o trabalho a tempo parcial mantém, comparativamente com outros países da UE, especialmente os países nórdicos. A valorização social e um melhor enquadramento legal desta forma de participação no mercado de trabalho poderia criar novas oportunidades em termos de emprego, ao mesmo tempo que permitiria desinvestia de um quadro de regulação mais clássico, do tipo do actual.
P: Acredita que uma menor regulação do mercado de trabalho em Portugal pode ajudar o país a ganhar competitividade face aos novos países da União Europeia?
R: Os problemas de competitividade externa do país só muito parcialmente se prendem com a regulação subsistente no mercado de trabalho, como já sublinhei. Se se olhar para os países da Europa Central e de Leste, que recentemente integraram a UE, o que é que constatamos imediatamente que os distingue de Portugal? Em primeiro lugar e sobretudo, um nível de qualificações académicas de base muito superior ao que se regista em Portugal. Depois, níveis salariais muito mais baixos, que chegam a ser um terço dos subsistentes no nosso país. Em terceiro lugar, níveis de carência em termos de oferta de infra-estruturas e serviços aos cidadãos e às empresas que os tornam especialmente apetecíveis para o investimento das empresas multinacionais que visam os respectivos mercados e/ou os dos países vizinhos. Entretanto, se olharmos para a China ou a Índia, percebemos que estes países são também pouco competitivos em termos de salários vigentes, o que nos deve levar a concluir que as respostas a encontrar em matéria de competitividade da economia destes países e de Portugal não passam, no essencial, pelos custos do trabalho, em sentido restrito, e mesmo pela legislação que o enquadra.
P: Pegando num País de idêntica dimensão a Portugal: parece-lhe que a República Checa é, actualmente, mais competitiva que Portugal? Essa diferença deve-se às diferentes regulações do mercado de trabalho?
R: Tanto quanto os dados que tenho me levam a pensar, a República Checa não atravessa, também ela, um bom momento em matéria de dinâmica económica. As razões serão diferentes das nacionais, com uma componente de instabilidade política que será relevante para perceber o que se passa. Que dados temos da República Checa que explicam o seu bom desempenho nos últimos anos? Um deles é exactamente o nível de qualificação da mão-de-obra. Um outro é a sua posição no centro da Europa, na vizinhança de alguns dos principais mercados (regionais) europeus. E um outro foi(é), porventura em razão dos dois precedentes, ter podido beneficiar de afluxos massivos de investimento directo estrangeiro, de que se tornou um dos principais destinos na Europa nos anos mais recentes. Não apresentando níveis salariais tão baixos com a Roménia ou a Bulgária, por exemplo, trata(va)-se de uma economia com níveis de corrupção bem mais baixos do que aqueles dois países, e de estruturação económico-social bem mais consolidada. Concluindo: é um erro tentar explicar a diferença de desempenho recente de Portugal e da República Checa centrando a análise nos respectivos mercados de trabalho. Mais: para perceber o desempenho da economia portuguesa nesta última década (isto é, de 2000 em diante), é essencial olhar para a respectiva gestão política e para os gravosos erros cometidos em matéria políticas de estabilização e de estratégia económica geral. Infelizmente, esta última componente (de natureza mais estrutural) parece continuar quase ausente das preocupações dos nossos decisores políticos.
Braga, 2 de Novembro de 2008
J. Cadima Ribeiro