Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

quinta-feira, setembro 22, 2011

Cartas Portuguesas - de Lisboa (IV)

PORTUGAL, UMA POESIA EM AZUL E BRANCO COM TEMPEROS EXÓTICOS - 09 Setembro
[Continuação]

Eis a revelação: Portugal pode não ter tido a sofisticação da corte dos Luises, sob a qual, aliás, um povo faminto morria de fome, indo à Revolução de 1789. Aqui, pode não ter havido baixelas de prata e sofisticados cristais sobre as mesas, mas foi o próprio povo que se sofisticou na arte de comer bem, incorporando na sua cozinha, tal como fez na genética, na arquitetura e na poesia, as sucessivas levas de produtos (azeitona e azeite), temperos ( sopa de coentro com alho picante...?) e pratos (açafrão com figos...?) de suas camadas históricas. Rigorosamente, não há culinária tão variada quanto a portuguesa, resultado tanto das várias contribuições culturais que se juntaram neste pedaço do fim do mundo, como da grande variedade geográfica e climática do antigo e precoce Reino, o primeiro da Europa, fundado em 1139 por D. Afonso, com sede em Guimarães. E onde o mapa não colaborou, a caravela providenciou, trazendo porões carregados de especiarias, de grãos, de açúcar, do mundo inteiro para as cataplanas portuguesas. O que é isto...? Apenas umas grandes frigideiras com tampa, como se fossem ostras a cultivar pérolas preciosas em seu interior... Que outro país faria da mera sopa uma fumegante iguaria? Pois “NÓS TEMOS SOPA”, dizem os portugueses, orgulhosos. Mil e uma receitas das mais estranhas combinações, dentre as quais a mais famosa, a de pão, denominadas açordas e que se tomam de garfo... E há quem diga que no norte fazem uma indescritível sopa de pedra... Não duvido.
Porém, não estará o boa cozinha portuguesa em sofisticados restaurantes. Ela está na mesa dos portugueses de todos os cantos do país e nas tascas rudimentares onde se juntam trabalhadores. E para desvendá-la nos mais mínimos detalhes de sabores e ingredientes, nada melhor do que “A Tradicional Culinária Portuguesa”, de Maria de Lourdes Modesto. Imbatível!

Carlos nos deu o nome de uma tasca. Felizmente, porque sendo tão local talvez jamais nos aventurássemos a entrar só de olhar pelo vão da porta. Com metade do tamanho de uma garagem para um carro apenas... nós nos esprememos em cadeiras numa mesinha minúscula de canto (onde) trazem rapidamente três queijos regionais junto com uma cesta de pães de fazer chorar. Em seguida, nos servem tigelas de sopa de repolho. O português na mesa ao lado nos oferece um pouco do seu javali. Isso nunca me aconteceu em nenhum outro país do mundo. Depois o garçom aparece com uma travessa de estanho com carne de porco grelhada com nacos de alho, coentro e azeite de oliva, acompanhada por um prato de cerâmica com arroz e caldo de feijão. (...) Nós nem sabemos o nome do lugar. É Manuel Zé dos Ossos? O endereço que Carlos nos deu (...) diz Beco do Forno, 12, atrás do Hotel Astoria (Coimbra). Não conseguíamos encontrá-lo e perguntamos a várias pessoas onde ficava a tasca. Todos, inclusive o policial, indicaram o local. Cada mordida é uma satisfação e curtimos a atmosfera de operários e homens de negócios alimentando-se com uma comida robusta.”
(Frances Mayes, in “Um ano de viagens”, da Editora Rocco, 2006, pg. 134)

E se o paladar já era rico em terras lusitanas, o Brasil lhe adoçou o bico, estimulando a invenção de um sem número de guloseimas como os ovos-moles, tortas irresistíveis, misturas paradisíacas de abóbora com amêndoas, o pastel de Belém, o toucinho-do-céu . Ao final, já no século XIX, ofereceu-lhe ainda o café, hoje um dos mais bem servidos e saborosos da Europa, de matar de inveja os franceses.
É José Saramago quem nos guia, hoje, por Portugal (www.citi.pt/cultura/literatura/.../saramago/via_vp1.html), como Eça de Queiros nos guiava no passado entre as “Cidades e as Serras”. Mas temos também, inúmeros guias especializados. Alguns intragáveis. Prefiro, pois, recomendar a leitura de um capítulo sobre Portugal do livro, citado acima, “Um ano de viagens”, de Frances Mayes, Editora Rocco, 2006 , uma americana apaixonada pela Europa, residente na Toscana, autora de outro livro excelente, levado ao cinema: “Sob o céu da Toscana”. Ela se pergunta, aí, sem responder, por que (?) não veio viver em Portugal, tamanho o fascínio que devota à esta terra. Acho que consigo lhe responder. Vejamos:
A Itália tem um imenso encanto próprio, eivado na sua tradição renascentista. Tudo naquele país é belo e magnífico, começando pelas pessoas, seguindo pelos seus vales, até chegar ao mais genital de sua história, no Império Romano. Não por acaso o melhor design do mundo está nos produtos italianos e a capital da moda se mudou de Paris para Milão. Uma colega da Universidade de Brasília , Maria Lucia Maciel, dedicou-se ao assunto e escreveu um memorável livro: O milagre italiano: caos, crise e criatividade (Relume Dumará/Paralelo15,1996). Conclusão: O talento abunda na Itália e se manifesta na sua industria. Foi a Itália, também, a primeira porta de entrada dos americanos na II Guerra Mundial, levando-os ao fascínio com tudo o que viam. Logo após esta Guerra, a Itália viria a vivenciar seu grande milagre econômico, chegando a converter-se numa das grandes economias européias, hoje, com 18% de seu Produto Interno. Juntando-se o espetáculo industrial com a tradição das artes e a beleza dos cenários naturais e criados, como a Toscana, a Itália acabaria seduzindo a América do Norte desertando-a de Paris. Hemingway é um bom exemplo disso, tendo ele próprio escrito “Paris é uma festa”, no início de século XX - e lá se convertido em grande escritor- , volta seus olhos para a Itália onde escreve, depois da II Guerra, outro belo romance, pouco conhecido – “Do outro lado do rio, entre as árvores” , 1950, Ed. Bertrand, Brasil- no qual revela o enlevo de um coronel americano por uma jovem e encantadora princesa italiana. A Pax Americana, em ascensão, dobrava-se à milenar Pax Romana... E lá se foi a nossa grande escritora Frances Mayes dormir seu sono de donzela na Toscana e não no Algarve.
Enquanto isto, Espanha e Portugal, que poderiam ter disputado com a Itália o esplendor do pós-guerra, continuaram mergulhados em ditaduras anacrônicas do pré-Gerra. Quando delas despertaram, na década de 70, foram engolfados pela globalização que, na Europa, atende pelo nome de União Européia, uma difícil iniciativa de nações com culturas e níveis de desenvolvimento completamente diferentes, para se contrapor a outros poderosos blocos do mercado internacional.
Portugal, entretanto, mesmo integrado à modernidade mantém seus traços provincianos de valorização da dignidade humana, presentes na qualidade de vida de seus concidadãos combinado com as aquisições de bem-estar social da Constituição de 02 de Abril de 1976, emanada da Revolução dos Cravos, de 25 de Abril de 1974. Isto lhe garante um honorável posto entre os 20 países com melhor qualidade de vida no mundo.
[Continua]

Paulo Timm

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