1. Nos últimos anos, tenho sido responsável pela docência de uma unidade curricular (u.c.) intitulada Economia Portuguesa e Europeia. O objectivo essencial dessa u.c. (ou disciplina) não é tanto apresentar novos conceitos ou teorias mas conduzir os estudantes a usar a formação adquirida previamente no seu curso (de Economia) na análise das realidades socioeconómicas nacional e da U.E. De certo modo, trata-se de levá-los a mergulhar na realidade das economias, depois de lhes terem sido explicados os princípios básicos do funcionamento das estruturas económicas, em abordagens centradas em quadros mais macro ou mais microeconómicos. Como segundo objectivo, visa-se dar-lhes competências em matéria de estruturação e elaboração de documentos técnicos e respectiva apresentação pública e de produção de textos técnicos para difusão junto de públicos não especializados.
2. Dentro do espírito da u.c., as matérias a versar vão evoluindo de acordo com as conjunturas económico-sociais vividas, para que os alunos sintam o espírito da cadeira e tendam a torná-la parte do debate do “momento”. Daí resultou a preferência que os estudantes deram no ano lectivo precedente ao tratamento de temas como os défices dos orçamentos de Estado, a regulação e o funcionamento dos mercados financeiros. No presente ano lectivo, notei com curiosidade que tenham trazido para o debate as problemáticas das energias renováveis e, muito especialmente, as da pobreza e da desigualdade de rendimentos. Sendo, seguramente, um sinal dos tempos que vivemos, não esperava que os últimos temas referidos emergissem de forma tão destacada. Não quero com isso dizer que não abundassem as justificações para o fazer. Não julgava era que existisse suficiente sensibilidade para esta matéria entre estudantes de economia, normalmente muito mais preocupados em seguir os debates sobre a eficiência dos mercados, os “grandes” projectos de investimento público e os défices públicos.
3. Na realidade, apesar da evolução económica verificada nas últimas décadas, no mundo e também em Portugal, um dos maiores desafios que continua a subsistir é o da superação da pobreza. O conceito de pobreza é complexo e multidimensional. Em termos gerais, seguindo a definição proposta em 2001 pela Comissão das Nações Unidas para os Direitos Sociais, Económicos e Culturais, a pobreza “pode ser definida como uma condição humana caracterizada pela privação sustentável e crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o aproveitamento de um padrão adequado de vida e de outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais”. A União Europeia, por sua vez, identifica a pobreza em termos de "distância económica" relativamente a 60% do rendimento mediano da sociedade.
4. Nas sociedades actuais, e nomeadamente em Portugal, existe uma grande dificuldade em caracterizar devidamente o fenómeno da pobreza. Isso acontece porque não há uma avaliação aprofundada das suas características, dos seus determinantes e um adequado seguimento da sua evolução ao longo do tempo, até pelos “embaraços” que tal situação gera nos poderes políticos.
5. Segundo dados do INE referentes ao ano 2007, são (eram) cerca de 18% os portugueses (1,9 milhões de pessoas) que vivem (viviam) ou estão (estavam) em risco de viver em situação de pobreza, sendo este um valor ligeiramente superior à média da União Europeia que, na mesma data, se situava nos 17%. Caso as transferências sociais e as pensões não existissem, a taxa de pobreza em Portugal chegaria aos 31% da população. Quer isto dizer que as transferências sociais (incluindo o rendimento social de inserção) afastam (afastaram) cerca de 13% dos indivíduos residentes em Portugal do limiar da pobreza. Na U.E., com pior situação que a portuguesa encontravam-se a Roménia, Chipre, Itália, Espanha e Grécia. Já agora, vale a pena assinalar que, entre 1997 e 2007, a taxa de pobreza em Portugal se reduziu cerca de quatro pontos percentuais, passando de 22% para 18%, uma evolução que foi, obviamente, no bom sentido. Infelizmente, mesmo não havendo dados fiáveis, tudo indica que outro tanto não terá sucedido no período mais recente.
6. A assimetria na distribuição dos rendimentos e as situações de desemprego estão entre os principais factores explicativos das situações de pobreza. Em Portugal, a assimetria de rendimentos a que têm acesso as famílias é chocante: de acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, do INE, em 2007, o rendimento monetário líquido dos 20% da população com maiores recursos correspondia a 6,1 vezes o rendimento dos 20% da população com mais baixos recursos. Se comparado com o que se passa entre os demais membros da União Europeia, Portugal é o país em que a distribuição de riqueza tem o segundo maior diferencial. Maior diferencial apenas se verifica na Roménia, um dos mais recentes membros da UE.
7. Os dados apresentados, ainda que constituindo um “primeiro olhar” sobre a realidade da pobreza em Portugal, não podem deixar de ser vistos com preocupação e ser um elemento essencial na definição das medidas de política social. De acordo com a Comissão Europeia, as medidas para combater a pobreza passam pela introdução (ou manutenção) de um regime de rendimento mínimo e de acções vocacionadas para a promoção do emprego. A esta luz, perceber-se-á que o sucesso das políticas de relançamento da economia, no curto/médio prazo, é peça-chave do combate à pobreza em Portugal.
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J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de 2010/01/05 do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")