Na sequência de uma iniciativa nesse âmbito tomada há uns meses em Lisboa, começou a falar-se da necessidade da promoção de uma reforma profunda da organização do país a nível de municípios e freguesias. As circunstâncias críticas que se vivem em matéria de dívida externa e de défice das contas do Estado levaram também a que alguns olhassem para essa dimensão da gestão pública como uma em que importaria intervir com urgência, no sentido de impor um melhor uso dos recursos. A multiplicação das parcerias público-privadas empresariais no quadro local a que se vinha assistindo nos últimos anos, figura jurídica-organizacional agora sob suspeita, foi um dos elementos que serviu de alerta da opinião pública. A consagração no memorando elaborado pela Comissão Europeia, BCE e FMI, no quadro do “resgate” da dívida externa portuguesa, da exigência de se olhar para essa problemática constituiu o culminar desse processo de consciencialização da inevitabilidade de se fazer essa reforma e o “argumento” que faltava para que ela possa acontecer.
A última reforma de organização administrativa do território, no sentido próprio (sistémico) do termo, ocorreu na década de 30 do século XIX, tendo tido por promotores Mouzinho da Silveira (1832/35) e Passos Manuel (1936). Desde aí, há apenas a assinalar a criação do Distrito de Setúbal e a criação avulsa de municípios e freguesias. Isto dito, julgo que resulta patente a necessidade de se voltar a olhar para essa realidade, até porque muito aconteceu nas últimas décadas em matéria de dinâmica demográfica e socioeconómica. Decorrente disso, põem-se questões de eficácia e de eficiência na gestão dos recursos, mas seria mau que se olhasse para a reforma que importa fazer a partir da óptica estreita da redução da despesa pública.
A organização administrativo-institucional do território deve ser peça de um projecto de desenvolvimento e de fomento da participação das populações na gestão da “coisa pública”. Só nessa dimensão qualquer reforma da organização do Estado adquire pleno sentido. Também por isso fica em questão que a reforma da organização e da gestão político-administrativa do território se possa ficar pelo nível municipal e infra-municipal.
Decorrente da reorganização administrativa operada no século XIX e das emendas casuísticas posteriormente operadas, temos nesta altura 308 municípios e 4259 freguesias, das quais cerca de 35%, isto é 1522, têm menos de 600 eleitores. Destas últimas, 153 são plenários, uma vez que não excedem os 150 eleitores. Por sua vez, o número de eleitos para as Juntas de Freguesia e suas Assembleias são, respectivamente, 13 263 e 34 697.
Nos municípios, os eleitos cifram-se em 2016 e nas Assembleias Municipais em 6419. Entretanto, as Assembleias Municipais integram igualmente os presidentes de Junta, de que resultam Assembleias desmesuradas, sendo que a de Barcelos, que é a maior do país, conta com 179 elementos (89 Presidentes de Junta, mais 90 deputados municipais).
No enquadramento antes referido, tomar como objectivo chegar às próximas eleições autárquicas, em 2013, com a reorganização concluída é uma meta tão ambiciosa quanto politicamente delicada. Não surpreenderá, por isso, que venhamos a assistir nos próximos tempos à prática tão conhecida de tentar “varrer para debaixo do tapete” o problema.
Sendo suposto prestarem serviços básicos às populações e constituírem-se em agentes de desenvolvimento, os municípios e freguesias só serão capazes do fazer se possuírem estruturas mínimas e se se apresentarem dotadas de agentes suficientemente qualificados, o que, nas actuais circunstâncias, se torna impraticável na maioria dos casos. A solução de fundir municípios e freguesias é pois a forma incontornável de lhes dar massa crítica.
Note-se, por exemplo, que, da multidão de Presidentes de Junta existentes, apenas 429 o são a “meio tempo”, o que espelha a dita realidade das freguesias em matéria de capacidade de prestação de serviços. Retomando uma vez mais o caso de Barcelos, registe-se que apenas um Presidente de Junta cumpre as condições exigidas para o ser a tempo inteiro, e esse achou mais benéfico manter-se a “meio tempo” e, ao invés disso, contratar uma segunda auxiliar administrativa que mantenha a junta de freguesia permanentemente aberta e funcional.
Nas zonas urbanas, a fusão ou associação de freguesias não parece ser um problema maior, já que as questões de identidade terão relevância menor. Os passos já dados por Lisboa e Covilhã dão-nos essa indicação. Em concreto, em Lisboa, pretende passar-se de 53 freguesias para 24, não se tendo notado em razão disso algum tipo de protesto das populações ou fricção entre os partidos. Outro tanto aconteceu no caso da Covilhã, em que é proposto que se opere a fusão das 4 freguesias da cidade.
O processo será mais delicado nas freguesias rurais. Aí, de modo a tornear o problema da identidade, uma solução que tem sido equacionada será apostar-se em reunir as freguesias em associações, em que as freguesias associadas disporiam de um executivo e uma assembleia comuns, o que lhes possibilitaria o reforço da capacidade de atendimento das necessidades das populações das respectivas circunscrições territoriais. Desta forma, garantir-se-ia igualmente a identidade, a representatividade política e a proximidade entre eleitos e eleitores.
Podendo dizer-se que o contexto económico e social actual não é o mais indicado para a persecução desta reorganização do Estado, pelo contrário, na medida da urgência e da premência que o país vive, este será talvez um tempo de oportunidade impar para fazer uma reforma estrutural que, como foi dito, a conjugação da evolução da demografia, da economia, e as exigências de relação dos eleitos com os “representados” há muito vinha impondo. Pese isso, não se fará sem haja quem levante volumosas cortinas de fumo e sem muita resistência por parte de interesses políticos instalados.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no âmbito de coluna regular intitulada "A Riqueza das Regiões")