1. Compromissos profissionais mantiveram-me ausente do país nos primeiros dias da passada semana. Deixei por isso de ter notícias do que foi ocorrendo em Portugal e, logo, também do debate que, presumivelmente, terá continuado a ser existir sobre a “ajuda” recebida do FMI, Comissão Europeu e BCE. Em boa verdade, podia tê-las tido mas não as procurei. Intoxicação noticiosa e debates entre dirigentes partidários foi coisa que abundou nas semanas que precederam esta minha saída, de que nunca senti falta.
2. A temática da “ajuda” foi o último tema sobre que me debrucei na véspera da partida, em razão de me ter sido solicitado que me associasse a uma “petição” que pretendia alertar a comunicação social para o lapso, voluntário ou involuntário, de se insistir em apresentar aos portugueses uma operação de financiamento externo do pais, bem onerosa, de facto, como se de uma acção de beneficência se tratasse. Salvaguardadas as diferenças de contexto, é como falar de ajuda dos bancos às famílias quando estes põem ao seu dispor um crédito para aquisição de casa ou de um outro qualquer bem ou serviço. Acresce que, no caso do crédito concedido ao país, não só os juros cobrados estão longe de ser irrisórios quanto a penhora se estende a dimensões críticas da gestão da economia portuguesa, da organização e gestão do Estado e a diversos aspectos da regulação dos mercados.
3. Face ao volume da dívida contraída, pública e privada, o comum dos portugueses dirá que não restava alternativa que não fosse negociar o crédito necessário e aceitar as condições dos financiadores. Só que, dito assim, fica clara a natureza e os custos da operação e, daí, cai o fundamento para se usar a dita expressão “ajuda” financeira. Por contrapartida, sobra espaço para que nos questionemos sobre o porquê do caminho percorrido e sobre quem nos arrastou para este precipício, mesmo que as derradeiras semanas tenham servido, sobretudo, para a realização de enormes operações de lavagem de responsabilidades: ouvindo o que foi sendo dito na televisão, na rádio e nos jornais, só pode concluir-se que o descalabro das contas públicas a que se chegou não foi culpa de quem quer que fosse ou, melhor, foi dos portugueses, especialmente daqueles que estão sem emprego, viram os seus salários reduzidos ou foram penalizados pela contracção das prestações sociais a que tinham acesso, numa lógica de solidariedade social.
4. Desatento das notícias do país, sobrou-me mais tempo para olhar para as realidades do meu local de acolhimento temporário, onde fui confrontado, igualmente, com coisas boas e coisas más: boas, aquelas que se exprimiam na qualidade e atenção do atendimento em muitos serviços que utilizei, da hotelaria às lojas de retalho, dando sinal da formação adquirida pelos prestadores de serviço e do respectivo comprometimento com a qualidade do atendimento ao cliente; más, na expressão material do lixo que vi espalhado pelas ruas, no desordenamento urbanístico que também vi e nas queixas que me chegaram da qualidade duvidosa do serviço dos transportes públicos locais, deixando claro que a famosa “pontualidade britânica” já não é o que era.
5. Não servirá o exemplo britânico que aqui invoco (Coventry) para desculpar os erros de planeamento e de gestão que são patentes em muitas das nossas cidades, nem a falta de civismo de outros é desculpa para a nossa. Servirão ambos de alerta para o que importa que façamos melhor. Servirão ambos para nos alertar para a necessidade de cuidarmos melhor o nosso património construído e de educarmos melhor os nossos cidadãos. Tal é sempre exigível mas é-o mais quando são equacionados projectos de desenvolvimento que procuram tirar partido dos valores patrimoniais, materiais e imateriais, das nossas cidades e vilas, e dos serviços que podem ser prestados a quem as visita.
6. O que é particularmente curioso no caso de Coventry, cujo centro histórico mantém alguns edifícios e arruamentos com relevante valor estético-cultural, é a circunstância da cidade aparecer pontuada por prédios de grande altura e de gosto que não chega a ser duvidoso dada a má impressão que causam no visitante desde o primeiro instante. Esta realidade é tanto mais desconcertante quanto, na imediata vizinhança, se podem encontrar outros núcleos urbanos, Warwick nomeadamente, em que foi possível preservar a respectiva qualidade estética e é notório o cuidado que é dedicado às zonas envolventes, votadas ao lazer e ao desporto. Falta-me a informação para ir mais longe na compreensão desta realidade contrastada. Porventura, lá como cá, farão diferença a formação e a postura dos actores políticos e a forma como os cidadãos sufragam ou não as políticas e os políticos. No presente ou no futuro, acabarão por ser os cidadãos que pagarão, de um modo ou de outro, os atentados que são cometidos contra as nossas cidades ou a economia do país, como é bem patente olhando para o cenário que Portugal vive nesta altura, com expressão no défice e na dívida pública e respectivas consequências em termos de recessão económica, desemprego e empobrecimento da maioria da população.
[artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no contexto de colaboração regular]
Sem comentários:
Enviar um comentário