Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

quarta-feira, maio 25, 2011

“FUGA DE CÉREBROS” EM PORTUGAL?

O conceito de “fuga de cérebros” (em inglês brain circulation) (Johnson e Regets, 1998) foi introduzido para traduzir a seguinte perspectiva: indivíduos especializados e com elevadas qualificações circulam entre diferentes locais, incluindo o próprio país, adquirem novos conhecimentos e desenvolvem as suas competências, integram redes internacionais de conhecimento, em vez de se moverem para um local específico e aí se estabelecerem. A obtenção de formação pós-graduada é uma das principais motivações para a saída do país indicada pelos investigadores portugueses (Delicado, 2008). Outras razões facilmente identificadas são as melhores condições que estes investigadores encontram em centros de investigação no exterior.
O fenómeno da “fuga de cérebros” afecta com maior incidência os países menos desenvolvidos, onde a actividade científica ainda se encontra num estado embrionário, no entanto este fenómeno não é exclusivo dos países mais pobres. Países tecnologicamente avançados, como é o caso de muitos países europeus, também presenciam esta realidade porque tem-se verificado que, mais do que “fugirem”, os cérebros “circulam”, mantendo laços com diferentes locais e acumulando sucessivas experiências de mobilidade que muitas vezes implicam o retorno ao país de origem. Esta questão tem suscitado um menor número de estudos.
Olhando agora especificamente para o caso português, constata-se que devido a seculares constrangimentos económicos e políticos, Portugal tem ocupado uma posição semi-periférica dentro do sistema mundial da ciência, caracterizada, segundo Nunes e Gonçalves (2001), por escassos recursos financeiros, baixa produtividade, ténue internacionalização, resistência à inovação, deficiente organização e predomínio da importação de tecnologia criada no estrangeiro. Esta condição semi-periférica manifesta-se também nos fluxos de mobilidade dos investigadores, verificando-se que Portugal é sobretudo um país “de saída” (à semelhança dos países “periféricos”), mais do que “de entrada” (os países “centrais”), mas com assinaláveis taxas de retorno (o que o distingue dos países mais “periféricos”).
Nas últimas décadas, a saída de investigadores tem sido fortemente apoiada pelo governo português, mediante bolsas de doutoramento e pós-doutoramento no estrangeiro. Segundo dados estatísticos da Fundação para a Ciência e Tecnologia, entre 1994 e 2008 foram atribuídas 3815 bolsas de doutoramento e 691 bolsas de pós-doutoramento no estrangeiro, assim como 3046 bolsas de doutoramento e 973 bolsas de pós-doutoramento mistas (que prevêem uma temporada numa instituição fora do país).
Porém, há dois fenómenos nos fluxos de mobilidade que importa considerar. Por um lado, o equilíbrio entre formados no estrangeiro e em Portugal tem vindo a alterar-se, o que é visível tanto ao nível das bolsas de doutoramento (nos últimos anos as bolsas para estudar em Portugal aproximam-se dos dois terços das bolsas atribuídas) como nos doutoramentos realizados (desde o início da década que o peso dos doutoramentos realizados em Portugal ultrapassa os 80%)[1]. Por outro lado, há efectivamente uma tendência de regresso: 29% (3200) dos doutorados no sistema científico português obtiveram o doutoramento no estrangeiro[2] . A grande maioria de regressados tem sido absorvida pelo sector universitário público (que é o principal executor de I&D em Portugal, para além do mais prestigiado), seguindo-se o ensino superior privado (universitário e politécnico) e o ensino politécnico. Uma minoria integra-se em instituições primordialmente de investigação, empresas e hospitais. Perto de 2% encontra-se fora do sistema científico, com empregos no ensino não superior, na administração pública ou outras situações.
No caso de Portugal, as taxas de retorno dos cientistas portugueses formados no estrangeiro são elevadas pelo que poderá não fazer sentido falar em “fuga de cérebros”. Ainda que, como típico de um país semi-periférico, o ritmo de saídas de investigadores nacionais supere o de entradas de investigadores estrangeiros, é certo que uma grande parte dos investigadores portugueses que procuraram formação pós-graduada fora do país tem regressado a Portugal e conseguido reintegrar-se no sistema científico nacional. Por outro lado, é inegável o impacto que o regresso destes cientistas tem tido na ciência portuguesa. Não só se assistiu a um crescimento assinalável dos níveis de qualificação do pessoal científico como o próprio desenvolvimento e internacionalização da investigação em Portugal nos últimos anos pode, em parte, ser atribuída ao regresso destes investigadores.
Qualitativamente, os investigadores retornados contribuíram também para dinamizar a produção de ciência, fertilizá-la com novas ideias, enriquecê-la com redes de colaboração internacional. Porém, há também que reconhecer a existência do risco de um “desperdício de cérebros” ou “fuga de cérebros interna”. Cientistas altamente qualificados impedidos de realizar investigação, jovens doutorados incapazes de se integrarem numa posição profissional estável, investigadores que perdem o contacto com colegas e instituições estrangeiras, são formas de desperdício do investimento feito na formação avançada e na mobilidade científica, a que os decisores políticos têm de estar atentos.

Raquel Rodrigues Alves

[1] Fonte: dados estatísticos da FCT e GPEARI 2009b.
[2] Fonte: Sistema Integrado de Informação (SII), GPEARI, Inquérito aos Doutorados 2006

[artigo de opinião publicado na edição de ontem do Suplemento de Economia do Diário do Minho]

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