1. Como não precisa de ser sublinhado, Portugal atravessa um dos períodos mais críticos da sua história económica recente, fruto de má gestão macroeconómica, ausência de projecto para o país e vazio de liderança política, entregue que tem estado a agentes cujo compromisso é unicamente com a sua sobrevivência enquanto actores políticos e com a sua corte de seguidores ciosos de protagonismo e de partilha de benesses a que se acede em razão de filiações clubísticas.
2. Tendo o agudizar da crise coincidido com o início do funcionamento de uma unidade curricular de que sou responsável, onde os alunos são chamados a reflectir sobre a evolução da economia portuguesa, foi com particular curiosidade que aguardei a chegada dos primeiros textos e a escolha que seria feita em matéria de tópicos. Nos parágrafos seguintes dá-se notícia sucinta disso, que acompanho com comentários meus.
3. Curiosamente, o primeiro texto que me chegou (a 1 de Março de 2011) foi sobre a Política Agrícola Comum e respectivas “consequências para a agricultura portuguesa”, chamando a sua autora (Raquel Alves) a atenção para a circunstância de, no momento da adesão à CEE (EU), Portugal necessitar de “políticas que promovessem a produtividade”. Acrescentando que “a lógica do aumento da produtividade foi totalmente invertida, passando a ser aplicadas à agricultura portuguesa medidas completamente inapropriadas […]. Portugal esteve a ser pago para não produzir. Factores como preços agrícolas a cair, maiores rendimentos (…) e taxas de juro mais baixas levaram ao aumento da procura e do consumo de bens agrícolas que, pela falta de produção interna, resultaram num aumento das importações […] claramente a agricultura portuguesa não se tornou mais competitiva com a adesão à UE, contribuindo para a degradação e abandono deste sector”. Não sendo esta a explicação mais relevante para o nível de endividamento externo que o país atingiu, não deixou de vir daí um contributo, que também é sintomático da forma descuidada como ao longo do tempo se olhou para o tecido produtivo nacional, abdicando-se em grande medida não apenas de ter uma política agrícola como de ter política industrial. A ausência de projecto a esses dois níveis nem sequer foi compensada pelo desenvolvimento esclarecido e atempado de uma política de serviços tomando como elemento central o sector turístico. Irónico é que, na véspera da chegada do FMI a Portugal, um secretário de Estado se tenha lembrado do potencial de recursos subaproveitados existente no sector primário.
4. Nos textos mais recentes, não surpreenderá que os temas versados sejam “a tolerância de ponto” concedida pelo governo na véspera da Páscoa e, uma vez mais, a “política económica”. Do que se diz (Joana Araújo) sobre o primeiro tópico, destaco a afirmação seguinte: “os feriados e tolerâncias de ponto são um tema que é sistematicamente discutido em debates sobre o crescimento económico […] será que a imagem que transmitimos ao exterior é a de um país que se esforça na produção? Infelizmente, a percepção que subsiste no exterior não é a melhor […]. Imaginem a ideia que poderá ter passado para os países que estão a ponderar ajudarem o nosso país, ou para os senhores dos fatos pretos representantes do FMI, UE e BCE”. Poder-se-á dizer, a propósito, que se tratou de uma tarde apenas mas, como aparece sublinhado, não é isso um sinal errado que se está a dar aos agentes económicos e às famílias? Há alguém que considere preferível que se aumentem impostos e se cortem salários como alternativa a tornarmo-nos mais produtivos e a aproveitarmos melhor os recursos que possuímos?
5. Sobre “política económica” e competitividade escreveu o estudante que tratou o tema (Bruno Ferreira) o seguinte: “É óbvio que para Portugal sair desta situação crítica precisa que os seus produtos sejam mais competitivos externamente, e precisa de produzir mais. No entanto, pouco tenho visto ser feito […]. Um dos problemas que se levanta com a possível descida dos salários é o facto de muitos países que concorrem com Portugal terem salários significativamente mais baixos”. Invoca-se aqui a ideia propagada por alguns sectores que uma das principais respostas para a competitividade do país estará na desregulamentação do mercado de trabalho e na descida dos salários. De tão divulgada essa ideia, não surpreendente que o estudante a tenha retido.
6. O que me choca é que pareça não se estar consciente ou se esconda que os custos com a mão-de-obra na China, não há muito tempo, não iam além de 8% dos portugueses, sendo que os valores correspondentes dos indianos se situavam nos 11%, os dos búlgaros em 19%, e os dos marroquinos e dos turcos em 69%. Será que mesmo assim faz sentido fazer desta “variável” o elemento estratégico da nossa competitividade? Por contrapartida, poderia invocar o caso de diversos produtos portugueses sofisticados que são colocados em diversos mercados externos e que nem por isso têm dificuldade em concorrer aí. Obviamente, o tipo de aposta prosseguida pelas empresas que protagonizam esses negócios é outro. Será que não é possível multiplicar esse modelo de inserção nos mercados? Será que não é possível implementar políticas que sinalizem correctamente os caminhos que a economia portuguesa deve percorrer? Obviamente, não é a olhar exclusivamente para os equilíbrios financeiros de curto prazo, como se fez ao longo dos últimos 10 anos, que lá se chega.
J. Cadima Ribeiro
[artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, no contexto de colaboração regular em coluna intitulada "A Riqueza das Regiões"]
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