À primeira vista, o quadro não é animador. O diagnóstico chega até nós diariamente na rádio, na TV, nos jornais, na Internet, enfim, em qualquer lado onde se fale de economia, de política, do país. Um país a crescer abaixo do seu potencial e em divergência com a Europa, contas públicas deterioradas, desemprego em níveis de que não há memória em Portugal, um dos mais altos níveis de endividamento da economia num contexto de subida dos juros, graves assimetrias regionais, fraquíssimos níveis de escolaridade da população, altos níveis de abandono escolar, fraco investimento em I&D, uma economia estruturalmente débil para enfrentar os desafios da competitividade internacional…
O cenário acima traçado quase faz esquecer o que foi feito em apenas duas décadas. Repito, para que não restem dúvidas: nos últimos 20 anos. Tenho 21 e nasci num país estatisticamente subdesenvolvido chamado Portugal. Por ter nascido com a adesão à então CEE, dificilmente terá havido uma geração a viver uma ilusão tão grande como a minha. Crescemos com a modernização do país. A integração europeia e um contexto internacional largamente favorável a partir de 1985 foram decisivos para o desenvolvimento português desde essa data. Ano após ano assistimos a progressos assinaláveis ao nível de infra-estruturas. Ano após ano se registavam melhorias expressivas no nível de vida dos portugueses. Não imaginávamos outro cenário que não fosse a rápida e contínua aproximação relativamente aos padrões de vida dos parceiros europeus.
Hoje sabemos que não é assim, embora me pareça que os portugueses não entenderam ainda as razões do problema e qual o caminho a seguir. Julgo ser altura de percebermos que as questões de desenvolvimento não são apenas da esfera de competências do Estado e da classe política.
Reformas. Uma das palavras mais ouvidas nos tempos que correm. Reforma da Justiça, da Administração Pública, da Segurança Social, da Educação e, noutro registo, reforma da estrutura produtiva. Como estudantes de Economia, percebemos bem a sua importância. Um Estado leve, eficiente, justo, com um sistema de protecção social sustentável, um Estado que assegura a qualificação dos cidadãos é a base para promover o crescimento económico e conciliá-lo com o desenvolvimento da sociedade. Como levar a cabo tais reformas se cada tentativa de mudança esbarra na resistência de quem não coloca sequer a hipótese de ver questionados os “direitos adquiridos”? Será possível desenvolver uma sociedade e uma economia competitiva quando os cidadãos se demitem das suas responsabilidades para com a mesma? Enquanto insistirmos em ver o Estado como “eles” e enquanto os culparmos “a eles” por tudo o que vai mal, será difícil promover um debate sério e abrangente. Espírito crítico, algo que não abunda em Portugal, é muito mais do que o permanente maldizer que ouvimos um pouco por toda a parte.
Ironicamente, há também uma necessária vertente individualista nas responsabilidades que menciono acima. Trata-se da adopção de uma postura empreendedora e participativa na dinâmica económica. Aqui sim, tal como nos dizem os ensinamentos do velho Adam, a prossecução do interesse individual e o bem-estar comum são perfeitamente compatíveis.
Não poderia deixar de lançar um repto aos colegas estudantes. Representamos um forte investimento do Estado e muitos das gerações anteriores nem sequer ousaram sonhar com as oportunidades que temos hoje. Mais do que os problemas relatados no início do texto, choca-me sobretudo o alheamento dos jovens relativamente a estas questões. Penso ser altura de assumirmos uma postura mais participativa, começando no próprio meio académico. A universidade é o espaço de conhecimento, inovação e produção de massa crítica por excelência e enquanto não percebermos isto estaremos a descurar alguns dos aspectos mais importantes da nossa formação.
Não pretendo pregar utopias e tenho perfeita consciência da dificuldade e lentidão com que se processa uma mudança de mentalidades tão profunda. Para começar seria bom que, como um dia disse JFK, deixássemos de perguntar o que pode o país fazer por nós, para nos questionarmos sobre o que podemos nós fazer pelo país.
Pedro Silva
O cenário acima traçado quase faz esquecer o que foi feito em apenas duas décadas. Repito, para que não restem dúvidas: nos últimos 20 anos. Tenho 21 e nasci num país estatisticamente subdesenvolvido chamado Portugal. Por ter nascido com a adesão à então CEE, dificilmente terá havido uma geração a viver uma ilusão tão grande como a minha. Crescemos com a modernização do país. A integração europeia e um contexto internacional largamente favorável a partir de 1985 foram decisivos para o desenvolvimento português desde essa data. Ano após ano assistimos a progressos assinaláveis ao nível de infra-estruturas. Ano após ano se registavam melhorias expressivas no nível de vida dos portugueses. Não imaginávamos outro cenário que não fosse a rápida e contínua aproximação relativamente aos padrões de vida dos parceiros europeus.
Hoje sabemos que não é assim, embora me pareça que os portugueses não entenderam ainda as razões do problema e qual o caminho a seguir. Julgo ser altura de percebermos que as questões de desenvolvimento não são apenas da esfera de competências do Estado e da classe política.
Reformas. Uma das palavras mais ouvidas nos tempos que correm. Reforma da Justiça, da Administração Pública, da Segurança Social, da Educação e, noutro registo, reforma da estrutura produtiva. Como estudantes de Economia, percebemos bem a sua importância. Um Estado leve, eficiente, justo, com um sistema de protecção social sustentável, um Estado que assegura a qualificação dos cidadãos é a base para promover o crescimento económico e conciliá-lo com o desenvolvimento da sociedade. Como levar a cabo tais reformas se cada tentativa de mudança esbarra na resistência de quem não coloca sequer a hipótese de ver questionados os “direitos adquiridos”? Será possível desenvolver uma sociedade e uma economia competitiva quando os cidadãos se demitem das suas responsabilidades para com a mesma? Enquanto insistirmos em ver o Estado como “eles” e enquanto os culparmos “a eles” por tudo o que vai mal, será difícil promover um debate sério e abrangente. Espírito crítico, algo que não abunda em Portugal, é muito mais do que o permanente maldizer que ouvimos um pouco por toda a parte.
Ironicamente, há também uma necessária vertente individualista nas responsabilidades que menciono acima. Trata-se da adopção de uma postura empreendedora e participativa na dinâmica económica. Aqui sim, tal como nos dizem os ensinamentos do velho Adam, a prossecução do interesse individual e o bem-estar comum são perfeitamente compatíveis.
Não poderia deixar de lançar um repto aos colegas estudantes. Representamos um forte investimento do Estado e muitos das gerações anteriores nem sequer ousaram sonhar com as oportunidades que temos hoje. Mais do que os problemas relatados no início do texto, choca-me sobretudo o alheamento dos jovens relativamente a estas questões. Penso ser altura de assumirmos uma postura mais participativa, começando no próprio meio académico. A universidade é o espaço de conhecimento, inovação e produção de massa crítica por excelência e enquanto não percebermos isto estaremos a descurar alguns dos aspectos mais importantes da nossa formação.
Não pretendo pregar utopias e tenho perfeita consciência da dificuldade e lentidão com que se processa uma mudança de mentalidades tão profunda. Para começar seria bom que, como um dia disse JFK, deixássemos de perguntar o que pode o país fazer por nós, para nos questionarmos sobre o que podemos nós fazer pelo país.
Pedro Silva
(doc. da série artigos de análise/opinião)
5 comentários:
A frase de JKF sumaria muito bem a ideia implícita no artigo. De facto, se não estivermos dispostos a fazer nada pelo nosso país será que teremos legitimidade para exigir que ele faça algo por nós? Não podemos simplesmente legar a responsabilidade de efectuar reformas às altas esferas do poder político e despedirmo-nos da nossa própria responsabilidade de participar nelas, de levarmos a cabo as nossas próprias reformas. A reforma mais importante para cada um de nós talvez seja a mudança de mentalidades, de um conjunto de preconceitos enraizados na sociedade portuguesa. Não podemos estar confortavelmente sentados no sofá à espera que um conjunto de indivíduos tenham uma varinha mágica que simplesmente resolva todos os nossos problemas. As reformas estão a ser levadas a cabo pelo Governo, estão a causar rupturas com um conjunto de conceitos pré estabelecidos, como por exemplo na Administração Pública. No entanto, talvez seja o momento (e já tardio) para nos perguntarmos que reformas podemos nós levar a cabo. A acção individual de cada um não será assim tão irrelevante para o desenvolvimento do país como pensamos. Foi-nos dado um conjunto de oportunidades que talvez nenhuma outra geração no nosso país teve, somos constantemente incentivados e impelidos a ter uma atitude mais activa, mais empreendedora, mais dinâmica. Daqui para a frente podemos fazer uma de duas coisas, continuar sentados no sofá à espera que “os senhores do poder” resolvam todos os nossos problemas, ou tomarmos parte activa deles e fazer o que nos compete.
Re: Artº Opinião - O que podes fazer pelo país?
por cristela mota - Segunda, 16 Outubro 2006, 14:06
Caro colega Pedro Silva,
antes de mais permita-me dar-lhe os meus parabéns pela forma como expôs o seu artigo de opinião. É muito animador para mim, como cidadã, saber que jovens como eu, partilham a noção de que o mundo não se muda a si mesmo, sendo necessária a colaboração de todos para a mudança.
Julgo que pouco há a crescentar ao que o colega escreveu, realçando, no entanto, a nota com que acabou o seu artigo: é necessário questionarmo-nos, todos os dias, sobre o que poderemos fazer pelo mundo.
Os meus parabéns
Re: Artº Opinião - O que podes fazer pelo país?
por Carlos Nogueira - Segunda, 16 Outubro 2006, 03:44
Partilho na totalidade dos seus receios e desapontamentos.
É realmente triste ver que os direitos adquiridos são defendidos acerrimamente por quase todos, alvitrando cada um que o melhor para o país é sacrificar outro que não ele ou os seus, como já referi noutra participação neste mesmo espaço.
No entanto, é também dever do Estado fazer com que os cidadãos se sintam membros activos e com voz no destino do país, não só através do voto, mas também através do debate. Não ouvir os que se tentam exprimir, por muito contrárias que as opiniões destes sejam dos seus ideais, só provoca uma desconexão ainda maior entre a população e a governação, redundando tudo isto na actual alheamento, principalmente dos mais jovens, da vida do país política. Política que para estes mesmos jovens se afigura quase sempre ou como um meio de subir na vida através de reduzido sacrifício ou como algo maçador e respeitante a apenas a alguns senhores de fato e gravata que regem o nosso sistema. Mas é preciso entender que é facílimo cair na rede de apatia da sociedade actual sem nos darmos conta disso, porque tudo nos é dado hoje de mão beijada, assentando o conceito de “nível de vida satisfatório” para a grande maioria das pessoas apenas em factores materiais e afectivos.
A era dos movimentos de massas e das rebeliões solidárias já passou.
Esta é a era do desinteresse e da apatia.
Para grande parte da população, com as devidas variações, está tudo bem, independentemente das acções governamentais que, podendo afectar este ou aquele aspecto das suas vidas, não o fazem de modo constrangedor o suficiente para os fazer lutar por algo melhor. E assim, mesmo que outra grande parte da população sofra e seja prejudicada por atitudes dos dirigentes políticos, a grande maioria que está acomodada não levantará o rabo do sofá para lutar por eles, desde que estes estejam fora do seu campo de visão quotidiana. É também por isto que milhões morrem à fome em África. Estão longe demais para os vermos, mesmo com toda a evolução das chamadas “tecnologias da informação”. Quero com isto defender que, ao contrário do que possa parecer, este não é um problema português, mas sim um problema de todo o mundo dito desenvolvido. O que não quer dizer que não o combatamos nas nossas casas, nas nossas universidades.
Subscrevo o repto por si lançado para que assumamos as responsabilidades que são nossas desde o momento em que todos investem tanto em nós, desde as nossas famílias ao Estado que são todos os cidadãos do nosso país. Por cada vez que nos queiramos desleixar por completo dos nossos estudos que são o nosso futuro e do nosso país, lembremo-nos dos milhões que dariam tudo para ter as oportunidades que nós temos, e não têm. Se não nos aplicarmos por nós, pelo menos façamo-lo como acto de respeito por com todos eles. Porque quando pararmos de lutar por um mundo melhor, este começará lentamente a caminhar para a sua morte.
Realmente a questão da responsabilidade, que todos temos no destino económico do país, é fundamental.
Se olharmos para a história, constatamos que os portugueses tiveram um papel empreendedor e fundamental não só para traçar os destinos da nação, bem como do mundo civilizacional como o conhecemos!
Hoje deparamo-nos com uma sociedade que espera encontrar nas decisões politicas, a solução para todos os seus problemas, enquanto ficamos em nossas casas, sentados á espera que algo aconteça, ou nos cafés a criticar a classe politica, empresarial, etc.. É caso para perguntar, onde estará o espírito, que nos levou aos descobrimentos, a querer ir mais longe, a ter um papel activo nas questões nacionais e internacionais?
Assim, é minha opinião, que não só devemos exigir que o governo continue com as suas reformas, para melhorar o bem estar da sociedade, mas também, devemos exigir de nós próprios, o assumir de um papel activo na sociedade, com uma atitude mais participativa em todas as áreas, pois só assim teremos uma maior certeza que o país irá ter o futuro que todos nós desejamos.
Sempre soubemos que o povo português é um povo melancólico e saudosista, talvez até mesmo péssimista. Mudar essa mentalidade enraizada à séculos, é quase uma utopia. Ao afirmar isto, eu sei que também o estou a ser.
No entanto, não podemos ter uma atitude passiva, “esperando por D. Sebastião”. Devemos reagir e acreditas nas nossas capacidades e recursos.
Nessa medida, eu digo que SIM.
Sim, somos capazes de ter uma atitude mais activa, mais positiva. Sim, somos capazes de ser creactivos e audaciosos ao ponto de apostar em áreas técnicas e sofisticadas a nível mundial. E finalmente, sim, somos capazes de “sacudir” o sector privado sem estar à espera da iniciativa pública.
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