Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

quinta-feira, janeiro 13, 2011

O Poder Real em Portugal 2010 e a Crise (3ª parte)

[Continuação]
Nesta grande balbúrdia de minigolpes e contra-minigolpes, o PCP não teve oportunidade de levar o País para uma guerra civil porque estava consciente do lema de Lenine: “uma guerra civil só será ganha se o PC tiver a seu lado 50% +1 das Forças Armadas” (Zita Seabra, um dos “braços direitos” de Cunhal, disse-o publicamente mais tarde, ao abandonar o PCP).
Mas Cunhal tinha também aprendido na União Soviética que o “Poder Real” não está só, nem principalmente, nos ministros e secretários de Estado, mas sim nos funcionários administrativos, sobretudos os dos ministérios, muito mais num País fortemente centralizado em Lisboa. A forte centralização de poderes em Portugal ainda hoje persiste. Esses funcionários públicos “de carreira”, e por isso “inamovíveis”, são a verdadeira chave do Poder, seja qual for o Governo corrente (“de Serviço”). Por este motivo, Álvaro Cunhal logo se apressou a conduzir uma infiltração, a maior possível, nos serviços administrativos, principalmente nos dos ministérios, servindo-se para isso dos sindicatos, o da Função Pública e outros que não eram senão (e continuam a não ser) mais do que “engrenagens” do PCP.
A forma mais eficaz foi (e é) a promoção do maior número possível de funcionários ao topo da carreira sem quaisquer concursos ou outras formas claras de avaliação. Assim, por ex., o Sindicato dos Professores tornou-se “dono” do Ministério da Educação (Ensino B+S), o que ainda hoje é uma realidade. A questão é pública: ainda há pouco tempo, por ocasião da saída da ministra, o presidente do Sindicato dos Professores veio à televisão declarar que o seu sindicato “mobilizava” 95% do trabalho realizado pelo ME e que ele, presidente do Sindicato, já tinha visto por lá passar muito(a)s ministro(a)s e contava ver passar muito(a)s mais. Nem a então ministra, nem qualquer funcionário do ME, desmentiram essa afirmação...
Assim, embora hoje o PCP consiga apenas uns 4 ou 5% de votos nas eleições legislativas, o Poder Real do PCP na execução das leis, decretos-lei, etc., é muito superior ao que esse número representa. É bem sabido que uma Lei depois de aprovada na Assembleia da República e publicada no DR, tem sempre de ser “regulamentada” a nível do ministério respectivo. Ora, é bem conhecido e é da prática corrente que a regulamentação de uma lei pode torná-la ineficaz ou, pelo contrário, pode, por manipulação na regulamentação da Lei, atingirem-se, na prática, objectivos muito fora das intenções dos legisladores. Tudo isto está na mão de funcionários do ministério respectivo das categorias mais variadas e daí deriva um grande Poder Real.
Veja-se, por ex., o que acontece com o Ministério da Educação. O Ensino B+S está numa lástima e vai continuar nela porque nesse ministério (mais que em qualquer dos outros) se instalou um conjunto de altos funcionários que se mantêm no topo da carreira, em particular uma entidade designada de GAVE (Gabinete de Avaliação Educacional), a qual mantém implementadas regras e orientações altamente antipedagógica [digo-o com conhecimento de causa, porque oriento e acompanho netos que o frequentam (e frequentaram) desde o 1º ano (primária) até ao 12º ano, passando pelas provas de “aferição”, nos 4º, 6º e 9º anos].
Em 1º lugar, considera-se que todo o Ensino B+S do 1º ano (1ª. classe) ao 12º ano deve ser ministrado de uma forma “lúdica”, isto é, estudar não é trabalhar: estudar é brincar e compete aos professores dar-lhe essa forma. Os próprios manuais de ensino têm designações brincalhonas: os livros de texto de Língua Portuguesa têm designações como “Nas Asas da Fantasia” e outros títulos semelhantes; por ex., o livro de texto de Matemática para o 12º ano de Francelino Gomes et al. tem uma capa um jogo de xadrez e por dentro tem fantasias. Os livros de Física têm fantasias semelhantes. E os programas reflectem essa fantasias. O programa da disciplina de Físico-Químicas do 10º, por ex., inicia-se com várias fantasias no domínio da Astrofísica e da Astronomia, possivelmente com a ideia de “atrair o interesse dos alunos” para os problemas do Universo que a Física e a Química pretensamente podem resolver ou fenómenos que essas ciências podem explicar. Isto não se vê nos livros estrangeiros, como os de “College Physics” ou “General Chemistry”, etc.. Aí os estudos são apresentados desde o início como questões sérias e as leis fundamentais da Física (Estática e Dinâmica, Electricidade e Magnetismo, Calor, etc., etc.) são enunciadas com clareza e seguidas de exemplos de aplicação prática e de um grande conjunto de exercícios a fazer pelos alunos, de modo a que estes “assimilem” bem as matérias em causa.
Em 2º lugar, e já fruto desta trapalhada em que se não distingue o que se passa nos “tempos de recreio”, que são de facto devem ser tempos de “brincadeira”, dos “tempos dentro da sala de aula”, que devem ser tempos de trabalho , os “sábios” do MEN em Lisboa decidem que o aprendiz e o professor têm “direitos” iguais dentro e fora da sala de aula, o que leva à falta de respeito de alguns alunos para com os professores, que são insultados e chegam a ser agredidos por esses alunos, sempre os piores de cada turma.
A impunidade dos alunos é total, visto que nem os “presidentes dos conselhos directivos” das escolas têm qualquer força legal para imporem disciplina ou punirem os alunos que causam desacatos quer com os professores quer com os seus próprios colegas, em geral, os melhores da turma. Além disso, os professores são obrigados até ao 9º ano de escolaridade a deixar passar todos os alunos, mesmo os piores. As próprias ministras alegam publicamente que “reter alunos” leva ao abandono escolar e passar todos os alunos é a forma de o evitar.... É bem claro que estas afirmações dos mais altos responsáveis do MEN levam a que em cada turma, onde sempre há “ovelhas ranhosas”, estas se sintam à vontade para passarem os tempos dentro da sala de aula a fazerem desacatos. Esta situação já levou a suicídios de alunos perseguidos por colegas seus e de professores que se sentem vexados no exercício da sua função, que deveria ser uma “missão”.
Assim, os melhores professores abandonam as escolas, procurando reformar-se o mais cedo possível ou passando para o ensino privado antes da reforma. Porém, mesmo neste ensino, os “inspectores” do MEN impõem os critérios centrais de ensino e aprendizagem... (Há muitos anos que se anda a falar de descentralização do Ensino, mas a FENPROF não deixa, porque sabe bem que isso seria o seu próprio princípio do fim...).
Em 3º lugar, os próprios programas de disciplinas com o de Matemática, que é o nó górdio para a grande maioria dos alunos, estão cheios de sobreposições e lacunas; isto é, não há um encadeamento apropriado das matérias do 1º ano (1ª classe) ao 12º ano. Partes como a de “Estatística” são dadas de forma repetida e por diferentes professores, uma vez que, estando a colocação de professores centralizada, o professor de cada disciplina muda de ano para ano. Além disso, as matérias de Matemática não são coordenadas com as das outras disciplinas que utilizam a Matemática (a Física e a Química), de modo que, por ex., o aluno é chamado a resolver problemas de Física sem ter bases matemáticas para o fazer. Para completar este cenário, os alunos de Ciências saem do 12º ano sem lhes terem sido ensinadas matérias como a da mudança da numeração da base 10 para qualquer outra base (e vice-versa), nomeadamente a mudança da base 10 para a base 2, na qual trabalham todos os computadores...
Outras questões têm a ver com disciplinas do Básico como a de “Educação Tecnológica”, onde era suposto darem algo útil sobre Propriedade dos Materiais, Carpintaria, Serralharia, Electricidade, Cerâmica, Costura, etc.. e até fazerem alguns trabalhos práticos úteis às futuras vidas dos moços e moças, quaisquer que elas venham a ser. Desilusão completa, porque os “professores” que têm a exclusividade do ensino desta disciplina, dada em vários anos ( do 5º ano 9º), são apenas drs. que nada sabem dessas profissões (os engenheiros ou engenheiros técnicos ou “mestres” de Carpintaria, etc. não podem concorrer ao ensino dessa disciplina). Para piorar as coisas, os próprios manuais (alguns, pelo menos) têm erros crassos em questões básicas, tais como a definição de solo argiloso.
[Continua]

JBM

(Artigo de opinião/testemunho do autor identificado. Devido à extensão total do texto, que se reporta a um período amplo e a dimensões muito variadas da realidade que trata, será divulgado por partes. Sendo matéria sensível aquela que se invoca, é aqui tratada como testemunho de alguém que viveu o período objecto de análise e que dele faz a sua leitura.)

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