Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

domingo, janeiro 23, 2011

O Poder Real em Portugal 2010 e a Crise (7ª parte)

[Continuação]
Derrota do “Cavaquismo”. Instalação do “Guterrismo”. Rumo a uma Dívida Pública gigantesca.
O abrandamento da actividade económica nos últimos anos do XII Governo, foi aproveitada pelas forças de esquerda, aliadas à ala esquerda do PS, para levarem a cabo forte contestação social e acções de rua contra as reformas do “cavaquismo”. Cavaco Silva responderia com uma frase que se tornou célebre, «deixem-me trabalhar!», e classificava a oposição como «forças de bloqueio». De acordo com o governante, aqueles que se opunham às suas políticas faziam parte dessas forças. Entre os "bloqueadores", foram incluídos Mário Soares, que com as suas “Presidências Abertas” dava eco à contestação social que se fazia sentir no País, e Sousa Franco, então presidente do Tribunal de Contas, que várias vezes reprovou as contas enviadas pelo Governo.
Após dez anos como Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva coloca-se de fora das eleições legislativas desse mesmo ano, e afasta-se da liderança do PSD, entretanto assumida por Fernando Nogueira. A derrota do PSD em 1995, pelo PS de António Guterres, levam Cavaco Silva a anunciar uma candidatura à Presidência da República. Personificando uma alternativa não socialista, defronta-se com Jorge Sampaio, e sai derrotado (com 46,09%, contra 53,91% dos votos).
António Guterres toma posse como 1º ministro do XIII Governo Constitucional a 28 de Outubro de 1995.
O XIII Governo Constitucional tomou posse a 28 de Outubro de 1995, sendo constituído pelo Partido Socialista com base nos resultados das eleições de 1 de Outubro de 1995, mas sem maioria absoluta. Terminou o seu mandato em 25 de Outubro de 1999, na sequência do termo normal da legislatura.
Durante este mandato abundam acções de rua de maiores ou menores dimensões em prol de “mais dinheiro e menos horas de trabalho”, etc., o que não deixa de ter relação com as campanhas dos membros do Partido Socialista acima indicadas, que ajudaram à queda de Cavaco Silva. Guterres apagou todos os fogos “abrindo o cofre”, sem olhar às consequências na Dívida Externa.
O XIV Governo Constitucional tomou posse a 25 de Outubro de 1999, sendo constituído pelo Partido Socialista com base nos resultados das eleições de 10 de Outubro de 1999. Terminou o seu mandato a 6 de Abril de 2002, na sequência da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro.
O XIV Governo Constitucional contava com o apoio parlamentar da exacta metade dos deputados à Assembleia da República, o que tecnicamente impedia a aprovação de qualquer moção de censura.
Foram 5597 as pessoas que o governo de António Guterres nomeou entre Outubro de 1995 e Junho de 1999. Só para os gabinetes ministeriais, a equipa Guterres nomeou 2132 pessoas, de acordo com dados divulgados em Julho 1999 pela Secretaria de Estado da Administração Pública. O governo de António Guterres introduziu em Portugal as já famosas SCUTs. Uma SCUT é(ra) uma auto-estrada em regime de portagens virtuais, "Sem Custo para os UTilizadores", cujos custos eram suportados pelo Estado Português . Nos termos dos contratos celebrados com a empresa concessionária ou consórcio privado, ao qual é adjudicada uma SCUT, o consórcio é responsável pelo projecto e financiamento da construção, exploração e manutenção da auto-estrada. Note-se que, em geral os meios de comunicação social dizem apenas que “o consórcio é responsável pelo financiamento da construção, exploração, manutenção da auto-estrada”. Omitem, por ventura inadvertidamente, que o consórcio é quem manda fazer o projecto, isto é, o concurso é realizado sem PROJECTO (de Engenharia Civil), apenas com base num caderno com “ um programa e com termos de referência”, como têm sido todos os concursos de Obras Públicas no pós 25 de Abril.
Já publicámos neste Blogue e algures as graves consequências desta metodologia em termos de custos para o Estado (para o Contribuinte) e para os prazos de realização das obras. E a essas consequências não escaparam os custos das SCUTs. Com efeito, as 7 AE em regime de SCUT, num total de 914km teriam um custo de construção estimado de 1,34 mil milhões de euros. Na realidade, considerando as alterações dos “projectos” (programas) iniciais, o custo de construção, estimado, ronda os 3,675 mil milhões de euros (cerca de 175% mais), e prevê-se que o valor actualizado dos encargos totais a suportar pelo Estado ao longo da totalidade do período das 7 concessões atinja os 9,8 mil milhões de euros.
Este modelo transformou-se num mau instrumento de desorçamentação, permitindo a construção rápida de auto-estradas mas com encargos financeiros insuportáveis para os próximos 25 anos. As SCUTs mostraram-se injustas, ineficientes, insustentáveis e inviáveis. (Raquel Costa[artigo de opinião produzido no âmbito da u.c. "Economia Portuguesa e Europeia", do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho], Publicado por J. Cadima Ribeiro)
De facto “Dos 914 km de auto-estradas em regime SCUT, cerca de 55% situam-se no interior, atravessando concelhos cujo nível de desenvolvimento não justificaria o seu pagamento pelos utilizadores” (Wikipedia, Dezº-2010).
Repare-se ainda que, tanto no caso das SCUTs como no das outras auto-estradas, os preços das portagens são de tal modo elevados que o tráfego que nelas circula é reduzidíssimo enquanto que o tráfego nas estradas normais para os mesmos itinerários é elevadíssimo, dando origem a engarrafamentos monstros e enormíssimas perdas de tempo e de combustível. Tendo nós interrogado alguém ligado às Estradas de Portugal (EP) sobre este absurdo, foi-nos dito que as concessionárias nada ligam aos volumes reais de tráfego porque, nos termos dos contratos de concessão, o Estado lhes assegura o pagamento de volumes mínimos elevados, independentemente dos volumes reais.
Também aqui se ofende a Lei Económica de formação de preços em regimen de monopólio: “A entidade monopolista, para ter lucros máximos, deve fixar um preço tal que o valor total apurado na venda, seja máximo” (esta Lei é correspondente à Lei de formação de preços em regimen de concorrência perfeita). Percorrendo a maior parte das auto-estradas portuguesas é por demais evidente que se a concessionária baixasse as portagens por ex. em 20%, o valor total apurado ao fim do dia (ou da semana) seria maior que o actual, porque o tráfego subiria mais de 20%. Não sabendo à partida qual o valor a reduzir em cada caso para atingir a receita máxima, a concessionária poderia determinar experimentalmente esse valor por iterações. Este procedimento traria vantagens para todos os intervenientes porque aumentaria a velocidade de circulação de pessoas e bens e, daí, conduziria a um aumento do PIB. Até traria vantagens ambientais, pois é bem sabido que os engarrafamentos aumentam em muito as emissões de CO2 por quilómetro percorrido e com este procedimento a “carga” de tráfego nas estradas normais seria reduzida pelo aumento de tráfego nas auto-estradas, muitas das quais estão hoje praticamente vazias. E não se pode dizer que os custos de manutenção das auto-estradas aumentariam, pois esses custos dependem essencialmente das acções atmosféricas. Também os custos de manutenção das estradas normais seriam reduzidos porque, aí sim, esses custos dependem não só das condições atmosféricas mas também, muito, da acção das cargas dos veículos pesados.
Se todas estas vantagens são facilmente contabilizáveis, porque é que as concessionárias das auto-estradas mantêm os preços das portagens irracionalmente elevados? Porque é que os governos não “põem mão” nisso? Porque é que os governos permitem, e até fomentam, que as concessionárias das auto-estradas façam “arredondamentos” mínimos de 0.05€ em todos os valores das portagens, mormente os dos pequenos percursos nas vizinhanças das grandes cidades, logo que, por ex. o governo aumenta o IVA em 1% ou mesmo 0.5%? Os governos, todos os governos, permitem este roubo escandaloso.
Claro que os governos também “petiscam” nesse e noutros roubos e talvez pensem que o “Zé” não se apercebe dessas sujas manobras, mas os governos, todos os governos, se enganam. o “Zé” tem total desprezo pela classe política que o continua a (des)governar, a qual só pensa nas formas de “marketing” político para ganhar as próximas eleições e se mantém no poder, distribuindo chorudas sinecuras a todos os seus “boys and girls”. Não há “Instituições Públicas” independentes do “Governo de Serviço”, com funcionários que subam na carreira por concurso de provas públicas. Os principais partidos, embora o não digam, continuam totalmente de acordo em que os lugares de topo da Administração Pública devem ser ocupados por membros do partido que ganhou as eleições. E isto acontece tanto nas direcções gerais dos ministérios, como nas direcções locais de câmaras municipais e empresas “satélites”. E já não se fala nas muitas centenas de empresas públicas, semi- públicas e institutos públicos que continua a aumentar. Só entre 2007 e 2009, o número de empresas públicas cresceu 20%, o que corresponde a mais 16 novas entidades, entre sociedades anónimas e entidades públicas empresariais (http://www.ionline.pt/conteudo/72859-numero-gestores-publicos-cresceu-19-2007 ).
Note-se que, por ex., quando na direcção de uma empresa pública está um militante do PSD e, por força de o PS ter ganho as recentes eleições, vem instalar-se um militante do PS, o militante do PSD até fica todo contente com a choruda maquia que vai receber de indemnização a que “tem direito” nos termos do contrato que fez com essa empresa pública (é mesmo para isso que a maior parte das empresas públicas existem...). E vice-versa: quando na direcção de uma empresa pública está um militante do PS e, por força de o PSD ter ganho as recentes eleições, vem instalar-se um militante do PSD, o militante do PS até fica todo contente com a choruda maquia que vai receber de indemnização a que “tem direito” nos termos do contrato que fez com essa empresa pública.
Só assim se compreende que os principais partidos andem aos “encontrões uns aos outros” e não se sentem a uma mesa para tomarem compromissos “extra-parlamentares” sobre um programa Educacional e Económico que meta o País nos trilhos, acabando por ter de ser a UE (e o FMI) que, mais uma vez, nos imporá medidas que nunca são as melhores para o bem estar de todos os portugueses. (Quem é que poderá responder a esta pergunta simples: como é que os governos têm o “arrojo” de lançar internacionalmente emissões de obrigações com prazo de maturidade de 10 anos, quando os principais partidos não têm um plano concertado para um programa Económico a, digamos, 5 anos, e muito mal se entenderam para “deixar passar” o orçamento para o ano de 2011? Não é isto, só por si, uma total falta de senso?)
[Continua]

JBM

(Artigo de opinião/testemunho do autor identificado. Devido à extensão total do texto, que se reporta a um período amplo e a dimensões muito variadas da realidade que trata, será divulgado por partes. Sendo matéria sensível aquela que se invoca, é aqui tratada como testemunho de alguém que viveu o período objecto de análise e que dele faz a sua leitura.)

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